domingo, 15 de janeiro de 2023

Casais na Música




A convivência de um casal exige muita paciência, dedicação, carinho, atenção, confiança, entre outras diversas qualidades positivas que façam da união dos dois algo saudável e possível de existir. Imagina então tentar levar tudo isso para os palcos e estúdios. Vários foram os casais que fizeram sucesso no mundo da música. Alguns por muitos anos, com vários lançamentos. Outros, por breve período de tempo, com apenas um único disco. Alguns casais são clássicos, outros poucos sabem que havia um casal naquela banda. O Consultoria Recomenda de hoje resgata seis discos de bandas/artistas que são casais, passeando pelas décadas de 60, 70, 80, 90 e 2000. Use nossos comentários para indicar outros álbuns e casais que você lembre, e claro, fique a vontade para ler as opiniões de nossos consultores.




Ike & Tina Turner – River Deep – Mountain High (1966)
Recomendado por Fernando Bueno


É impossível ouvir esse disco sem lembrar de todas as histórias do relacionamento do casal Ike e Tina. Lembro que eu sabia quem era a Tina Turner somente por conta de Mad Max 3 e na época ouvi/li um comentário sobre o filme em que metade dele era falando em como ela sofreu com o ex-marido. Como pode um cara tão talentoso como músico, produtor, arranjador ser tão escroto como pessoa? Nesse disco ele deixou que Tina brilhasse mais, mas imagina a pressão sobre a moça. Impressiona é que quando se vê imagens da época ela se entrega tanto no palco que fica a certeza que era seu modo de desabafar. Até mesmo a capa entrega como estava o clima com os olhar distante de Tina em contraponto com o olhar de vigia de Ike.


Mairon: Um dos grandes discos de casais de todos os tempos, esse álbum era uma das minhas opções quando o tema foi sugerido. Ike e Tina fizeram tudo o que se podia no mundo da música, e em especial, suas gravações são pura energia, além de um talento incomensurável. Nesse álbum em especial, Ike resolveu ficar apenas na produção, dando apenas um apoio vocal em faixas rockers do porte de “Make ‘Em Wait” e “It’s Gonna Work Out Fine”. Largando sua guitarra, ele cria na produção um disco sem igual. É muito vigor exalado de “A Fool in Love”, “Oh Baby!”, “Such a Fool for You” e “You’re So Fine”. A faixa-título é um clássico, sem mais, na qual Tina solta a voz (como ela cantava), e a wall of sound de Phil Spector cria raízes. Mas quer entender o que é essa parede sonora, cai de boca no chão em “A Love Like Yours (Don’t Come Knocking Everyday)”, “Hold On Baby”,”Save the Last Dance for Me”. Mesmo quando a dupla resolve entregar-se à emoção de sons mais amenos, vide “Every Day I Have to Cry” e “I Idolize You”, a coisa arrepia até a espinha. O relançamento de 1969 trouxe mais da parede sonora em “I’ll Never Need More Than This”, Uma banda sensacional, com as Ikettes obviamente fazendo um trabalho fantástico, e um disco para ser ouvido por eras.


Ronaldo: O famoso casal Turner deveria ter mais mérito por sua contribuição para o pop do meado dos 60’s. O legado da dupla ficou para sempre pichado pelo machismo e agressividade de Ike Turner e obscurecido pelo sucesso estrondoso da carreira solo de Tina Turner a partir do fim dos anos 70. Ike era um guitarrista habilidoso, com origens no blues, e era o gerentão de um combo que mesclava com habilidade a energia do r&b junto de um girl-group envenado, cuja locomotiva era Tina e sua incrível habilidade de cantar e dançar simultaneamente. Apesar do disco ter arranjos orquestrais pomposos e um pouco exagerados, se trata de um disco bem divertido, com um clássica faixa título. Indicado para quem achava Amy Winehouse uma grande novidade.


Davi: Os bastidores desse disco devem ter sido surreal. Tanto Ike quanto Phil Spector são conhecidos por serem um tanto quanto temperamentais. Ninguém questiona as habilidades de Phil Spector enquanto produtor. Eu, particularmente, não gosto da produção dele no Let It Be (The Beatles), mas adoro o trabalho que fez com grupos como The Crystals, The Ronettes e os Righteous Brothers. Ike, enquanto pessoa, também não era nenhum exemplo, mas não há como negar suas qualidades enquanto músico. Musicalmente, lógico que a junção deu certo. Mas, que as gravações devem ter sido o que hoje se costuma chamar de tiro, porrada e bomba, não duvido nada. O disco é simplesmente delicioso. Traz aquele R&B maroto, com base na soul music, uma sonoridade alegre, mas ainda transbordando emoção. Sonoridade, simplesmente, mágica. Tina Turner já era uma cantora de mão cheia. Trabalho vocal maravilhoso. E o repertório é muito legal também. “Idolize You”, “Such a Fool For You” e “A Fool In Love” são gravações perfeitas. “River Deep, Mountain High”, então, nem se fala. Clássico absoluto. Em uma palavra: Discaço! Um dos mais legais dessa lista.


Nilo: Não eram um bom exemplo de casal, mas a química artística aqui é inegável. Se somente com Ike na mesa a tendência era a grandiosidade, com Phil Spector o negócio atingiu níveis absurdos. A voz de Tina ecoa pra todo lado, parece que gravaram num ginásio. Nenhuma canção passa dos quatro minutos, mas a sensação ao final é de ter sobrevivido a um apocalipse apaixonado. Impossível não respeitar, mesmo que não esteja alinhado com minhas preferências.


Alisson: Dois pilares sustentam o interesse pelo disco. O primeiro é a produção de Phil Spector. Se o disco ganhou a intensidade e reverência que possui atualmente, muito se deve aos arranjos orquestrais e à produção, que faz parecer uma execução gravada ao vivo de dentro de um estádio. O segundo é a entrega de Tina Turner em basicamente todas as canções. A emoção de sua voz em clássicos como “A Love Like Yours” e na faixa título talvez provaram para a própria Tina que ela poderia ser gigante sem o sofrimento excruciante que passava ao lado de Ike na época.



It’s A Beautiful Day – It’s A Beautiful Day (1969)
Recomendado por Mairon Machado


Fabulosa estreia dessa grande banda da segunda geração flower power californiano. O casal Linda (teclados) e David LaFlamme (violinos, vocais), ao lado da excepcional Patti Smith (vocais), Hal Wagenet (guitarras), Mitchell Holman (baixo, vocais) e Val Fuentes (bateria) criaram canções fantásticas nesse álbum, e o casamento do órgão com o violino vai muito bem, principalmente nas pérolas “Hot Summer Day”, “Bulgaria” e “Time Is”, além da emblemática “Bombay Calling”, faixa de qualidade acima do comum, cujo riff foi chupado sem dó nem piedade pelo Deep Purple para gravar “Child in Time”, o que levou a uma grande briga entre os dois grupos. O blues viciado de “Wasted Union Blues” é uma pequena amostra das loucuras que o LSD em excesso pode construir. Que baita faixa! Ainda temos a linda “White Bird”, talvez o maior sucesso dos americanos, e a suave “Girl With No Eyes”, Para se chapar a beira de uma praia ensolarada, com muita cerveja e batatas chips bem fritas.


Fernando: O disco iniciou com a melhor faixa do disco, “White Bird”, e fiquei com a impressão que David LaFlamme estava tentando empostar a voz para fazer um contraponto com a voz de Pattie Santos em uma tentativa de suplantar a desigualdade entre os dois. Porém essa impressão foi acabando ao longo do álbum. Também me pareceu que o disco sendo ouvido como um todo ficou um pouco repetitivo e cansativo. Mas quase todas as faixas possuem um trecho que se destaca e nos prende a atenção que vai se dissipando aos poucos novamente até que algum novo trecho nos traga de volta em um ciclo. Talvez seja uma banda para se ouvir aos poucos. “Wasted Union Blues” é linda com instrumentos e vozes se completando perfeitamente e sendo a faixa que eles se afastam um pouco da música psicodélica e caminham para o progressivo.


Ronaldo: Expoente obscurecido da psicodelia norte americana, o It’s A Beatiful Day tinha dois vocalistas, o casal LaFlamme, e trazia o pioneirismo no uso do violino (tocado por Dave LaFlamme) naquele contexto. O som da banda tinha como base o folk acústico-elétrico e composições que beiravam o pop orquestral. A interpretação da banda e a forma pouco ortodoxa com que Dave e Linda dividiam suas vozes (ora de forma descontraída e em outras dramática) trazia uma vibração densa para a música da banda. Em determinados momentos do álbum, as guitarras varrem o chão e trazem o puro acid rock da época.


Davi: Disco muito lembrado pela polêmica “Bombay Calling”. Quem está por fora, o clássico “Child In Time”, do lendário grupo Deep Purple, é uma releitura dessa canção. Não apenas a base do órgão de Jon Lord, mas também a linha vocal criada por Ian Gillan foi claramente inspirada no trabalho de órgão e violino dessa canção. Motivo que me levou a adquirir esse LP alguns anos atrás. Havia ficado curioso para ouvir um pouco mais do grupo. “White Bird” é capaz que seja lembrada por alguns, por ter aparecido em alguns episódios do popular seriado Super Máquina. Para mim, contudo, os grandes momentos ficam por conta de “Hot Summer Day” (canção traz muito do rock psicodélico de San Francisco. Não por acaso, a banda é de lá) e “Wasted Union Blues”, um dos poucos momentos onde a guitarra se sobressai. Na maior parte do tempo, quem se destaca é o casal LaFlamme. A aparição de David vai além do fato de ser a voz do grupo. Seu violino se destaca em vários momentos, assim como o trabalho de órgão e piano de sua esposa Linda. O lado B ficou voltado para as músicas maiores, mais viajadas, mais progs, onde a mais bacana é “Time Is”. No geral, considero um disco não mais do que regular. Embora bem feito, e com uma formação atípica (o que sempre se torna curioso) não tem aquela faixa que me faz querer ouvir de novo e de novo e de novo e de novo…


Nilo: Até o nome denuncia: é aquele típico rock sessentista, com flertes psicodélicos aqui, arronjos mais barrocos acolá (um deles inspiraria “Child in Time”, do Deep Purple), letras repletas de metáforas sobre a natureza… não dá pra dizer que não soa condizente com sua era, mas pessoalmente não me fisgou como um Forever Changes ou Odessey and Oracle – creio que a principal diferença é que estas encapsulavam a vibe ensolarada em canções compactas, enquanto o casal LaFlamme segue uma onda mais livre. Se sua predileção musical é a veia melódica, vá em frente que deve lhe agradar.


Alisson: Passagens psicodélicas que vão se entrecortando com o progressivo básico dos anos 60 em um disco que carrega com força o rótulo “Banda de Rock Psicodélico de San Francisco”. Tudo bem redondo, bem feito, mas parou por aí.



Delaney and Bonnie – On Tour With Eric Clapton (1970)
Recomendado por Ronaldo Rodrigues


No fim dos anos 60, Eric Clapton queria desesperadamente deixar de ser band leader e ficar tão evidenciado nos palcos. Um dos momentos em que esse objetivo foi alcançado foi na tour que ele fez em 1970 com esta brilhante dupla vocal. Os dois mostram gargantas afiadas, espertas alternâncias vocais e ótimos duetos. Os registros da tour esbanjam alto astral com um r&b quente, uma banda de alto nível e a elegância de Clapton na guitarra. As músicas e versões da dupla passeiam pelo rock básico, blues rock e pelo soul com maestria.


Fernando: As pessoas conhecem mais o Delaney and Bonnie pela sua participação na separação do Blind Faith do que pela própria banda. Eu mesmo tinha ouvido muita pouca coisa na época que conheci o Blind Faith e estava maluco pelo disco do Derek and the Dominoes. Engraçado que em uma lista de discos de casais temos aqui um “triângulo musical” demonstrado logo no título do disco. Particularmente não sou um grande entusiasta em comprar discos ao vivo, mas me parece que a versão estendida desse disco com seus 4 CDs é algo a se considerar de ter na coleção. Coisa linda! Também vi shows completos no Youtube com qualidade muito acima da média em se tratando de registros de época.


Mairon: Clássico do blues rock com cheiro de Southern Rock americano, regado pela guitarra britânica de Clapton. Nessa época, tudo o que o homem tocava virava ouro, pouco antes da depressão que levou ao incrível Derek & The Dominoes. Uma banda de apoio sensacional, com um ótimo naipe de metais, entrega aos ouvintes faixas emblemáticas e cheias de energia, do porte de “Comin’ Home”, “I Don’t Want to Discuss It”, “Only You Know and I Know”, “Things Get Better” e “Where There’s A Will There’s A Way”. Apreciei blues arrastado de “That’s What My Man Is For”, com Bonnie soltando a voz, Impossível também não vibrar pela sala com as homenagens para Robert Johnson (“Poor Elijah”) e Little Richard (“Little Richard Medley”). O disco até se assemelha ao de Ike e Tina, pela quantidade elevada de alegria e efervescência musical, e mesmo sem Clapton ser o nome principal, os seus solos ao longo da apresentação são um baita diferencial. Excelente recomendação!


Davi: Gravado em uma turnê de 7 dias na Inglaterra, esse álbum ao vivo é muito conhecido entre os fãs de Eric Clapton. A apresentação é excelente, mas se você nunca ouviu o álbum e é um fã de guitarra, vá com calma. Embora tenha seu nome grafado na capa, a participação de Clapton é discreta. Há alguns solos de guitarra bonitos no disco, sem dúvidas (dois exemplos seriam ”Poor Eliah” e “I Don´t Want To Discuss It”), mas são solos criados ‘na medida’, sem espaço para grandes improvisos. A banda de apoio é estelar e traz grandes nomes do rock como Dave Mason (Traffic) e Bobby Keys (Rolling Stones). A sonoridade mescla soul, blues e rock de maneira cativante. “Things Get Better”, “Comin´ Home” e a já citada “I Don´t Want to Discuss It” são os momentos de destaque. O casal entrega um bom trabalho vocal. Só pecam no medley formado por canções de Little Richard. Não que tenha feito feio, mas o rapaz não chega nem perto da potência e nem da emoção transmitida pelo grande Ricardinho. Esse é o único ponto baixo do álbum. Daqui, sairiam a base dos músicos que estiveram em All Things Must Pass e Layla And Other Assorted Love Songs. Trabalhos ainda mais legais e ainda mais importantes do que esse. Quem não conhece, se é que alguém não conhece, escute-os. Bacana, a lembrança desse disco.


Nilo: Sem entrar na discussão se o gênero existe ou não, o que se rotula como “blue eyed soul” raramente faz minha cabeça. Acho um som lavado demais. Este registro aqui, mesmo ao vivo e acompanhando um senhor bluesman, soa limpinho demais. Prefiro aquele soul malicioso de Curtis Mayfield e afins, mas creio que o leitor médio do site encontrará em On Tour with Eric Clapton uma boa trilha sonora para aquele churrascão de domingo.


Alisson: Ao vivo dos anos 70 mais sem energia. Execuções sem suingue nenhum, apenas um blue-eyed-soul (vulgo “soul de branco”) engessado. E dói mais ainda quando dedicam medleys à Robert Johnson e Little Richards, mas tudo parece burocrático.



John Lennon & Yoko Ono – Double Fantasy (1980) 
Recomendado por Davi Pascale


Sim, meus amigos, o ultimo álbum da carreira de John Lennon foi realizado em parceria com sua esposa Yoko Ono. O disco marcava seu retorno às gravações. Já fazia 5 anos que Lennon não lançava um trabalho, mas infelizmente o que era para ser considerado um momento de alegria para seus fãs, acabou se tornando um choque que o mundo jamais esqueceu. Em 8 de Dezembro de 1980, 2 semanas após Double Fantasy chegar às lojas, John Lennon foi assassinado nas portas do edifício Dakota. O que era para ser seu retorno, tornou-se o fim de sua trajetória. As vendas que começaram tímidas, explodiram. Quando o tema foi lançado, esse foi o primeiro álbum que me surgiu em mente. Na minha infância, costumava sair no carro acompanhado de um walkman. Uma de minhas fitinhas era uma seleção que havia criado com canções de John Lennon. “Woman” e “(Just Like) Starting Over” estavam entre elas. Não tinha como citar outro disco… Em Double Fantasy, o trabalho vocal era dividido entre John e Yoko, assim como as composições. Nunca morri de amores pelo trabalho de Yoko Ono. Nunca gostei de seu timbre de voz, nem de suas experimentações malucas, mas sua participação aqui é menos polêmica do que nos demais projetos. Afinal, buscava uma linguagem mais pop. Músicas curtas com refrão. Em alguns momentos, como “I’m Movin’ On”, “Hard Times Are Over” e “Yes, I’m Your Angel”, soa agradável. Mas o creme desse CD são mesmo as músicas de Lennon: “(Just Like) Starting Over” e “Watching The Wheels” são perfeitas. “I’m Losing You”, “Beautiful Boy” e “Woman” são clássicos absolutos. Lennon era um compositor de mão cheia e o resultado final comprova isso. Disco bem bacana!


Fernando: Fiquei com vontade de escrever sem nem ouvir. Já passei muita raiva tentando ouvir a Yoko Ono por conta da insistência do Marco Gaspari – sei que a culpe é minha querido Siri!!! Ouvi mais em respeito ao John Lennon, mesmo sabendo que ele se tornou um chato gigante depois da separação dos Beatles. Também tem a questão história, já que o álbum foi lançado dias antes do trágico assassinato de John. Fico contente de terem escolhido esse álbum do casal, pois ninguém merecia aquela capa da primeira empreitada dos dois juntos. Contente também por esse disco não ser a chatice completa que são os discos da Plastic Ono Band ou o Imagine, por exemplo. Para ser sincero desconheço como era a dinâmica da dupla ao gravar seus discos juntos. Eles apenas dividiam os vocais ou tocavam instrumentos quando o outro estava cantando? No final achei bastante positivo o resultado. John é um baita compositor e Yoko não foi totalmente Yoko. Quem sabe….


Mairon: Lançado pouco antes do assassinato de Lennon, esse álbum é uma despedida um tanto quanto melancólica para alguém do nome Lennon. O flerte com instrumentos eletrônicos, principalmente na bateria, não me agrada, e para tal exemplo, cito “(Just Like) Starting Over”, “Cleanup Time”, a cafona “Dear Yoko” e a chatérrima “Woman”. Dele escapa-se “I’m Losing You”, “Watching the Wheels” e claro, a melhor do disco, a lindíssima “Beautiful Boy (Darling Boy)”, que certamente faz muito marmanjo chorar quando apresentada no inesquecível filme Adorável Professor. Por outro lado, Yoko está sensacional, dando uma aula de canto para os anos 80 através de “Beautiful Boys”, “Kiss Kiss Kiss”, a maluquete jazzística de “Yes, I’m Your Angel”, resgatando seus vagidos na ótima “I’m Moving On” (uma resposta à “I’m Losing You”) e aproveitando-se de estripulias na curtinha “Give Me Something”. Creio que ela peque apenas no desnecessário reggae “Every Man Has a Woman Who Loves Him”. Quanto a John, é um mal que outros artistas (Bob Dylan, Joan Baez, Santana, Eric Clapton, os próprios ex-colegas beatle e por aí vai) da década de 60 sofreram nos anos 80, o que me faz torcer bastante o nariz. É uma pena que não tenham efetivamente trabalhado juntos ao longo do álbum, poderia ter sido criado algo melhor. Se fosse para escolher uma obra do casal, certamente iria indicar a primorosa delícia loucura de Two Virgins. Mas ok, é um disco que se ouve sem mais problemas.


Ronaldo: Dentro desta lista este é o disco em que mais fica transparente a personalidade individual de cada parte. Não era de se esperar algo diferente do controverso casal. Enquanto Lennon assume as rugas e os cabelos brancos, Yoko tenta ser a moderninha antenada. Sua performance como não-vocalista é no mínimo excêntrica e, constrangimentos à parte, o disco vai em banho-maria. Soa como algo que envelheceu mal.


Nilo: Mais que esperada a presença do casal mais famoso do rock neste tema. Uma pena que o disco escolhido não tenha a sinergia visceral que os tornou tão polêmicos, como em Plastic Ono Band e Two Virgins. O esquema de pílulas pop alternando entre autores de Double Fantasy passa mais a sensação de coletânea das favoritas de cada um do que propriamente um álbum, e a polidez excessiva (bateu a saudade do Phil Spector, né John?) não ajuda muito. Ruim talvez não seja o termo, mas é bem chatinho. No fim, é uma despedida problemática e com ares de utopia, condizente com o relacionamento de Lennon e Ono.


Alisson: Tudo bem redondinho e bem gravado. Até por isso o disco cansa já no começo. Não aparecem os momentos experimentais e mais selvagens da época da Plastic Ono Band, então o que resta são canções mais pops e radiofônicas que beiram o descartável.



Slowdive – Souvlaki (1993)
Recomendado por Nilo Vieira


É verdade que o casal Rachel Goswell e Neil Halstead já havia terminado o namoro. Também é fato que, sem esse rompimento, o segundo álbum do Slowdive não seria como é: entre paredes de distorção, efeitos, faixas acústicas e experimentos ambientais do mestre Brian Eno, o clima que prevalece é a melancólico, mesmo que caloroso. Algumas faixas soam como delírios jovens indecifráveis, outras são confissões límpidas e pungentes. De fato, é um disco elogiado por sites como Pitchfork (que inclusive fez um belo mini documentário sobre e você pode sair gritando que é mero hype (faça isso com tudo que você não gosta) após ter ouvido uma única vez e com preguiça. Caso insista, pode encontrar uma obra que será recorrente como apoio nos momentos mais tensos da vida. Fica a seu cargo…


Fernando: Desconhecia o grupo. Essa seara do dream pop, shoegaze não é mesmo a minha praia. Sabe aquele tipo de som que se estiver tocando não incomoda, mas dificilmente sairia da prateleira se eu tivesse o CD? Foi o sentimento que me deu. Algumas coisas lembram o Placebo, outras passagens com vocalizações quase etéreas são bem legais (thanks Brian Eno!), mas no geral não me convenceu. Surpreendeu, entretanto, a nota do disco no Rate Your Music, com impressionantes 4,07. A galera que gosta, curte mesmo.


Mairon: Confesso que nunca tinha ouvido falar dessa banda. Lembrou um pouco de My Chemical Romance aqui, um Keane acolá, talvez até um Smashing Pumpkins, por que não. É um som bastante característico, onde eu curti as incursões mais “progressivas”, com uso de sintetizadores, em faixas como “Altogether”, “Melon Yellow”, “Machine Gun”, “Here She Comes”, “Sing” e a viajante “Souvlaki Space Station”, sintetizadores esses a cargo do renomado Brian Eno. Adorei ficar “chapado ao som de”40 Days”, “Alison” e “When The Sun Hits”, outras que apreciei bastante viajar ao som delas. Fechando tudo, o violãozinho gostoso de “Dagger”, muito suave e agradável aos ouvidos. Não virei fã da banda, não vou comprar o disco, mas foi ótimo ouvir e conhecer Souvlaki.


Ronaldo: Talvez o ouvinte precise ser convencido previamente do estilo que esta banda pratica. As músicas são recheadas de uma beleza estranha e nem sempre funcionam para ouvidos não familiarizados. As harmonias ficam suspensas no ar o tempo todo. É como se fosse uma versão bastante acinzentada das melodias do synth pop, com a crueza das guitarras, em ritmos que se desenrolam vagarosamente.


Davi: Slowdive é uma banda inglesa que surgiu no final dos anos 80 nos arredores de Reading. Seu segundo álbum, Souvlaki, foi lançado em 1993 no meio da explosão do rock alternativo. Os caras apareceram no tempo certo. A sonoridade da banda não era aquela sonoridade suja estilo Mudhoney, a pegada era outra. Repleta de ecos, vocais sussurrados, melancolia, experimentações, delays… É o que os repórteres da época qualificariam como um som cósmico. Se tivesse que utilizar um dos inúmeros nomes criados para subvertentes das subvertentes, utilizaria o termo dream pop. O casal Rachel Goswell e Neil Halstead dividiam os vocais. Particularmente, não gostei da voz de Rachel. Sandy demais para o meu gosto. A voz de Neil me soa mais agradável. O disco é bem feito. Arranjos bem construídos, bem gravadinho, contudo não foi um disco que me cativou. Efeitos e experimentações em excesso. Começa bem, depois de um tempo me cansa. Vale mencionar a participação do cultuado Brian Eno nos teclados de “Here She Comes”, mas as que considerei mais bacaninhas foram “40 Days” e o single “Alisson”, que considero a melhor do disco. Curioso, mas não ouviria novamente.


Alisson: Um disco que consegue capturar a essência dos sentimentos mais íntimos do ser. Difícil não tentar associar a sonoridade do disco com outras lendas do shoegaze/dream pop, como as paredes sonoras do My Bloody Valentine ou as passagens alucinógenas do Dead Can Dance. Porém, é particularidade dessa união de diversas facetas em um disco que vai ser redescoberto por um bom tempo.


Eletric Wizard – Witchcult Today (2007)
Recomendado por Alisson Caetano


O culto à maconha e adoração ao Black Sabbath pelo Electric Wizard sempre foram muito além de cópia pura, como é comum alguns desavisados gritarem por aí. Passagens arrastadas e os riffs tétricos ganham ares de curtição e improvisação livre, enquanto que no caso do Sabbath, esse padrão estava bem formatado em estruturas bem definidas. Witchcult Today, o segundo a contar com as guitarras adicionais de Liz Buckingham, tenta repaginar seu próprio conceito. A produção, feita de maneira completamente analógica, adiciona ares climáticos setentistas ao disco, enquanto as passagens lisérgicas ganham espaço sobre as passagens de peso puro dos discos passados. Um dos últimos exemplares genuínos de criatividade no uso das convenções do gênero stoner/doom e um clássico do estilo.


Fernando: Essas bandas de stoner levam muito a sério a necessidade de soar como a principal referência do estilo. Sabemos que a principal influência para o som é o Black Sabbath, mas é necessário mesmo deixar isso tão explícito em TODAS as músicas? Nem o próprio Sabbath se leva tão a sério assim. O peso absurdo e os riffs quadradões são repetidos à exaustão e caso o ouvinte perca um pouco a atenção vai achar que ouviu uma única música de 60 minutos.


Mairon: Banda de Doom Metal com vocais carregados de distorção, assim com as guitarras e o baixo. Aliás, acho que até os lençóis do casal Liz Buckingham e Jus Oborn estão adicionados de distorção. É tanto peso e sujeira que os hipopótamos de alguns zoológicos espalhados mundo a fora passam vergonha. Um som interessante de ouvir, apesar de eu não ter conseguido destacar especificamente alguma canção, mas não foi uma tortura ouvi-lo em quase uma hora de audição.


Ronaldo: Grupo britânico de doom metal da década de 90. O casal em questão se divide nas guitarras do grupo, que consegue neste bom álbum compor alguns riffs macabros que o Black Sabbath não gravou. As músicas tem o andamento arrastado e esparsos solos, apesar das generosas passagens instrumentais. A sonoridade da banda é bem construída e os vocais se encaixam ao que estilo pede. Seguindo piamente a cartilha do estilo e usando em demasia as afinações graves, tudo se torna monocromático e tedioso depois de algum tempo de audição.


Davi: Dizem que toda banda stoner é formada por fãs devotos do Black Sabbath. É exatamente essa sensação que bate ao ouvirmos esse álbum. É inegável a influência de álbuns como Master of Reality e Vol.4 nos arranjos. Aliás, o próprio cantor, Jus Oborn, chegou a declarar que o nome da banda surgiu de 2 canções do Black Sabbath: “The Wizard” e “Electric Funeral”. Agora, a pergunta que não quer calar é: o sobrenome Oborn é para lembrar Osbourne? O disco até que é bacana. A sonoridade está de acordo com o gênero: riffs arrastados, baixo com efeito, baterista sentando a mão, vocal cantando como se estivesse de saco cheio. O casal aqui são a guitarrista Liz Buckingham e o cantor/guitarrista Jus Oborn. As guitarras são bem tocadas, mas falta um Iommi na parada. Faltam aqueles riffs que ficam na cabeça. Tony Iommi era um mestre nessa área. Se vão construir algo com uma influência tão escancarada, seria interessante que dessem valor para esse ponto. Outra questão é o vocal. Está dentro do gênero, mas muito morto o tempo todo. Seria interessante tentar cantar algumas notas mais para cima. O próprio Ozzy cantava para cima muitas vezes (ouça “Hole In The Sky”). Muitos gostam de criticar o Madman enquanto cantor, mas é nessas horas que notamos quão foda foi o cara. Talvez ele não tivesse a afinação mais impecável do mundo, mas tinha uma enorme personalidade e um timbre inconfundível. Quando ouvimos essas bandas, vemos o quão importante são essas características. Mas, como disse no início, o disco é bom. Pesado, sombrio, bem tocado. Dentre as canções apresentadas aqui é a que mais curti foi “Torquemada ´71”. Não é aquela Brastemp, mas agrada.


Nilo: Entendo quem não compre o apelo do stoner, pois também torcia o nariz. É um gênero que cultua o Black Sabbath sem pudor, admite e se diverte com isso – não é como um Greta Van Fleet da vida, que chupinha Led, tenta desmentir e se acha a última bolacha do pacote. As diferenças são semânticas: enquanto Iommi & Cia condensavam peso, groove e atmosfera em canções de estrutura pop, bandas como o Electric Wizard e Sleep (erroneamente já trucidado aqui) propõem que o formato de jam soe livre, puxando tais aspectos a níveis extremos. Este disco é um bom exemplar, onde os tons jazzísticos de Geezer e Bill dão lugar a riffs dronados e trechos psicodélicos, que ecoam até o ouvinte entrar em transe junto com os músicos. A entrada de Liz na segunda guitarra deu novo gás ao grupo e, se este não é o melhor álbum dos britânicos, está entre as homenagens mais divertidas aos pioneiros de Birmingham. Ouça sem pressa e sob a influência da marvada que entenderás…



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