sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Review: Metallica - The Metallica Blacklist (2021)


Existem várias formas de ouvir música. Trilha de fundo pra quando você estiver fazendo outra coisa, escutar com atenção um álbum de sua banda preferida, curtir um disco que faz bem pra você. The Metallica Blacklist não se enquadra em nenhuma dessas situações. Celebrando os trinta anos do clássico Black Album, o Metallica convidou 53 artistas dos mais variados gêneros musicais para darem as suas interpretações para as doze canções que transformaram a banda em uma das maiores de todos os tempos, tudo com a supervisão de Giles Martin, produtor inglês responsável pelos relançamentos dos Beatles e filho do lendário George Martin.

A audição é um exercício sonoro e de aprendizagem por versões que dão às canções novas abordagens do metal ao pop, do rock ao country, da música eletrônica ao jazz, sem cerimônia e sem medo. O resultado, em grande parte, é positivo, principalmente se você tiver a cabeça aberta para diferentes gêneros musicais – mas até aí nada de novo, já que o Metallica nunca foi uma banda para fãs mais ortodoxos de metal, convenhamos. O tracklist é organizado na mesma ordem do álbum original e apresenta as diferentes versões de uma mesma canção em sequência. Assim, temos seis “Enter Sandman” diferentes, sete “Sad But True”, cinco “Holier Than Thou”, sete “The Unforgiven”, quatro “Wherever I May Roam”, três “Don’t Tread on Me”, duas “Through the Never”, doze “Nothing Else Matters”, uma “Of Wolf and Man”, duas “The God That Failed”, três “My Friend of Misery” e uma “The Struggle Within”.

Vou listar os destaques entre essas dezenas de covers, que ao meu ver são os que trazem novos elementos e diferentes pontos de vista, comprovando a força de canções que soam fortes independentemente do estilo em que são tocadas. “Enter Sandman” tem como pontos altos a doce versão pop de Alessia Cara & The Warning, o Ghost dando a sua cara para o maior hit do Metallica e fazendo isso de maneira sensacional, a desconstrução promovida pelo colombiano Juanes e a pegada gótica industrial dada pela japonesa Rina Sawayama. Já “Sad But True” recebe uma versão absolutamente arrepiante apenas com voz e violão gravada pelo inglês Sam Fender, um incrível cover country pelas mãos de Jason Isbell and The 400 Unit, uma interpretação que une samples da gravação original ao rap cantado em espanhol levada à cabo pelo Mexican Institute of Sound e a pegada pop contemporânea de St. Vincent.

O segundo CD abre com a releitura cinematográfica e emocional de “Holier Than Thou” pela banda escocesa Biffy Clyro. A canção ganha também destaque na versão com ares skate e pop punk entregue pelo canadenses do Pup e na excelente interpretação de Corey Taylor, vocalista do Slipknot e do Stone Sour. “The Unforgiven”, no entanto, sofre em versões fracas e pra lá de esquisitas, salvando-se apenas a linda releitura acústica pelo combo de pop latino Ha-Ash – com direito ao refrão cantado em espanhol – e a belíssima interpretação repleta de feeling de Moses Sumney, ambas realçando a linda melodia que a composição sempre teve.

As versões para “Wherever I May Roam” abrem o CD 3 e seguem no mesmo caminho decepcionante, com exceção da sensacional abordagem country de Jon Pardi, com direito até a um solo de violino na melhor escola Charlie Daniels. O mesmo vale para “Don’t Tread On Me”, uma das melhores e menos comentadas canções do Black Album que aqui ganha versões decepcionantes, com exceção da ótima releitura do Volbeat, que dá novo fôlego à faixa injetando o seu DNA e com direito à mudanças de tom e melodia no refrão. O The Hu, uma das bandas mais originais surgidas na cena metal nos últimos anos, manda bem demais em “Through The Never”, inserindo cantos tribais e instrumentos étnicos de seu país natal, a Mongólia, para dar um clima pra lá de especial para a música.


Dona do maior número de versões presentes no álbum – doze no total -, “Nothing Else Matters” merece um parágrafo só seu. Phoebe Bridgers apresenta uma interpretação minimalista acompanhada por piano e orquestrações, e que agrada muito. Myley Cyrus vem com Elton John, o violoncelista Yo-Yo Ma, Robert Trujillo e Chad Smith a tiracolo para uma versão grandiosa, enquanto Dave Gahan, vocalista do Depeche Mode, apresenta uma abordagem sombria para a balada, e que funciona muito bem. A versão feita pela cantora chilena Mon Laferte, com uma bela instrumentação e a letra cantada em espanhol, é belíssima. A linda versão instrumental feita pelo pianista russo Igor Levit abre o quarto CD e é simplesmente de arrepiar, deixando ainda mais evidente todo o sentimento que James Hetfield e Lars Ulrich despejaram na composição. O My Morning Jacket entrega um dos melhores momentos de todo o projeto com uma “Nothing Else Matters” que une elementos de country com o pop da década de 1950 e é absolutamente sensacional. Outro bom momento ocorre com Darius Rucker, vocalista e guitarrista do Hootie & The Blowfish, cuja releitura vem adornada por elementos country e orquestrais, com um resultado final muito bonito. Chris Stapleton, um dos ícones do country e southern contemporâneo, brilha intensamente em sua interpretação, que traz vocais excelentes e guitarras simplesmente sublimes.

Uma das versões mais desconcertantes presente nos quatro CDs é “Of Wolf and Man”, que soa como uma música diferente, porém familiar, na roupagem folk entregue pelo Goodnight, Texas. O Idles, uma das bandas mais celebradas da atualidade, faz uma versão punk com elementos góticos de “The God That Failed”, que soa irreconhecível. A cantora irlandesa Imelda May também brilha apresentando o seu ponto de vista para “The God That Failed”, que ficou excelente. A francesa Izia transforma “My Friend of Misery” em um potente pop rock, enquanto o genial Kamasi Washington desconstrói a canção em um jazz de cair o queixo. O álbum chega ao fim com o sempre ótimo casal Rodrigo y Gabriela, com uma versão acústica e instrumental para “The Struggle Within” que é de cair o queixo.

A edição brasileira de The Metallica Blacklist, lançada pela Universal Music, é linda, com 4 CDs e encarte com 16 páginas em um box digipack com cinco faces e acabamento luxuoso, com aplicação de verniz nos detalhes.

Existem várias formas de ouvir música. Uma das mais gratificantes é ser capaz de perceber a grandeza e a beleza de um projeto como esse, que celebra um dos álbuns mais importantes de todos os tempos ao mesmo tempo em que reafirma a força imortal de suas canções.

 


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