Resenha
The Bermuda Triangle
Álbum de Isao Tomita
1978
CD/LP
Em 1979, Isao Tomita já era famoso no Japão e mais ainda no Ocidente, na condição raríssima de artista sem competidores nem imitadores no mundo inteiro. Se inicialmente ele tinha pegado de Wendy Carlos a ideia de rearranjar música sinfônica com instrumentos eletrônicos, ele o fez de maneira muito mais ambiciosa e extrema, explorando as possibilidades dos sintetizadores para muito além do que os músicos pop da época pretendiam. Para isso, certamente ele se apoiou na experiência de já ser um compositor para orquestra - ele fazia música para filmes e TV antes de descobrir os sintetizadores. Ao longo de toda a década de 1970, ele lançou discos com rearranjos de peças clássicas, e a cada novo disco mostrava mais refinamento nessas orquestrações sintéticas, mantendo os sons que tinham dado mais certo e acrescentando outros novos num ritmo estonteante. Seu propósito foi sempre transcender o que a orquestra acústica podia fazer, e por isso sua sonoridade é descrita como "espacial" e "futurista". Neste disco ele chegou ao ponto máximo de audácia musical, inventando uma história de ficção científica com peças pinçadas de Prokofiev e outros compositores. Se um embrião deste projeto já existia nos álbuns anteriores 'The Planets' e 'Kosmos', mais conhecidos pelo público, agora ele apresenta uma narrativa do começo ao fim com efeitos sonoros para contar a história sem usar palavras. O LP começa com sons ambiente sintetizados de uma tempestade no Triângulo das Bermudas, local do desaparecimento misterioso de algumas embarcações e aeronaves. Uma voz no vocoder sussurra, de forma quase ininteligível: "Look out, the Bermuda Triangle!" Seguem-se sons de rádio e transmissões em código Morse e código digital de computador. Sem dar pausa para o ouvinte pensar sobre o que está experimentando, entra em cena a NAVE ESPACIAL. Em maiúsculas, porque o SOM que ela produz ao se aproximar da Terra é algo completamente incomparável. Um som que é um só tempo harmonioso, pois é um acorde contínuo e descendente, e furioso, porque parece que a orquestra eletrônica inteira se reuniu para produzir um rugido metálico que ocupa todas as frequências disponíveis no espectro sonoro. Não sei qual será a sua reação, mas eu, quando ouvi nisso na adolescência, ficava repetindo esse trecho, completamente abismado, cuidando de não explodir as caixas de som. A espaçonave mergulha no oceano com um estrondo. Em seguida aparece o que corresponderia aos títulos iniciais, caso o álbum fosse um filme. É a introdução para 'Romeu e Julieta' de Prokofiev, que termina numa poderosa nota de órgão interrompida por um corte progressivo , outro efeito que me deixou pasmo quando ouvi da primeira vez. O tema musical seguinte é o começo da 'Valse Triste' de Sibelius e pretende ser uma descrição do mundo pacífico de onde vieram os ocupantes da espaçonave. Como é comum nas orquestrações de Tomita, apenas uma parte da música original é aproveitada. Sons de vozinhas convincentemente alienígenas saltam ao nosso redor e nos trazem a um tema pesado e primitivo, que descreve a extremamente antiga civilização chamada Agharta (correspondente aos Atlantes, talvez?), que mora numa pirâmide submersa no centro do Triângulo. A música é tirada da 'Suíte Cítia' de Prokofiev, um trabalho que soa um pouco como a 'Sagração da Primavera' de Stravinsky. O final da peça tem um solo do que seria um instrumento de corda, mas sabemos que não é, com efeitos extraordinários de tremolo e glissando. A espaçonave chega à porta da pirâmide submarina para conversar com a civilização oceânica. Essa cena é ilustrada por uma reinterpretação da cena do filme 'Contatos Imediatos do Terceiro Grau' em que a nave-mãe ensina os humanos a conversar com ela tocando notas musicais. Depois há uma rápida versão do tema de John Williams usado no encerramento do filme. Soa tão cafona quanto parece ser por esta descrição, mas é uma indulgência que Tomita tinha direito a se dar, considerada a época. O título da faixa faz alusão a uma "Vênus", que talvez seja a figura que pilota a nave. Talvez as pessoas desaparecidas no Triângulo façam parte desse grande encontro, como no filme de Spielberg, quem sabe? O final do lado A do vinil traz uma faixa criada pelo próprio Tomita, que começa com efeitos marinhos, uma soturna voz barítono sintetizada, sinos abafados e um trompete que toca curtos solos com notas extremamente rápidas, além da capacidade humana. O lado B continua o efeito sonoro submarino do fim do lado A e introduz uma melodia suave e alegre, baseada no primeiro concerto para violino de Prokofiev. Destaca-se na voz principal um theremin que soa similar a uma voz feminina, muito "humano" na entonação, a ponto de ser desconfortável - uma forma aural do efeito "uncanny valley". Curiosamente, pouco antes de falecer, em 2016, Tomita vinha trabalhando com "vocaloids", que são vozes humanas artificiais com um alcance vocal muito mais amplo que o das pessoas vivas. Supostamente este é o trecho da narrativa em que a civilização marinha e os seres espaciais exploram o cosmos em paz e harmonia. Emenda um trecho da sinfonia nº 6 de Prokofiev, cujo trecho mais calmo serve de transição para a agitadíssima faixa seguinte, continuação da mesma obra do mestre russo. Aqui Tomita descreve o que teria ocorrido na Terra antes do encontro cósmico das civilizações. Uma imensa explosão derrubara as florestas da região siberiana de Tunguska em 1908. Décadas depois, o fenômeno segue inexplicado pela ciência. Talvez um cometa tivesse caído ali? De acordo com Tomita, foi uma misteriosa espaçonave cilíndrica, de propósito ignorado, que talvez tivesse parte numa guerra espacial. Após um raro momento de silêncio, começa o terceiro ato. É o terceiro movimento do 1º concerto para violino de Prokofiev. Sabemos que a história está encaminhada para o final porque essa faixa reúne elementos de tudo que já foi ouvido até aqui. Uma transição dramática transforma uma frase de órgão de tubos num "loop" repetitivo que vai acelerando alucinadamente enquanto a melodia retorna numa tonalidade inesperada; é um efeito aural completamente desconcertante. O final feliz é assinalado pela rápida recapitulação, que consta também da obra original de Prokofiev. O título original em japonês significa, literalmente: "A Harpa Tocada pelo Povo Antigo e Vênus e suas Crianças das Estrelas Cantando a Canção do Futuro". É de explodir a mente! Os dois lados trocam despedidas e a espaçonave decola, mais rápida e mais barulhenta que na chegada. Os seus sons cintilantes passeiam pelo espaço por um bom tempo, até que a melodia da 'Valse Triste' é mencionada novamente, bem de leve. O álbum finaliza com uma frase no vocoder: "Now you have been carried away from the Earth". Sublime!
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