Entre 1997 e 1998, o clima não estava bom na banda Red Hot Chili Peppers. Para começar, o álbum One Hot Minute, de 1995, vendeu mundialmente pouco mais de 5,8 milhões de cópias, muito abaixo do aclamado Blood Sugar Sex Magik (1991), que em todo mundo ultrapassou a marca de 14 milhões de cópias vendidas (mais de 7 milhões só nos Estados Unidos). O principal motivo para a situação difícil pela qual passavam os Red Hot Chili Peppers girava em torno do guitarrista Dave Navarro, músico que estava na banda desde 1993, após a saída de John Frusciante. Havia uma insatisfação dos membros do grupo com Navarro, e isso acabou motivando a sua saída da banda, em abril de 1998.
Sem guitarrista, os Red Hot Chili Peppers passaram a buscar não apenas um substituto para ocupar o lugar de Navarro, mas também uma maneira de reerguer a autoestima da banda. O baixista Flea e o vocalista Anthony Kiedis enxergavam apenas um nome: John Frusciante. No entanto havia um grande problema: Frusciante travava uma grande batalha para se livrar das drogas, uma batalha que já vinha desde a sua saída dos Red Hot Chili Peppers e que tinha tudo para ser perdida. O vício do músico em heroína e cocaína era tão sério que estava levando-o à ruína financeira. Em janeiro de 1998, John Frusciante internou-se mais uma vez para tratar da sua dependência, mesma época em que os Red Hot Chili Peppers vivenciavam sua crise como Dave Navarro.
Em abril de 1998, quando Dave Navarro deixou a banda, Flea foi à procura de John Frusciante, que àquelas alturas, estava em tratamento contra o vício em drogas. O convite de Flea para retornar à sua antiga banda, parecia um presente para Frusciante, e a mesmo tempo, uma motivação para superar a sua condição de dependente químico, e um desafio para dar a volta por cima.
Red Hot Chili Peppers no detalhe na capa da revista Rolling Stone, edição de outubro de 1995: Dave Navarro (o primeiro à esquerda) foi o pivô da crise na banda em meados dos anos 1990. |
Reintegrado à banda, Frusciante e seus antigos companheiros começaram a elaborar e ensaiar durante meses o repertório para o próximo álbum. As canções que os membros da banda estavam compondo refletiam os momentos de turbulência que o grupo estava atravessando, bem como as questões pessoas de cada um deles. Para a produção, os Red Hot Chili Peppers contaram com Rick Rubin, o mesmo produtor dois álbuns anteriores, o consagrado Blood Sugar Sex Magik e One Hot Minute (1995). As gravações do novo álbum aconteceram no Cello Studios, Los Angeles, entre dezembro de 1998 e março de 1999.
Em maio de 1999, a prova de fogo para a nova fase dos Rede hot Chili Peppers foi o lançamento do single de “Scar Tissue”, um mês antes do lançamento do álbum. Nos Estados Unidos, o single foi 1º lugar da Billboard Hot Modern Rock Tracks e da Billboard Mainstream Rock Tracks. No Reino Unido, o single alcançou o posto de 15º lugar UK Singles Chart. O público e a crítica reagiram bem ao primeiro single do novo álbum que estava por vir.
Intitulado Californication, o sexto álbum de estúdio dos Red Hot Chili Peppers chegou às lojas em 8 de junho de 1999. A arte da capa foi concebida pelo designer gráfico Lawrence Azarad, a partir de um sonho que o guitarrista John Frusciante teve, no qual aparecia uma piscina com um céu dentro dela ao invés de água, e o céu era tomado por água. Lawrence fez uma montagem fotográfica em que mostra uma piscina com nuvens alaranjadas, e o céu com ondas de água.
Californication trouxe os Red Hot Chili Peppers mais maduros nas letras, que refletiam as experiências de vida de seus integrantes, que exceto Frusciante, o mais novo do grupo, já haviam passado da casa dos trinta anos de idade. Os temas das canções passam por drogas, morte, viagem, amor, fama e luxúria. O álbum mostra também o quanto a banda se dedicou para fazer um trabalho muito bem-acabado. Anthony Kiedis está cantando melhor, fruto das aulas que havia tendo com o professor de canto Ron Anderson, especialista em canto lírico. John Frusciante superou-se, seja tocando a sua guitarra, seja na sua completa entrega coma a criação dos arranjos das canções, uma prova de que o músico via em Californication uma vitória pessoal, uma prova de que estava saindo do seu inferno interior e queria mostrar ao seu público que era um artista recuperado.
John Frusciante (o terceiro da esquerda para a direita) reintegrado ao Red Hot Chili Peppers |
“Around The World” é a primeira faixa do álbum que fala sobre as viagens de Anthony Kiedis ao redor do mundo. Se nas estrofes, Kiedis declama nos versos como um rapper bem ao estilo Red Hot Chili Peppers, no refrão ele canta acompanhado dos vocais de fundo feitos pelos seus companheiros de banda. Instrumentalmente, a faixa possui ritmos alternados que variam entre um rock agressivo, um funk com uma linha de baixo poderosa e um ritmo mais voltado para o pop.
“Parallel Universe” foge do estilo tradicional dos Red Hot Chili Peppers. A letra é estranha e uma tanto quanto surreal. A faixa seguinte, “Scar Tissue”, trata da vida da banda, de suas experiências de estrada, regada aos excessos tão comuns na carreira das estrelas de rock. O título da canção (“Cicatriz”, em português), é bem sintomático, representa a marca do tempo, da vivência dos membros da banda. O destaque em “Scar Tissue” fica para o marcante solo de slide guitar executado por John Frusciante.
“Otherside” é uma homenagem a Hillel Slovak, ex-guitarrista dos Red Hot Chili Peppers, morto em 1988 aos 26 anos, vítima de overdose de heroína. A música trata dos conflitos e das angústias vividas pelo músico ao lidar com o seu vício. John Frusciante foi o substituto de Slovak no posto de guitarrista na banda, tendo à época, apenas 18 anos de idade. A faixa seguinte, “Get On Top”, segue o estilo autenticamente Red Hot Chili Peppers: linha de baixo pulsante e cheia de slaps, guitarra distorcida, e uma mistura bem resolvida e dançante de funk e rock.
"Otherside" é uma homenagem a Hillel Slovak (à direita), guitarrista do Red Hot Chili Peppers morto em 1988. |
Em “Californication”, faixa que dá nome ao álbum, a banda traça uma crítica à vida superficial das celebridades em Hollywood, à busca incessante pela fama a todo custo. Para fazer o riff de guitarra de “Californication”, John Frusciante teria se inspirado numa antiga música do The Cure, “Carnage Visors”, de 1981.
Os Red Hot Chili Peppers flertam com o pop em “Easily”. A música possui uma sonoridade acessível, em que alterna o ritmo lento com a levadas rápidas e dançantes. Calma e tranquila, “Porcelain” é uma balada que foge completamente ao estilo Red Hot Chili Peppers, e conta com um Anthony Kiedis cantando de maneira suave.
Para compor “Emit Remmus”, Anthony Kiedis teve como inspiração, a cantora Melanie C, na época integrante das Spice Girls, e com quem tinha amizade. A música possui um ritmo lento, guitarra distorcia e baixo robusto. Uma curiosidade é que o título esquisito nada mais é do que a expressão “Summer Time” (horário de verão”, em português), escrito ao contrário.
“I Like Dirt” a veia funk dos Red Hot Chili Peppers se mostra mais acentuada. Frusciante faz solos de guitarras cheios de efeitos de pedais wah wah que remetem a Jimi Hendrix (1942-1970). Enquanto isso, baixo e bateria garantem a base instrumental hipnótica e “quebrada”. Em “This Velvet Glove”, os Red Hot Chili Peppers fazem uma bem construída integração entre a sonoridade acústica e elétrica, garantida pelos violões e guitarra elétrica. O ritmo funk se apresenta bem sutil, discreto.
“Savior” é uma canção que Anthony Kiedis escreveu dedicada ao seu pai, o ator John Kiedis, mais conhecido pelo público norte-americano como Blackie Dammett. Não era a primeira vez que Kiedis escrevia uma canção dedicada ao seu pai. A primeira foi “Breaking Girl”, do álbum Blood Sugar Sex Magik (1991). Mais tarde, ele compôs outra canção dedicadas ao pai: “The Hunter”, do álbum The Gateway (2016).
John Kiedis e seu filho Anthony Kiedis nos anos 1970, um adolescente e futuro astro do rock |
“Purple Stain” é um fantástico funk rock onde os Red Hot Chili Peppers se mostram muito bem entrosados. Todos os músicos se destacam em ”Purple Stain”, em especial, o baterista Chad Smith, talvez a faixa do álbum em que mostra com mais intensidade as suas habilidades como músico. A partir da metade da música até o final, a banda faz uma longa demonstração instrumental.
“Right On Time” é curta que começa de maneira repentina. É um funk rock veloz, de andamentos que alternam rapidez e ritmo moderado. Aqui, o baixo de Flea é extremamente pulsante.
Fechando o álbum, a balada acústica “Road Trippin’ “, que conta com a voz de Anthony Kiedis, acompanhada pelo violão de John Frusciante e um órgão Chamberlin, tocado pelo tecladista Patrick Warren. Curiosamente, o que parece ser som de violinos que se ouve na canção, nada mais é do que o som produzido pelo órgão Chamberlin. Semelhante ao Mellotron, o instrumento já está fora de fabricação desde o começo dos anos 1980. Era muito utilizado na década de 1960, conseguia simular sons de vários instrumentos como violino, violoncelo, piano, flauta, trombone, trompete dentre outros.
"Primo" do Mellotron e parente distante do sampler, o órgão Chamberlin foi usado na faixa "Road Trippin" para simular som de violinos |
Todos esforços empregados pelos Red Hot Chili Peppers na gravação de Californication valeram à pena. O álbum teve uma ótima recepção por parte da imprensa musical que teceu elogios ao álbum. A revista Rolling Stone destacou os vocais de Kiedis que segundo a publicação, tiveram uma evolução técnica. Houve uma parcela da crítica especializada que creditou a qualidade do álbum ao retorno de John Frusciante à banda.
Muito bem recebido pela crítica, Californication teve ótima recepção por parte do público, ansioso com o álbum que contava com a volta da formação que consagrou os Red Hot Chili Peppers. Californication chegou ao 3º lugar na Billboard Hot 200, nos Estados Unidos. No Reino Unido, alcançou o 5º lugar no Top 40. Na Finlândia, Áustria, Suíça e Nova Zelândia. Californication foi 1º lugar nas paradas de álbuns desses países. O álbum foi 2º lugar na França e Holanda.
Californication gerou ao todo single: “Scar Tissue”, “Around The World”, “Otherside”, “Californication”, “Road Trippin’” e “Parallel Universe”.
Em maio de 1999, um mês antes de Californication ser lançado, foi iniciada a turnê promocional do álbum, provavelmente movida pela expectativa pelo retorno de John Frusciante aos Red Hot Chili Peppers. Foi a maior turnê da carreira dos Red Hor Chili Peppers até então, e que durou um ano e quatro meses, passou pela América do Norte, Europa, Ásia, Oceania e América do Sul, contabilizando no total 139 shows.
A turnê incluiu o famigerado show dos Red Hot Chili Peppers no festival Woodstock ’99, em Rome, estado de Nova York, em julho de 1999, que celebrou os 30 anos do antológico Festival de Woodstock, de 1969. No dia 25 de julho, um incidente grave e lamentável ocorreu durante a apresentação dos Red Hot Chili Peppers. Quando a banda californiana tocava “Fire”, de Jimi Hendrix (1942-1970), a pedido da família do lendário guitarrista, um incêndio começou a consumir barracas de lanches, banheiros químicos do festival. O incêndio teria sido provocado por uma parte da plateia que havia recebido velas dos organizadores do evento para uma vigília celebrando a paz. A boa intenção que tinha um motivo pacífico, acabou tomando um sentido contrário: o pânico tomou conta do público por causa do incêndio. Como se isso não bastasse, durante a confusão, houve saques e até mesmo estupros.
Red Hot Chili Peppers no Festival de Woodstock, em 1999. em noite que terminou em caos. |
Por outro lado, iniciando a turnê europeia de Californication, os Red Hot Chili Peppers tocaram em 14 agosto de 1999, na Praça Vermelha, em Moscou, na Rússia, para um público estimado pouco mais de 200 mil pessoas, provavelmente, um dos shows mais marcantes do quarteto californiano.
Em 2000, na 42ª cerimônia anual do Grammy Awards, em 2000, “Scar Tissue” conquistou o prêmio na categoria “Canção de Rock”. No mesmo ano, os Red Hot Chili Peppers conquistam três prêmios no MTV Video Music Awards: “Melhor Direção” (pelo videoclipe de “Californication”), “Melhor Direção de Arte” (pelo videoclipe de “Californication”) e “Prêmio Michael Jackson Video Vanguard”.
Com mais de 16 milhões de cópias vendidas (mais de 6 milhões somente nos Estados Unidos), e muito bem aclamado pela crítica, Californication é o álbum mais bem-sucedido comercialmente da discografia dos Red Hot Chili Peppers.
Faixas
- “Around The World”
- “Parallel Universe”
- “Scar Tissue”
- “Otherside”
- “Get On Top”
- “Californication”
- “Easily”
- “Porcelain”
- “Emit Remmus”
- “I Like Dirt”
- “This Velvet Glove”
- “Savior”
- “Purple Stain”
- “Right on Time”
- “Road Trippin’”
Todas as músicas escritas e compostas por Anthony Kiedis, Flea, John Frusciante e Chad Smith.
"Around The World" (videoclipe original)
"Parallel Universe"
“Scar Tissue”(videoclipe original)
“Otherside” (videoclipe original)
“Get On Top”
“Californication” (videoclipe original)
“Easily”
“Porcelain”
“Emit Remmus”
“I Like Dirt”
“This Velvet Glove"
"Savior"
"Purple Stain"
"Right On Time"
"Road Trippin'"
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