Ao quarto disco, Fiona troca os sonhos pop pela pura arte. A sua voz está tão ensopada de verdade que chega a raiar o obsceno.
Fiona Apple sempre foi ela própria: temperamental e desbocada, dissecando o seu peito ferido (dor e raiva a céu aberto). O napalm emocional de The Idler Wheel… – especialmente o dirigido aos bandalhos que lhe partiram o coração – não é, portanto, novidade, está é agora escancarado. Os três primeiros discos, por mais pessoalíssimos que fossem, respeitavam ainda algumas convenções pop/rock, distraindo-nos, com os seus singles orelhudos, da violência da sua catarse.
Ora The Idler Wheel… é um bicharoco diferente, mais dissonante e experimental, sem nenhum canção passável nas rádios. Os arranjos são austeros, pouco mais do que Fiona cantando ao piano e Charley Drayton nas originalíssimas percussões. Num disco acústico e despojado, onde quase se ouve o silêncio, nada nos distrai do essencial: a voz de Fiona e as suas palavras encharcadas em verdade. Nunca antes o seu canto fora tão visceral e vulnerável.
Drayton nunca cai na vulgaridade de simplesmente marcar o ritmo; o que lhe interessa, acima de tudo, é criar atmosferas. E tudo o que vem à rede é percussão: arrastar os pés na gravilha, batucar nas coxas, deslizar os dedos numa almofada. Ou então sons encontrados: uma máquina de uma fábrica; uma porta a ranger; o vozear de crianças num recreio (que nos toca bem fundo, nem sabemos porquê, talvez pelas saudades).
Se no passado Fiona se apresentava como vítima absoluta, o seu olhar é agora mais matizado. No verso porventura mais devastador de todo o disco, Fiona desabafa: “como é possível alguém amar-me se tudo o que peço é que me deixem sozinha?”
Fiona sempre foi eu, eu, eu, o seu turbulento eu, completamente indiferente ao mundo à sua volta. E daí? O seu labirinto interior basta-nos pois não tem fim.
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