Com grandes canções banhadas a psicadelismo cósmico e slide guitar, Pale Horse Rider é um dos discos do ano.
O deserto do Mojave é um lugar especial. Há partes em que é tão inóspito que poderíamos estar na lua. Noutras, uma longa faixa de desolação emoldurada por montanhas distantes. Há parques de estacionamento gigantes onde os aviões descansam quando estão em terra, parques de caravanas transformados em aldeias permanentes, um centro da NASA, parques eólicos, cactos, coiotes e uma solidão poeirenta e poética feita de paisagem. De um lado, as luzes longínquas de Los Angeles; do outro, os neons brilhantes de Las Vegas, a cidade onde tudo é falso menos o desespero.
Foi no Mojave que Cory Hanson gravou Pale Horse Rider, o segundo disco a solo do vocalista dos Wand. Falamos disto porque, apesar de o Mojave não ser nunca mencionado, está sempre presente, como uma personagem central de uma peça que a ignora.
Com os Wand e no seu primeiro registo a solo, de 2016, Hanson foi construindo um caminho à volta do psicadelismo contido, com toques de folk servidos pela sua voz ainda com alguns tiques roubados ao glam dos anos 70. Em Pale Horse Rider, estamos perante um bicho diferente, como se Hanson tivesse finalmente encontrado a sua voz ou, pelo menos, tivesse finalmente descolado da mediania para sacar uma grande obra.
O disco é um cruzamento entre um certo country definitivamente alternativo e um psicadelismo cósmico, como um cowboy olhando as estrelas brilhantes no céu do deserto, sentado numa cadeira desdobrável, à porta da autocaravana. Tudo regado generosamente com uma deliciosa e infecciosa guitarra slide, omnipresente em quase todos os temas.
Está aí todo o Mojave. O pó, os neons, os dissimulados extraterrestes escondidos na curva seguinte, os cactos verdadeiros e os de plástico, os cadilacs cor de rosa, a cerveja fresca e o mau vinho já quente, os cavalos e um cowboy que quer voltar para a grande cidade mas que, na verdade, não sabe lá viver.
O tom é lento, arrastado, lânguido, com a paisagem a revelar-se sem pressas à nossa frente, sem brusquidão ou violência. Os arranjos são de excelência, conseguindo o aparentemente impossível: como é que um disco que, a espaços, chega a ser orquestral, consegue ter tantos pormenores e cordas e ainda assim ser repleto de espaço e de respiração livre?
Tudo isto é muito lindo mas não seria tão importante sem as canções, aquilo que separa os meninos dos homens. E Pale Horse Rider está cheio de boas canções, daquelas que nos ficam na cabeça e nos forçam a suplicar por novas audições. Acima de todas a magnífica faixa de abertura, a lindíssima “Paper Fog”, que dita o tom para todo o disco. Também “Angeles”, que começa por nos lembrar os Radiohead até constatarmos que os ingleses nunca devem ter abraçado um flamingo de louça; a afirmação orquestral e épica de “Pale Horse Rider”, quase um hino gospel sobre uma figura apocalíptica que está ao virar da esquina; a descontração espaçosa de “Limited Hangout”; ou ainda o épico “Another story from the center of the earth”, que vai andando, lenta, vai crescendo, crescendo, até explodir num brilhante caleidoscópio de cor e slide guitar.
Cory Hanson, o solitário cowboy cósmico, foi ao Mojave e trouxe de lá um dos discos do ano.
Sem comentários:
Enviar um comentário