Um Tempo Que Passou
Sérgio Godinho
Vou
Uma vez mais
Correr atrás
De todo o meu tempo perdido
Quem sabe, está guardado
Num relógio escondido por quem
Nem avalia o tempo que tem
Ou
Alguém o achou
Examinou
Julgou um tempo sem sentido
Quem sabe, foi usado
E está arrependido o ladrão
Que andou vivendo com meu quinhão
Ou dorme num arquivo
Um pedaço de vida
A vida, a vida que eu não gozei
Eu não respirei
Eu não existia
Mas eu estava vivo
Vivo, vivo
O tempo escorreu
O tempo era meu
E apenas queria
Haver de volta
Cada minuto que passou sem mim
Sim
Encontro enfim
Iguais a mim
Outras pessoas aturdidas
Descubro que são muitas
As horas dessas vidas que estão
Talvez postas em grande leilão
São
Mais de um milhão
Uma legião
Um carrilhão de horas vivas
Quem sabe, dobram juntas
As dores colectivas, quiçá
No canto mais pungente que há
Ou dançam numa torre
As nossas sobrevidas
Vidas, vidas
A se encantar
A se combinar
Em vidas futuras
Enquanto o vinho corre, corre, corre
Morrem de rir
Mas morrem de rir
Naquelas alturas
Pois sabem que não volta jamais
Um tempo que passou
Ou dançam numa torre
As nossas sobrevidas
Vidas, vidas
A se encantar
A se combinar
Em vidas futuras
Enquanto o vinho corre, corre, corre
Morrem de rir
Mas morrem de rir
Naquelas alturas
Pois sabem que não volta jamais
Um tempo que passou
Um Tractor
Sérgio Godinho
Um tractor
quando é usado com amor
com o amor da terra nas rodas
quando é usado para todas
as bocas que dele dependem
quando os que o usam se entendem
para dividir o produto
segundo as necessidades
unindo a máquina ao fruto
unindo o campo às cidades.
Um tractor
dá que fazer ao suor
dos que põem na sementeira
as sementeiras da maneira
como as coisas se farão
e o nome revolução
pode bem ser atribuido
a um tractor assim usado
a um braço assim estendido
entre o futuro e o passado.
Um tractor
trabalha a todo o vapor
quando a gente que o trabalha
não tem nada que lhe valha
a não ser a sua vida
mal amada e mal sofrida
a não ser a sua história
embora de má memória
a não ser a alternativa
que é a vida na cooperativa.
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