Confesse: quantas vezes você já se revoltou ao notar que um disco do qual gosta muito não faz parte das famigeradas listas dos 10 mais (ou 50 ou 100) elaboradas de vez em quando pelos críticos descolados daquelas famosas revistas de rock? Fãs amam odiar essas listas e não duvido também que quem as faz não se dá ao trabalho de disfarçar certo prazer sádico em provocar os leitores. Mas existe coisa pior. Aliás, 50 vezes pior.
Pois foi editado em 2012 e chegou às livrarias dos Estados Unidos o livro “The Worst Rock ’n’ Roll Records of All Time”, com uma lista dos 50 piores singles, dos 50 piores álbuns e também dos piores roqueiros de todos os tempos. Jimmy Guterman, um dos autores do livro, já escreveu para a Rolling Stone e a Spy, entre outras revistas do ramo, e o outro, Owen O’Donnell, é o editor da Contemporary Theater, Film, and Television. Os dois são hilários, ferinos e até mesmo subversivos em seus comentários, e o mais interessante é que não listam apenas o óbvio, mas também metem o pau em discos de algumas das vacas mais sagradas desse curral chamado rock and roll.
Dei-me ao trabalho de traduzir (mal e porcamente, claro) pequenos trechos de algumas resenhas dos piores álbuns, só para servir um aperitivo do farto banquete que as páginas deste livro nos reservam. E acredite: se já é revoltante descobrir que um disco que a gente ama de paixão não entrou para a lista dos melhores, o que dizer da sensação de ver esse mesmo disco entre os piores?
Emerson, Lake and Palmer – Tarkus (34º pior)
Tarkus deve ser uma ópera rock. Ao menos o primeiro lado, que é todo uma única música (nome das seções: “Eruption”, “Stone of Years”, “Iconoclast”, “Mass”, “Manticore”, “Battlefield” e “Aquatarkus”). Dissemos “deve ser” porque não temos certeza. Existe uma imagem do velho Tarkus na capa. Ele se assemelha a um tatu gigante com o corpo de um tanque. A trama nunca se esclarece nas canções, mas graças ao pintor William Neal a parte interna do álbum é repleta de figurinhas que supostamente contam a história.
Parece que Tarkus foi expelido de um vulcão, lutou com várias combinações de animais/veículos de batalha e eventualmente passou por cima de todos. Mas você adivinhou tanto quanto nós: estas cenas devem corresponder aos muitos dramas desse lado do disco. Sabemos que elas são dramáticas porque o andamento é um tanto acelerado e Greg Lake grita suas questões vazias um pouco alto demais. Tarkus representa alguma coisa (tecnologia? natureza? um rato que uma vez mordeu o Greg no tornozelo?), mas seu simbolismo é obscuro demais.
Iron Butterfly – Live (27º pior)
Você quer o bombástico? Nada pode ser mais bombástico do que isto. Live é a apoteose do excesso blooze (o blues não autêntico, geralmente tocado por músicos brancos). Seus riffs são mais prolixos e distorcidos do que aqueles do Vanilla Fudge. Os esforços de Doug Ingle para extravasar suas emoções significam apenas que ele grita “Huh!” um pouco mais alto e demoradamente. O conjunto tocando é como se não existisse; durante todas as faixas, órgão, guitarra e vocais brigam pelo mesmo espaço inútil.
Quando algum deles ganha uma chance de brilhar sozinho nos holofotes, os arranjos se tornam ainda mais desnorteados. Aqui, a inevitável versão de um lado inteiro de “In-a-Gadda-Da-Vida” ganha dois minutos a mais do que aquela interminável versão de estúdio. Contudo, qualquer esperança de que esses dois minutos extras possam ser usados para explicar que diabo está acontecendo é aniquilada imediatamente. Tudo o que você ganha são longos solos. É como se o guitarrista tivesse comprado seu primeiro pedal wah-wah pouco antes do show e não pudesse parar de tocá-lo. Mais de uma vez um falso final aparece. Você pensa que a música acabou, sente que o volume começa a diminuir, mas não: solo de órgão! solo de bateria! outro solo de órgão! E todo esse lixo em um disco da Atlantic: ao menos Otis Redding não estava vivo para ouvir isso.
Roger Waters – Radio K.A.O.S. (22º pior)
A cada poucos anos um tipo especial de álbum emerge. Um álbum abastecido por uma colossal inaptidão e uma perversa e fascinante falta de habilidade para comunicar mesmo as idéias mais simples sem embalá-las em pretensão. Radio K.A.O.S., o segundo disco conceitual de Roger Waters desde que ele saiu do Pink Floyd para fazer montanhas de dinheiro sozinho, é esse tipo especial de álbum. Radio K.A.O.S. é a história de Benny, um mineiro de carvão do País de Gales que ama seu aparelho de rádio amador, e seu irmão gêmeo, Billy, que é um vegetal. Por razões muito complicadas e que não valem a pena perder tempo explicando, Billy estraçalha telefones a pontapés e Benny é embarcado num navio para a América. O tio avô deles, David, se sente culpado por ter inventado a bomba atômica. Benny começa uma amizade com um detestável disc jockey de Los Angeles. Billy salva o mundo da destruição nuclear, e o tio Dave começa a se sentir um pouco melhor sobre si mesmo após assistir ao festival “Live Aid” na telinha. O álbum acaba. Bom, nós estamos relatando essa história toda porque não existe música para se escrever a respeito.
The Moody Blues – Days of Future Passed (19º pior)
O grande hit deste disco foi “Nights in White Satin”, embora só tenha sido lançado como single mais de quatro anos depois da realização do LP (em 1972, os Moodies estavam desesperados por um single Top 10). “Nights in White Satin” é um lugar de sonhos para onde sempre vão os problemas que os pequenos cérebros enfrentam quando tentam filosofar sobre o sentido da vida em uma canção pop. Em vez de apresentar uma visão clara capaz de fazer as pessoas relacionarem num nível pessoal, a letra da música se fia em frases banais, do tipo “Just what you want to be / You will be in the end”. Parece mais um daqueles slogans de recrutamento do exército americano do que uma visão de mundo bem pensada. Através de todo o álbum, enquanto a banda se agarra apenas nas canções, a orquestra conduzida pelo maestro Peter Knight é relegada ao papel de ir conectando os pedaços. No entanto, na climática “Nights in White Satin”, o arranjo sinfônico domina toda a canção: o cantor e o maestro então competem para ver quem se esmera mais.
Queen – Queen II (14º pior)
Queen jactava-se nas capas de seus primeiros álbuns (entre eles Queen II) que ali “ninguém tocou sintetizador”. O que isto na verdade significava é que ninguém na banda teve saco de sair para comprar um, pois o incessante overdub de mais guitarras, pianos e imitações de cravo praticado pela banda desmentia a “honestidade musical” que geralmente acompanha as bandas que são contrárias ao uso do sintetizador. Uma massa sonora de qualquer instrumento pode ser tão corrompida e soar tão falso quanto um sintetizador, como o Queen prova ao longo de todo Queen II. Sempre que os cantores Mercury ou May estão perto de tropeçar em uma nota que eles não conseguem alcançar, espirais de teclados ou ataques de guitarra surgem para encobrir o erro. Claro que se o grupo estivesse menos interessado em exibir suas linhas vocais e mais em explorar as linhas melódicas que poderiam engrandecer o som, esse problema não existiria. Só que ao invés de serem quatro membros abrindo mão de seus egos individuais em favor do coletivo, o Queen sempre se alternou sob os holofotes. Ao vivo, cada membro do grupo tem um solo bem grandinho para que possa implorar: “Olhem para mim!”.
Jethro Tull – Aqualung (11º pior)
Ambição é uma coisa boa. Ela encoraja os artistas e dá a eles a pretensão de ir mais longe, para explorar e talvez dominar novas áreas. Ambicioso como ele só, Ian Anderson, líder do Jethro Tull, é um daqueles habituais performers inúteis que nos fazem rir quando se aventuram a fazer um grande manifesto. Em 1971, ele apareceu com uma idéia, convencido de que ninguém antes dele na história da civilização ocidental a havia considerado: a de que haveria problemas com as religiões organizadas e que talvez houvesse mais caminhos para servir a um bem superior do que aqueles que ele aprendeu quando era garoto. No entanto, sua desajeitada colagem de apelos teatrais e sonoridade pseudometal, teologia de segunda mão e uma mal informada nostalgia rural fez de Aqualung um enorme sucesso entre os adolescentes de todas as idades.
Yes – Tales from Topographic Oceans (10º pior)
Todos sabem que é preciso tridestilar uma vodka para que ela se preste a beber. Imagine então que Tales… é o pensamento do mundo sendo destilado pela sétima vez. Só que não temos aqui um barman, mas cinco das mais difusas personalidades (e, juntos, os mais confusos pensadores) tentando coexistir em uma banda de rock. O tecladista Rick Wakeman e o baterista Alan White são os únicos genuinamente roqueiros do grupo, embora a ideia que Wakeman fazia de inventividade era liberar peidos sonoros de seu Hammond B-3 e White sempre pareceu tão desnorteado pelos elaborados desarranjos da banda que se recusava a manter uma batida. O baixista Chris Squire era um guitarrista frustrado que abarrotava cada espaço aberto de uma canção com um monte de notas, e a maneira subclássica de tocar do guitarrista Steve Howe procurava (com sucesso, aliás) afastá-lo de forma irrevogável das bases bluseiras da guitarra rock. Tudo isso era coroado pela voz etérea de Jon Anderson, que visava ser inocente e infantil, mas na realidade era insolente e pueril. O desastre era inevitável e não deu outra.
The Doors – Alive, She Cried (8º pior)
Alive, She Cried (você sabe que é Doors porque até o título é um verso ruim) é outro na parada aparentemente sem fim dos produtos Doors que a Elektra continua a lançar para capitalizar a recusa de Morrison em morrer como filão comercial. O álbum consiste em gravações ao vivo feitas entre 1968 e 1970 e está focado nas teatralizações baratas e na fantasia sexual que as pessoas na realidade querem dizer quando se referem a Morrison como “dinâmico”. A faixa de abertura, uma versão do clássico “Gloria” da banda Them, de Van Morrison, é o suficiente para fazer você correr de volta à loja de discos e dizer ao balconista que comprou o disco por engano e implorar para que ele o troque. “Gloria” começa sem maiores problemas, já que a banda chega perto da versão original. No entanto, as coisas começam logo a se degenerar. Ao invés de continuarem tocando a música, o grupo passa a tocar o que Jimbo acha que a música é. Ou seja: tanto literal quanto figurativamente, uma longa chupação de pau. O tempo da música diminui e depois aumenta para simular o ato, e Morrison grita “It’s getting harder!” entre gemidos. Isto é Morrison no que ele tem de mais verdadeiro: a única coisa que ele se importa, musicalmente ou o que for, é o seu próprio prazer. No final, nós deixamos “Gloria” nos sentindo insatisfeitos e um tanto degradados. Foi demais para engolir.
Está bom ou não? Pois esses são apenas trechos desse delicioso livro, repleto de informações e sandices bem fundamentadas. Os autores ainda listam discos do U2 (“Se o U2 não fosse tão cheio de merda, eles não seriam tão grandes quanto costumam ser”), David Bowie, Bob Dylan (dois discos), The Byrds, Bon Jovi, Rolling Stones e o campeão (o pior dos piores) Elvis Presley, entre outros. E olha que eu não falei nada dos piores singles e dos piores roqueiros (Paul McCartney é um deles!).
Jimmy Guterman e Owen O’Donnell prometem para breve o lançamento dos melhores discos de rock de todos os tempos, mas eu não acredito que ele seja tão bom quanto este.
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