Os campeões da retro-soul trocam as ruas pelo quarto, com um pezinho no disco sound
Durand Jones & The Indications juntaram-se na Universidade de Indiana através do amor à música soul dos anos 60 e 70. Nesse terreno comum, com uma obsessão que vai ao ponto de utilizar os instrumentos e as técnicas de gravação da época, deram-nos dois discos deliciosos e irrepreensíveis: a estreia homónima em 2018 e American Love Call, no ano seguinte. Agora que o mundo já sabe quem eles são e que passámos mais de um ano com uma pandemia às costas, os americanos trazem-nos um objecto que pega nessa tradição mas parte claramente numa direcção diferente.
Private Space, o nome do álbum, pode ser lido de várias maneiras. Uma delas é o óbvio isolamento social a que fomos submetidos, cada um na sua casa, na sua bolha. Mas outra diz-nos mais sobre o som do disco: o espaço privado é o quarto, onde o amor e a magia acontece. É que Durand Jones e amigos decidiram agora explorar outra faceta da soul americana: a canção de engate, as luzes do disco sound e do funk, o romance, a atracção, o sexo.
Não deixa de ser algo irónico este movimento numa altura em que as desigualdades raciais nos Estados Unidos estão tão na ordem do dia. Esses temas, que estavam presentes nos trabalhos anteriores, não estão totalmente ausentes em Private Space, mas certamente este não é, desta vez, um disco político. A abertura, com a belíssima “Love will work it out”, vai a esses temas, dando-nos uma explicação: às vezes, no meio da confusão e da dor, tudo o que precisamos é que a música nos banhe e nos leve a outro lugar. É, por isso, um álbum muito mais escapista do que realista, um delírio hedonista de um sábado à noite no qual todas as nossas preocupações são usarmos a roupa mais fixe e virmos para casa com a miúda ou o miúdo mais giro da pista.
Como nos discos anteriores, tudo é feito com uma elegância extrema. Aqui, para capturar esse ambiente nocturno e sexual, o ritmo vai alternando entre o disco-funk de “Witchoo” e as cordas langorosas de “Private Space”, com um olho na bola de espelhos e outra nos lençóis de cetim. É um caldeirão, um caleidoscópio feito de uma delícia retro sem soar a pastiche ou imitação, um lugar onde cabem Stevie Wonder, Isaac Hayes, Jamiroquai, The Isley Brothers e um toque, apenas um toque, de Curtis Mayfield.
É neste apenas que está o nosso único lamento. Seria inevitável que Durand Jones & The Indications teriam de abrir as asas e explorar novos mundos, para não ficarem presos àquela soul da viragem dos 60´s para os 70´s. Mostram aqui que têm talento para isso e para muito mais. Mas essa partida para um tom mais festivo e menos envolvido socialmente retira-lhes alguma da polida dureza que tanto lhes apreciamos. Depois da luta, o amor. Quando o resultado é este autêntico deleite para os nossos headphones, não nos podemos queixar.
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