Na virada de 1980 para 1981, o terceiro álbum de estúdio do Police, ZenyattMondatta, era sucesso absoluto. As faixas “Don't Stand So Close to Me” e “De Do Do Do, De Da Da Da” estavam estouradas nas rádios e os shows da banda cada vez mais disputados pelo público. Esse sucesso não surgiu da noite para o dia, a banda já vinha numa ascensão a cada disco, desde o álbum de estreia, o ótimo Outlandos d'Amour, de 1978. E a cada disco, as vendas aumentavam, mais canções se tornavam sucesso e o Police ficava mais famoso. Mas as pressões por parte da gravadora cresciam na mesma proporção, afinal, música também é negócio, é cifras.
Para se ter uma ideia, Zenyatta Mondatta foi gravado num prazo curto, entre julho e agosto de 1980, e no final de agosto, assim que encerrou as gravações, a banda já partia para turnê internacional do álbum antes mesmo do lançamento, que só ocorreu em 3 de outro daquele ano. A turnê terminou em março de 1981. Era o preço da fama.
Depois dessa experiência exaustiva com Zenyatta Mondatta, o Police decidiu ter um tempo maior para melhor focar na concepção do próximo disco, desde a elaboração do repertório ao processo de gravação. Outra mudança foi quando ao produtor: trocou-se Nigel Gray, produtor dos três primeiros álbuns do trio, por Hugh Padgham, um jovem produtor e engenheiro de som que produziu Face Value, primeiro álbum solo de Phil Collins, lançado no começo de 1981. Padgham e que havia acabado de trabalhar no disco Abacab, do Genesis, fazendo a engenharia de som.
The Police na turnê de Zenyatta Mondatta. |
Ao trocar de produtor, o Police também trocou de estúdio já que o Surrey Sound Studio, em Leatherhead, na Inglaterra, era de propriedade de Nigel Gray. O trio inglês deixou o antigo estúdio onde gravou os seus três primeiros discos, e foram gravar o novo álbum na ilha paradisíaca de Montserrat, no Caribe, no AIR Studios, pertencente ao produtor e arranjador George Martin (1926-2016), o mesmo que havia produzido os discos dos Beatles. No Air Studios, em Monserrat, o Police passou os meses de junho e julho gravando material para o novo álbum.
Intitulado Ghost In The Machine, o quarto álbum do Police foi o primeiro da banda a ter um título em inglês, diferente dos três discos anteriores que tinham títulos estranhos que misturavam inglês e francês.
Por outro lado, se a esquisitice deixou o título do disco, ela mudou-se para a imagem da capa. Ao invés de uma foto da banda estampando a capa, três figuras gráficas em vermelho aparecem num fundo escuro no centro da capa, representando cada integrante do Police: à esquerda Andy Summers, no centro Sting e à direita Stewart Copeland. O designer gráfico inglês, Mick Haggerty, foi quem criou a arte da capa.
Ghost In The Machine mostra o Police numa fase de transição musical. No álbum, a banda acrescentou sintetizadores e naipe de metais, e ampliou o seu arco de possibilidades musicais indo muito além do tripé rock-reggae-ska que imperou nos três álbuns anteriores. Porém, essa mudança de direcionamento musical não foi uma unanimidade dentro da banda. O guitarrista Andy Summers e o baterista Stewart Copeland discordavam dessa nova orientação da banda, defendiam a manutenção da proposta musical inicial que era a sonoridade simples, econômica, cheia de vibração, apoiada no baixo, guitarra e bateria. Summers foi quem mais se sentiu tolhido, pois a sua guitarra perdeu espaço para o sintetizador. A mudança de rota partiu do baixista e vocalista Sting, que mesmo sozinho, conseguia exercer um grande poder criativo dentro da banda.
Boa parte das músicas do álbum foram inspiradas no livro que dá nome ao disco, The Ghost In The Machine (no Brasil, O Fantasma da Máquina), do escritor húngaro Arthur Koestler (1905-1983), lançado em 1967, e do qual Sting era leitor assíduo. O livro traça uma análise filosófica sobre a capacidade autodestrutiva do ser humano, seja individual ou coletivamente no mundo contemporâneo. Baseado nessa obra, Sting escreveu as letras de “Spirits In The Material World”, “Demolition Man”, “Too Much, Information”, “Rehumanize Yourself” e “One World (Not Three)”.
O livro O Fantasma da Máquia, de Arthur Koestler, serviu de referência para letra de boa parte das músicas do álbum, como também para o título do disco. |
E justamente uma das canções inspiradas no livro de Koestler, é quem abre Ghost In The Machine. “Spirits In The Material World” traz na sua letra uma descrença nas lideranças políticas e nas instituições: “Our so-called leaders speak / With words they try to jail you / They subjugate the meek / But it's the rhetoric of failure” (“Nossos supostos líderes falam / Com palavras eles tentam te aprisionar / Eles subjugam os mansos / Mas é a retórica do fracasso”). Misto de reggae e new wave, a música conta com o sintetizador em primeiro plano, “sufocando” a guitarra de Andy Summers que figura como um mero “coadjuvante”.
“Every Little Thing She Does Is Magic” é a principal faixa do álbum e um dos maiores sucessos da carreira do Police. A letra foi escrita por Sting em 1976, antes mesmo do Police existir. Tem um teor romântico ao contar a história de um homem apaixonado que tem dificuldades em confessar o seu amor à mulher que ele ama. O destaque fica para Jean Roussel, tecladista convidado por Sting, que além de tocar piano, fez toda a linha melódica no sintetizador que dá sustentação ao pano de fundo da música.
“Invisible Sun” foi escrita por Sting inspirado nos conflitos na Irlanda do Norte como a greve de fome dos prisioneiros numa penitenciária na cidade Belfast, capital daquele país. A faixa começa com um som tenso e sombrio criado por sintetizadores, bem condizente com o tema pesado abordado pela letra da música. Cantada por Sting em francês, “Hungry You (j’aurais toujours faim de toi)” possui uma linha melódica repetitiva executada pelo baixo e naipe de metais, e que perdura ao longo de toda a música sem variar em nenhum momento.
Embora composta por Sting, “Demolition Man” foi gravada pela cantora Grace Jones antes do Police para o seu álbum Nightclubbing, lançado no início de 1981. A versão de Jones é mais voltada para o pop eletrônico, enquanto que a versão do Police trafega entre o rock, reggae e jazz. Curiosamente, o baixo na versão do Police não é tocado por Sting, mas por seu roadie na época, Danny Quatro. A princípio, a letra parece se referir ao sadomasoquismo, mas na verdade, seria uma crítica velada ao sistema de votação do parlamento britânico.
The Police no AIR Studios, Montserrat, no Caribe, durante a fase de mixagem de Ghost In The Machine, em 1981. |
“Too Much Information” tem um balanço funk irresistível, uma linha de baixo marcante e um naipe de metais presente em toda a faixa. Única parceria de Sting e Copeland no disco, “Rehumanize Yourself” tem um ritmo agitado, dançante, uma mistura de rock e ska.
Em “One World (Not Three)”, o Police faz um reggae rock bem ao estilo que o consagrou no início da carreira. A letra prega que todos nós neste mundo somos um só e que não há razão alguma em dividi-lo em três como classificavam os conceitos geopolíticos naqueles tempos de Guerra Fria. Na época, costumava-se dividir geopoliticamente o mundo em “Primeiro Mundo” (países capitalistas desenvolvidos), “Segundo Mundo” (países socialistas) e “Terceiro Mundo” (países capitalistas subdesenvolvidos). O subtítulo “Not Three” faz exatamente alusão a esses três mundos.
“Omegaman” é a única música composta por Andy Summers era a escolhida da gravadora A&M para ser o primeiro single do álbum. Porém, Sting achava que não era ideal para ser lançada como primeiro single do álbum, e conseguiu convencer a companhia a lançar “Invisible Sun” ao invés de “Omegaman”. “Omegamen” é um pop rock com apelo radiofônico, de fácil assimilação popular, onde há um grande protagonismo da guitarra de Summers.
A mística “Secret Journey” é outra faixa com influência literária presente em Ghost In The Machine. Sting a escreveu baseado no livro Meetings With Remarkable Man (no Brasil, Encontro com Homens Notáveis), de George Gurdjieff (1866-1949). Na época, Sting estava interessando em assuntos sobre busca espiritual. “Darkness” é a faixa que encerra o álbum, cuja letra, escrita por Stewart Copeland, fala dos dissabores que a fama traz, quando o indivíduo deixa a sua pacata e anônima vida ao se tornar uma pessoa famosa, cheia de compromissos e uma vida exposta na grande mídia: “I wish I never woke up this morning / Life was easy when it was boring” (“Queria não ter acordado esta manhã / A vida era fácil quando era entediante”).
Sting compôs "Secret Journey" após ler o livro Meeting With Remarkable Man, de Geroge Gurdjieff (foto). |
Lançado em 2 de outubro de 1981, no mesmo dia em que Sting completava 30 anos de idade, Ghost In The Machine estreou em 1º lugar na parada de álbuns do Reino Unido, onde permaneceu por três semanas nessa posição. Nos Estados Unidos, o álbum figurou em 2º lugar na Billboard 200.
Enquanto isso, o single de “Invisible Sun” alcançou o 2º lugar no Reino Unido, mas foi superado depois pelo single de “Every Little Thing She Does Is Magic” que chegou ao 1º lugar na mesma parada. O single de “Every Little Thing She Does Is Magic” também liderou a parada de singles do Canadá e da Holanda, e ficou em 3º lugar na parada da Billboard Hot 100, nos Estados Unidos.
Ghost In The Machine conquistou o disco triplo de platina nos Estados Unidos ao atingir a marca de três milhões de cópias vendidas. No Reino Unido, o álbum vendeu mais de 300 mil cópias.
A turnê mundial de Ghost In The Machine começou em 1º de outubro de 1981, véspera de lançamento do álbum. Passou pela Europa, América do Norte e América do Sul. Nos dias 16 e 17 de fevereiro de 1982, o Police esteve no Brasil para se apresentar no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. A turnê terminou no começo de setembro de 1982.
The Police em apresentação durante turnê de Ghost In The Machine. |
Embora o álbum Ghost In The Machine tivesse alcançado sucesso comercial, o clima entre os integrantes do Police não era dos melhores. O poder centralizador de Sting que havia crescido durante as gravações de Ghost In The Machine que gerou uma mudança de rumo na orientação musical do Police, deixou fissuras na relação do baixista com seus dois companheiros de banda que não estavam satisfeitos com o afastamento das raízes musicais do trio.
Esse afastamento se acentuou ainda mais no trabalho seguinte, Synchronicity (1983), o álbum mais vendido e o mais premiado do Police. Faixas como “Every Breath You Take”, “King of Pain”, “Wrapped Around Your Finger” e “Synchronicity II” alcançaram grande sucesso nas rádios em todo o mundo. Após a turnê de Synchronicity, em 1984, o trio fez uma pausa de um ano, e assim, cada membro cuidou de seus projetos musicais individuais.
Em 1986, o Police chegou a tentar gravar um novo álbum, mas Stewart Copeland quebrou a clavícula após cair do cavalo, impossibilitando-o de tocar bateria. O trio desistiu de gravar um novo disco, optando pelo lançamento da coletânea Every Breath You Take – The Singles, que reuniu os singles de maior sucesso do Police e uma nova versão de “Don't Stand So Close To Me” com várias camadas de sintetizadores e bateria programada já que Copeland estava se recuperando da clavícula quebrada. Após o lançamento da coletânea, em outubro de 1986, o Police anunciou oficialmente que havia chegado ao fim.
Faixas
Lado 1
- “Spirits in the Material World”
- “Every Little Thing She Does is Magic”
- “Invisible Sun”
- “Hungry For You (j'aurai toujours faim de toi)”
- “Demolition Man”
Lado 2
- “Too Much Information”
- “Rehumanize Yourself”
- “One World (Not Three)”
- “Omegaman”
- “Secret Journey”
- “Darkness”
The Police: Sting (vocal principal, baixo e vocal de apoio, contrabaixo acústico, teclado, saxofone), Andy Summers (guitarra, vocais de apoio e teclados) e Stewart Copeland (bateria, percussão, vocais de apoio (faixas 5 e 11) e teclados.
Músicos adicionais: Jean Roussel (teclados na faixa 2), Danny Quatrochi (baixo na faixa 5).
“Spirits in the Material World”
(videoclipe original)
“Every Little Thing She Does is Magic”
(videoclipe ortiginal)
“Invisible Sun” (videoclipe original)
“Hungry For You (j'aurai toujours faim de toi)”
“Demolition Man”
“Too Much Information”
“Rehumanize Yourself”
“One World (Not Three)”
“Omegaman”
“Secret Journey”
“Darkness”
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