O álbum de estreia dos Arctic Monkeys é um dos cássicos maiores do indie moderno: endiabrado, melódico e inteligente. Um tratado sobre o beco sem saída da adolescência nos subúrbios.
O indie pós-Strokes coincidiu com a explosão da internet, mudando, para o bem e para o mal, todas as regras do jogo. Os Interpol e os Arctic Monkeys são estudos de caso a este respeito, os primeiros prejudicados pela pirataria (Antics foi “divulgado” três meses antes da sua edição), os segundos beneficiados pela hiper-montra (enorme o zum-zum à sua volta, ainda antes de qualquer contrato discográfico).
Os Monkeys tinham 19 e 20 anos então e essa jovialidade transborda na música eufórica de Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not. Preenchendo o vazio deixado pela desintegração dos Libertines, há uma urgência punk a passar por aqui: riffs (tocados ao calhas?) e coros despenteados sempre à beira da overdose de speeds.
O microfone comprado na loja dos trezentos e a pujança da secção rítmica são um legado dos Strokes (“Mardy Bum” é um “Last Nite” com chá e peixe frito). A mistura de distorção com funk é franz-ferdinandiana (“When the Sun Goes Down” é uma “Jacqueline” puta). Na inteligência e humor são Mozz e Jarvis; na argúcia “sociológica”: Weller e Davies. Se são toda a fina flor ao mesmo tempo é porque são, em primeiro lugar, apenas eles próprios. O balanço incrível da voz é… Alex Turner.
Whatever é quase um álbum-conceptual sobre os rituais noctívagos da adolescência. A cidade nortenha de Sheffield é o cenário onde tudo acontece e Turner faz questão de tudo contar com um orgulhoso sotaque local (fuck London, I won’t do what you tell me).
Os seus retratos estão cheios de convincentes detalhes, uma espécie de documentário National Geographic sobre a fauna teenager suburbana: as despedidas de solteiro manhosas, os engates dos quais te vais arrepender amanhã, a pancadaria só porque sim, os espertalhões a furarem a bicha para a disco, os porteiros-gorila sedentos de sangue, o taxista recusando o passageiro a mais, as SMSs bêbadas do fim da noite…
Não há qualquer romantismo nestas vinhetas, bem pelo contrário: “não há amor, nem Montagues, nem Capulets / apenas pistas de dança sujas e fantasias brejeiras”, desabafa Turner em ” I Bet You Look Good on the Dancefloor”. Os solos de guitarra, desajeitados e fanfarrões, transbordam de tusa e suor.
Na bonita balada “Riot Van”, a voz triste e resignada confessa-nos tudo: a “dança” com a polícia de choque não tem outro propósito que não o de fintar o tédio e o desalento.
Se na capa aparece um rapaz a fumar cheio de bazófia, na estampa do disco só assomam beatas encarquilhadas. São vidas que ardem demasiado depressa, como justamente o ilustra a doce “Mardy Bum”. Dos risos e afagos de outrora, só sobra a implicância e a maquilhagem esborratada; as ruínas e sombras de um antigo amor.
Desde Different Class que não se tiravam retratos tão argutos (e tão amargos) da condição da working class. Os putos dos subúrbios estão encurralados. Dança-se, bebe-se, luta-se, fode-se, porque não há mais nada para fazer.
Há qualquer coisa na água de Sheffield…
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