Era 2 de janeiro de 1985. Aquele começo de ano era cercado de muita ansiedade pelo povo brasileiro. As atenções estavam voltadas para Brasília e Rio de Janeiro. Na capital federal, a expectativa estava na disputa entre Tancredo Neves e Paulo Maluf para se saber qual dos dois seria o primeiro presidente do Brasil após duas décadas de ditadura militar. No Rio, aconteceria o primeiro grande festival de rock de nível internacional no Brasil.
Enquanto os olhos estavam voltados para esses dois grandes acontecimentos e que só ocorreriam na segunda semana do ano (Rock in Rio 11/01 e eleição indireta pra presidente em 15/01), naquele segundo dia do ano de 1985 chegava às lojas de todo o país, e sem tanto alarde, o primeiro álbum da Legião Urbana.
Renato Russo na sua fase "trovador solitário". |
Mas até chegar ao primeiro álbum da Legião Urbana, é preciso voltar a 1982, ano que seria o divisor de águas na vida de Renato Russo. Naquele ano, a banda brasiliense de punk rock Aborto Elétrico chega ao fim, e Renato Russo, ex-vocalista, inicia a sua fase “Trovador Solitário”, quando ele passa a se apresentar sozinho, acompanhado de um violão e cantando canções em estilo folk no circuito universitário de Brasília. São dessa época as canções “Eduardo E Mônica”, Eu Sei” e “Química”, futuros sucessos da Legião Urbana.
Porém, a fase solo acústica não dura muito tempo. Em setembro de 1982, Renato monta a Legião Urbana, onde ele assume os vocais e o baixo, Eduardo Paraná a guitarra, Paulista os teclados, e Marcelo Bonfá a bateria. A linha música da banda é o pós-punk inglês. Após várias mudanças, a formação se estabiliza com Renato (voz e baixo), Bonfá (bateria) e Dado Villa-Lobos (guitarra), em 1983. Enquanto isso, naquele mesmo ano, uma outra banda brasiliense, os Paralamas do Sucesso, lançava o seu primeiro álbum, Cinema Mudo, pela EMI-Odeon. O álbum trazia uma música composta por Renato Russo, “Química”.
É o vocalista e guitarrista dos Paralamas, Herbert Viana, quem faz chegar às mãos dos executivos da EMI, uma fita demo com gravações de Renato Russo. No final de 1983, a Legião é chamada pela EMI para testes, mas não agrada. A gravadora esperava da banda o som folk da fita demo que havia recebido. O problema foi que a fita enviada por Herbert é da fase “trovador solitário” de Renato. Instalou-se um impasse, a gravadora queria algo mais folk, inclusive próximo ao country, enquanto que a Legião estava envolvida com o estilo pós-punk, tendência tão presente na maioria das bandas de rock brasileiras daquele momento.
Superado o impasse, a Legião assinou o contrato em 1984 com a gravadora, e entra em fase de pré-produção para o seu primeiro álbum. Porém, o que era para ser um momento de tranquilidade, se tornou turbulento. Renato havia entrado em crise e tentou suicidar-se ao contar os pulsos poucos dias antes da banda começar a gravar as faixas. Com impossibilidade de Renato tocar o baixo, foi convocado às pressas Renato Rocha, um velho conhecido de Marcelo Bonfá e que já havia tocado em bandas punks de Brasília. A Legião então finalmente conseguiu gravar o álbum.
O primeiro e autointitulado álbum da Legião Urbana não é notado pelo grande público. O momento político e a primeira edição do Rock in Rio a duas semanas de começar fazem o álbum da Legião passar despercebido. O álbum só foi notado meses depois, quando a faixa “Será” começa a tocar nas rádios do país. A semelhança da voz de Renato com a de Jerry Adriani chama a atenção daquela até então desconhecida banda de rock. Muita gente pensou que o antigo ídolo da Jovem Guarda havia modernizado o repertório, um Jerry um tanto quanto mais agressivo. Mas logo se soube que era uma banda de rock de Brasília fazendo um rock contemporâneo e com letras muito bem construídas. Com o estouro de “Será”, a Legião deixa de vez Brasília, fixa residência no Sudeste e os shows no Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Curitiba passam a ser mais frequente. No rastro de “Será”, vieram outros hits como “Geração Coca-Cola”, “Ainda É Cedo”, ‘Soldados” e “Por Enquanto”.
Da esquerda para direita: Renato Russo, Renato Rocha, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá. |
Com seu primeiro álbum, a Legião dava uma grande contribuição ao rock brasileiro trazendo uma maturidade nas letras, uma qualidade no texto. O fato de Renato Russo, vocalista da banda, ter uma vivência poética, ter como boas referências gêneros como a folk music, onde o lirismo poético é tão presente, ajudou a Legião Urbana a ter um texto muito acima da média em relação às outras bandas.
Musicalmente, a sonoridade da Legião Urbana naquele primeiro álbum era bem pós-punk. Era possível perceber "ecos" de U2 em "Soldados", e Joy Division, em "Por Enquanto", através cadência fria dos sintetizadores e programações. Contudo, apesar da frieza dos sintetizadores, existe a presença dos violões, herdados da fase “trovador solitário” de Renato e que a gravadora tanto queria. É possível percebê-los em “Geração Coca-Cola”, ainda que numa levada punk.
Algumas faixas de Legião Urbana foram regravadas por outros artistas. “Será” foi regrava por Simone, “Por Enquanto” pela Cássia Eller e “Ainda É Cedo” por Marina Lima e Nélson Gonçalves.
A partir de Dois, o segundo álbum, lançado em 1986, a Legião Urbana foi direcionando o seu som para uma orientação mais eletroacústica do folk rock, tendo os Smiths como referência, atingindo o ápice lá no "As Quatro Estações", álbum de 1989.
Faixas:
Lado A
- “Será” (Renato Russo/Dado Villa-Lobos/Marcelo Bonfá)
- “A Dança” (Renato Russo/Dado Villa-Lobos/Marcelo Bonfá)
- “Petróleo do Futuro” (Renato Russo/Dado Villa-Lobos)
- “Ainda é Cedo” (Renato Russo/Dado Villa-Lobos/Marcelo Bonfá/Ico-Ouro Preto)
- “Perdidos no Espaço” (Renato Russo/Dado Villa-Lobos/Marcelo Bonfá)
- “Geração Coca-Cola”(Renato Russo)
Lado B
- “O Reggae” (Renato Russo/Marcelo Bonfá)
- “Baader-Meinhof Blues” (Renato Russo/Dado Villa-Lobos/Marcelo Bonfá)
- “Soldados” (Renato Russo/Marcelo Bonfá)
- “Teorema” (Renato Russo/Dado Villa-Lobos/Marcelo Bonfá)
- “Por Enquanto” (Renato Russo)
Legião Urbana: Renato Russo (voz, violão e teclados), Dado Villa-Lobos ( guitarras e violão), Renato Rocha (baixo) e Marcelo Bonfá (bateria, percussão e glockenspiel)
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