domingo, 22 de janeiro de 2023

T. Rex – Electric Warrior (1971)


 

Electric Warrior dos T. Rex não é apenas um manual de bom gosto e concisão pop. É o primeiro manifesto glam, com ressonâncias que perduram até hoje.

Desde muito cedo que Marc Bolan se apaixonou pelo seu próprio reflexo, vendo nele a estrela que um dia seria. Crescera num bairro pobre de Londres, o que só aguçou a sua vontade de se destacar da cinzenta plebe. Na coutada da fama, Bolan tinha uma vantagem (partilhada com o seu amigo e rival Bowie): um potente “zeitgeistómetro”, que lhe permitia compreender os ares do tempo mais depressa do que os restantes mortais. Foi mod no tempo das scooters quitadas, hippie no tempo das flores no cabelo, estrela glam no tempo das lantejoulas.

Na fase hippie, em ’67, formou o duo Tyrannosaurus Rex, só viola e djambé, freak folk três décadas antes de o termo ser cunhado (Devendra Banhart deve-lhe uns trocos). Quando no volver da década sente o vento da história a mudar, mata o dueto underground Tyrannosaurus Rex, renascendo como a banda pop T-Rex. O viciante single “Ride the White Swan”, lançado em Outubro de 1970, inaugura a movida glam, com o seu rock andrógino e sensual, escapista como seria de esperar numa década de cinismo e desilusão. O single chega ao segundo lugar. A própria aposta no formato é uma ruptura com o rock underground, todo ele orientado para o álbum como um todo indivisível.

Em Dezembro lançam o seu homónimo T. Rex,, um disco ainda de transição: metade, fritaria acústica; metade, electricidade dançável. Em ’71, sai o hedonista e exuberante Electric Warrior, o primeiro longa-duração da história do glam (lançado um ano antes de Ziggy Stardust, Bowie seguindo na sua peugada)O álbum é um fenómeno de popularidade no Reino Unido, o LP mais vendido no ano de 1971. Já a conservadora América, menos versada nas subtilezas do camp, não se deixa convencer pela “maricagem” inglesa.

Os seguidores originais de Tyrannosaurus Rex, jovens adultos da contracultura, sentem-se traídos, acusando Bolan de se ter vendido. A sua base de fãs muda, sendo agora constituída maioritariamente por jovens adolescentes. A sua androginia de purpurina, e a sua beleza delicada, quase feminina, emanam uma sexualidade não ameaçadora, à qual as teenagers mais novas sucumbem por inteiro. É o tempo da T. Rextasy, um fenómeno de histeria de massas muito parecido com o da Beatlemania.

Electric Warrior é nostálgico, regressando à simplicidade vibrante do rock original dos fifties. Mas nunca se volta exactamente ao mesmo lugar. Com o aperfeiçoamento tecnológico, a qualidade do som é agora muito superior. A bateria possante destacada na mistura, e o balanço boogie da guitarra-ritmo (com o seu sumarento fuzz), são maravilhosamente gravados pelo mago de som Tony Visconti (que também assina os luxuriantes arranjos de cordas). O resultado é um groove irrecusável. Os singles “Get it On” e “Jeepster” explodem as pistas de dança de então. “Monolith” vai pelo mesmo caminho, subvertendo a inocência original do doo-wop com uma malícia de cocaína (o falsete açucarado das backing vocals borbulhando no cálice de champanhe).

A sexualidade, implícita no rockabilly dos anos 50, é agora tornada explícita. A voz de Bolan, quase sussurrada, segreda convites marotos ao ouvido. O arfar da respiração, os suspiros e o efeito de eco acentuam a sensualidade “suja e doce”. Tudo apimentado pela ambiguidade das propostas, sempre no limbo entre o masculino e o feminino. Reaccionário na estética retro, Electric Warrior é libertador na sua sexualidade indefinida.

A história da pop baseara-se até então na noção de progresso: do rockabilly para a British Invasion, do rock psicadélico para o prog rock, do simples para o mais complexo. Ora o glam rock de Electric Warrior propõe pela primeira vez uma história não linear da pop, feita de avanços e retrocessos, onde a reciclagem do passado é a matéria-prima do futuro.

Não é só a noção de progresso que é posta em causa pelo glam: são também os valores da autenticidade e da profundidade, sacrossantos para o chamado underground. Ora Electric Warrior é orgulhosamente postiço e superficial, estilizado como uma banda desenhada, feito para mascar e deitar fora, eterno no instante mágico em que perdura. A leveza irónica da pop art finalmente chegando à música popular (Andy Warhol para teenagers). A frivolidade da beleza pela beleza sabotando os anteriores dogmas (Oscar Wilde para o povo vão).

A pop não como arte mas como sofisticado entretenimento é o que Electric Warrior nos propõe, o que não deixa de ser, é claro, um manifesto artístico. Onze canções pop perfeitas porque leves e coloridas.

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