sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Nick Cave & the Bad Seeds – Nocturama (2003)

Menos cabelo, uma vida familiar feliz e o primeiro falhanço completo. A carreira de Cave nunca mais foi a mesma depois deste patinho feio.

«O Nocturama é alvo de um desprezo generalizado tão grande que o próprio título passou a ser sinónimo de fracasso ou catástrofe. “Ele fez o melhor que pôde, mas no final acabou por Nocturamar”, dizem algumas pessoas. Ou então: “Que Nocturama completo”! Com o passar dos anos, o desdenho de que este disco foi alvo não diminuiu e “Nocturama” tornou-se só mais uma palavra para descrever “falhado” – por exemplo: “Vai-te foder, seu Nocturama do caralho!” e assim continuou com os anos. Por isso, quando um fã dos Bad Seeds leva com um dedo no olho ou um pontapé nos tomates, ele grita: “Nocturama!”»

O parágrafo acima é escrito por Nick Cave nas suas cartas aos fãs a que apelidou de “Red Hand Files”, em resposta a perguntas e mensagens tão eloquentes e simpáticas como: “Nocturama? Mas que caralho?!!” ou “Nocturama é o teu pior disco? Porquê?”. E como acontece com maior parte dos discos que os fãs odeiam de forma visceral, é dos discos favoritos do seu autor. Cave descreve-o como um disco “valente e pequenino” e assegura mesmo: “Pessoalmente, eu gosto do Nocturama”, elogiando a sua capacidade de fazer vomitar fãs que o oiçam “por engano” numa festa. Reconhecendo que não é o seu disco mais bem conseguido, o australiano diz que foi um álbum muito importante porque o “falhanço dá-nos força. Faz-nos avançar. Arranca-nos tudo para que fiquemos só com o essencial e deixa-nos limpos e puros, prontos para recomeçar”.

Lançado em 2003, entre o magnífico No More Shall We Part e o excelente Abattoir Blues/ The Lyre of OrpheusNocturama é o patinho feio dos discos dos Bad Seeds. Talvez este seja o disco “feliz” de Cave e, como é mais que sabido, ninguém que não esteja miseravelmente infeliz faz obras-primas. Quando gravou Nocturama, Cave era casado com uma mulher lindíssima, tinha três filhotes e o seu maior problema era ter perdido parte da sua farta cabeleira o que, convenhamos, não é um tema primordial para canções.

Ouvir o homem que conseguiu tornar a canção “Avalanche” de Cohen ainda mais depressiva do que a original cantar “it’s a wonderful life” causa alguma comichão no fã de Cave. Não que “Wonderful Life” seja a pior canção do disco. A azeitice de “He Wants You”, o rock fácil de “Dead Man in My Bed” e “Rock of Gibraltar” levam a taça de piores canções do disco (e da carreira de Cave).

O que salva este disco de ser um fracasso total são três canções: o blues hesitante de “Bring it On”, a balada “Still in Love” (composta do ponto de vista do marido assassinado e que tem uma linha de piano assombrosa, sublinhada pelo violino ácido de Warren Ellis) e a épica “Babe, I’m on Fire”.

Na canção que fecha o disco (com quase 14 minutos de duração), Cave extravasa toda a energia que conteve até aí e com o seu gingar intacto, atira-se numa batalha contra os Bad Seeds para ver quem consegue soar mais alto e mais sujo. Com um riff frenético de guitarra e uns fills de bateria e sintetizador demoníacos, a banda aproveita para soltar toda a energia acumulada (e raiva contra as canções de merda em que tiveram de tocar antes) para desafiar Cave e este não os deixa sem resposta.

“Não se cria algo tão problemático como o Nocturama sem um certo risco e um pouco de coragem e a audácia de falhar. Eu adoro este disco problemático por isso mesmo. Pode mesmo ser o meu favorito”, conclui Saint Nick. Nós optamos por ser magnânimos e desculpá-lo por este lixo.


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