Décimo-segundo disco de estúdio da banda era o que precisava ser feito naquele momento, com muito peso
Judas Priest – ‘Painkiller’
Lançado em 3 de setembro de 1990
Se o inferno tivesse uma banda marcial, certamente soaria como a introdução de bateria de ‘Painkiller’, música que dá título e inicia o álbum lançado pelo Judas Priest em 3 de setembro de 1990. Neste disco, o 12° de estúdio da carreira da banda, houve a tentativa de soar mais pesado do que nunca. E eles acertaram.
O contexto, evidentemente, conspirou para que ‘Painkiller’ obtivesse tal sonoridade. A fama do Judas Priest estava em queda livre desde o maior sucesso da carreira deles, o ótimo ‘Screaming for Vengeance’ (1982). O álbum seguinte, ‘Defenders of the Faith’ (1984), até segurou o rojão, massa tentativa de soar mais hard rock em ‘Turbo’ (1986) e o pouco inspirado ‘Ram It Down’ (1988) fizeram o Priest ter desfalque em popularidade em um período crucial – os anos 80.
Eles sabiam que precisavam mudar. E a primeira alteração foi forçada: em 1989, o baterista Dave Holland deixou a banda. O substituto, Scott Travis, veio do The Scream, banda com músicos do Racer X e com um ainda desconhecido John Corabi (futuro vocalista do Mötley Crüe). Era significantemente mais técnico e habilidoso com as baquetas do que todos os antecessores dele no Priest.
“Scott Travis nos levou a outra dimensão com seu trabalho incrível de pedal duplo, enquanto Dave só usava pedal simples. Isso nos abriu uma nova gama de possibilidades”, reconhece o vocalista Rob Halford, em entrevista à ‘Metal Hammer’.
Outra alteração foi feita na cadeira da produção: após mais de uma década com Tom Allon na função, a banda trouxe Chris Tsangarides, que se destacou nos anos 80 após gravar Black Sabbath, Anvil, King Diamond, Thin Lizzy e Tygers of Pan Tang, entre outros. Tsangarides já havia trabalhado com o Priest, em ‘Sad Wings of Destiny’ (1976), como engenheiro de som e “fazedor de chá”, segundo os músicos.
Em ‘Painkiller’, Chris teve o papel de fazer o grupo soar mais pesado, agregando influências do thrash metal – subgênero que o próprio Judas ajudou a construir como influência. Este, inclusive, é um dos grandes méritos da banda em sua carreira: inspirar-se por aquilo que chegou posteriormente. Modernizar-se. Faz parte do “jogo artístico”.
As gravações de ‘Painkiller’ aconteceram entre janeiro e março de 1990, na França, mas o álbum demorou um pouco para sair. Na época, estava em etapas finais de julgamento o processo onde a banda era acusada de ser responsável pela tentativa de suicídio de dois garotos, Ray Belknap e James Vance, na cidade americana de Reno, em 1985.
Em 1989, os músicos já haviam sido obrigados a trocar os figurinos de couro pelos ternos para ir ao tribunal em suas defesas. Os pais dos meninos – Belknap, que morreu de imediato, e Vance, que sobreviveu, mas faleceu em 1988 após ficar com sequelas severas – alegavam que o cover do Judas para ‘Better By You, Better Than Me’ os incitou a tentar tirar suas vidas. O caso não deu em nada, mas fez a banda perder tempo, além de abalar os bastidores.
Foi difícil, mas o Priest conseguiu superar todos esses problemas – mudança na formação e no mercado, além do contratempo judicial – para lançar um de seus álbuns mais célebres. ‘Painkiller’ é bem-sucedido na intenção de trazer a versão mais pesada do grupo até aquele momento. Não só nas composições, como, também, nas performances individuais e timbragens de instrumentos.
Ajudado pela sobriedade recente, Halford estava, indubitavelmente, em seu auge como cantor. Sua voz ganhou mais profundidade e contornos com a performance heavy que o álbum demandava. As guitarras de Glenn Tipton e K.K. Downing soavam cada vez mais raivosas – a timbragem usada nos solos é quase um sinônimo para “metal”. Enquanto Ian Hill seguiu com seu estilo discreto de tocar baixo, Scott Travis elevou o patamar da banda e trouxe destaque à bateria.
A música ‘Painkiller’ sintetiza todos os elementos que fazem o álbum, de mesmo título, se destacar. Todavia, há outras faixas de destaque. ‘Hell Patrol’, sobre os pilotos americanos na Guerra do Golfo, é caótica e pesada como deveria ser – e há pelo menos uma faixa parecida com ela em cada disco seguinte da banda. ‘All Guns Blazing’, de letra autoafirmativa, reforça a fórmula artística que o Priest finalmente havia encontrado.
‘Leather Rebel’ e ‘Metal Meltdown’ mostram, cada uma a seu modo, os predicados técnicos de Glenn Tipton e K.K. Downing, que soam exuberantes no álbum como um todo. A melódica ‘Between the Hammer & the Anvil’, a cadenciada ‘A Touch of Evil’ – que já nasceu clássica – também se destacam, além da balada ‘Living Bad Dreams’, que ficou fora da tracklist original, mas está presente no relançamento de 2001.
Não dá para negar que ‘Painkiller’ era o álbum que o Judas Priest precisava fazer naquele momento. O problema é que o momento não parecia tão bom assim. As vendas até foram boas, mas não exatamente satisfatórias a ponto de diferenciar esse disco dos antecessores diretos. Será que eles chegaram tarde demais, ao usar só naquele momento a influência do thrash metal, ou cedo demais, antes de bandas como Pantera, Korn e Sepultura se destacarem? Nunca saberemos.
Fato é que a turnê de divulgação ajudou um pouco a reverter esse quadro. A banda passou até pelo Brasil, sendo uma das atrações do festival Rock in Rio 1991, junto de Guns N’ Roses, Megadeth, Faith No More e do já mencionado Sepultura. Foi nessa tour, inclusive, que Halford raspou os cabelos e adotou o visual “Metal God” definitivo.
Todavia, o Priest já mostrava alguns sinais de cansaço, tanto no palco quanto fora. A recepção morna a ‘Painkiller’ fez com que as músicas do novo álbum saíssem do repertório ao longo dos meses. As tensões internas e uma suposta falta de liberdade artística motivaram Rob Halford a sair da banda, ao fim da tour, em 1992, dedicando-se a um novo projeto, o Fight, que soava ainda mais pesado.
“Eram tempos difíceis. O Alice in Chains surgiu com ‘Man in the Box’ e todo o mundo do rock mudou de foco. O caso nos tribunais também colaborou. Tente acordar toda manhã com o peso de ser acusado de matar duas pessoas. Não é fácil”, disse Halford, à ‘Metal Hammer’. Tipton complementa: “Isso tudo nos afetou mais do que parece. Quando você tem que ir ao tribunal todo dia por seis semanas e ouve várias mentiras, inclusive com o sistema legal americano te fazendo de bode expiratório, isso te irrita”.
Os músicos reconhecem que ‘Painkiller’ salvou o Judas Priest de não acabar, mas não foi o suficiente para segurar Rob Halford na banda. A popularidade do grupo caiu ainda mais nos anos seguintes, com o vocalista Tim “Ripper” Owens na vaga do próprio ídolo. Halford também não conseguiu emplacar com o Fight, nem com outros projetos, e voltou ao Priest em 2003, já na condição de lenda.
Seja durante a “fase Ripper” ou nos trabalhos com Rob Halford após seu retorno, ‘Painkiller’ pavimentou o caminho do Judas Priest para o futuro. A repercussão pode não ter sido das maiores em termos de vendas, mas este é, certamente, um dos álbuns mais importantes da banda. E quando o material é bom o bastante, o reconhecimento acaba chegando em algum momento. Antes tarde do que nunca.
1. Painkiller
2. Hell Patrol
3. All Guns Blazing
4. Leather Rebel
5. Metal Meltdown
6. Night Crawler
7. Between the Hammer & the Anvil
8. A Touch of Evil
9. Battle Hymn (instrumental)
10. One Shot at Glory
Faixas bônus do relançamento de 2001:
11. Living Bad Dreams
12. Leather Rebel (ao vivo em 1990)
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