sábado, 15 de abril de 2023

“Houses Of The Holy”(Atlantic Records, 1973), Led Zeppelin




Desde que lançou o seu primeiro e autointitulado álbum de estúdio, em 1969, o Led Zeppelin emendou uma sequência sensacional de quatro álbuns, uma média de um lançamento por ano, embora os dois primeiros álbuns tenham sido lançados no mesmo ano. A banda britânica alcançou a consagração com o seu quarto álbum, que apesar de não trazer o título e nem o nome do quarteto na capa, ficou popularmente conhecido como Led Zeppelin IV.

Aclamado pelo público e pela crítica, Led Zeppelin IV vendeu mais de 37 milhões de cópias, muito por conta de canções que se tornaram clássicos da banda como “Black Dog”, “Rock’n’Roll”, “Going To California” e o hino “Stairway To Heaven”. O sucesso comercial do álbum levou o Led Zeppelin a fazer, a partir de fevereiro de 1972, uma longa turnê que passou pela Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos, Canadá, Japão e Reino Unido. A popularidade do Led Zeppelin levou o quarteto a conquistar o status de “maior banda de rock do mundo”.

Como sempre acontece após um trabalho muito bem sucedido, as atenções se voltaram para o próximo álbum do Led Zeppelin. O público e a crítica aguardavam um álbum igual ou melhor do que o Led Zeppelin IV. A fórmula musical da banda, calcada em blues, hard rock e folk rock, havia se tornado uma marca registrada no som do Led Zeppelin, e foi ela quem ajudou a consagrar a banda.

Mas eis que, em seu quinto álbum de estúdio, batizado de Houses Of The Holy, o Led Zeppelin resolveu surpreender a todos e ampliar o seu arco de referências musicais, indo muito além da fórmula musical empregada nos álbuns anteriores. A banda queria ousar, talvez por receio de se repetir, de se desgastar. O quarteto decidiu trafegar por sons um tanto quanto “estranhos” aos fãs do Led de até então, como funk, reggae, pop e o rock progressivo. No entanto, o folk rock e hard rock estão presentes em Houses Of The Holy.

As gravações de Houses Of The Holy ocorreram ao longo do ano de 1972, entre os meses de janeiro e agosto, na mansão Stargroves, na Inglaterra, propriedade rural que na época pertencia a Mick Jagger, fazendo uso do famoso estúdio móvel dos Rolling Stones, instalado num caminhão. Outras gravações ocorreram no Olympic Studios, em Londres, Inglaterra, e nos estúdios Electric Lady, em Nova York, nos Estados Unidos. Parte do material gravado nas sessões de Houses Of The Holy não foi aproveitada, mas foram incluídas em álbuns posteriores como Physical Graffiti (1975) e Coda(1982). A produção foi conduzida por Jimmy Page, guitarrista do Led Zeppelin, e a engenharia de som ficou por conta de Eddie Kramer, que já havia feito esse mesmo serviço nos álbuns Led Zeppelin II e Led Zeppelin IV.

Led Zeppelin no Aeroporto de Heathrow, em Londres, junho de 1973.

Houses Of The Holy estava previsto para ser lançado ainda em 1972, mas seu lançamento foi adiado devido a problemas com a capa. A princípio, o estúdio Hipgnosis havia sugerido como ideia para a capa, uma imagem de uma quadra de tênis com uma raquete, mas essa ideia foi completamente rejeitada por Jimmy Page e o empresário da banda, Peter Grant (1935-1995).

Depois de reprovar a primeira ideia para a capa, Jimmy Page sugeriu ao estúdio Hipgnosis uma nova ideia para a capa, inspirada no romance Childhood's End, de Arthur C. Clarke (1917-2008), lançado em 1953. A arte da capa mostra um cenário fotografado em Giant's Causeway (Calçada dos Gigantes), na Irlanda do Norte. As crianças que aparecem na capa, são na verdade na verdade apenas duas, os irmãos Stefan Gates e Samantha Gates, que passaram por uma sessão de fotos, e essas fotos foram recortadas e montadas no cenário, criando a sensação de serem várias crianças subindo as pedras do lugar. A arte passou por uma colorização manual que curiosamente, ocorreu uma ação acidental que criou uma coloração alaranjada que não estava prevista para o trabalho. E foi essa arte que foi aprovada.

Giant's Causeway (Calçada dos Gigantes), na Irlanda do Norte, local
onde foram feitas a sessão de fotos para a capa de Houses Of The Holy.

Na época em que foi lançado, em 28 de março de 1973, a capa gerou polêmica numa parcela do público, que enxergava na arte uma sexualização daquelas crianças. A capa chegou a ser censurada em alguns países.

Assim como ocorreu com seu antecessor, Houses Of The Holy também não traz na capa nem o título e nem o nome da banda. Por outro lado, o álbum foi o primeiro da discografia da banda inglesa a ter um título próprio e não apenas o nome da banda e um número de ordem como os trabalhos antecessores.

Composto apenas por oito faixas, Houses Of The Holy começa com “The Song Remains The Same”, um hard rock bem ao estilo do Led Zeppelin. Originalmente, “The Song Remains The Same” era uma música instrumental, e que tinha outro título, “The Overture”. Ela ganhou letra e foi rebatizada para “The Campaign”, e depois recebeu um nome novo e em definitivo, “The Song Remains The Same”. Curiosamente, durante o processo de produção do álbum, a voz de Robert Plant foi sutilmente acelerada.

“The Rain Song” é uma canção que guarda algum “parentesco” com outras canções do Led Zeppelin como “Tangerine” (do Led Zeppelin III) e “Stairway To Heaven” (do Led Zeppelin IV). Nos versos carregados de muita paixão, o eu lírico associa o amor que sente pela mulher por quem é apaixonado com as estações do ano. Os belos arranjos criam uma moldura muito bonita para uma letra bastante apaixonada, onde um dos destaques é o mellotron tocado por John Paul Jones, que adiciona efeito orquestral à canção. Com cerca de sete minutos de duração, “The Rain Song” foi uma resposta a George Harrison (1943-2001), que disse ao baterista John Bonham (1948-1980), que o Led Zeppelin não conseguia escrever baladas. Foi então que Jimmy Page escreveu “The Rain Song” respondendo ao ex-beatle.

Após uma balada cheia de floreios orquestrais, uma outra balada, desta vez uma balada folk rock, “Over The Hills And Far Away”, uma linda canção composta por Page e Plant durante as sessões de gravação do álbum Led Zeppelin III, em 1970. “Over The Hills And Far Away” possui um bem equilibrado e harmônico diálogo entre a leveza acústica dos violões com o peso da guitarra elétrica, mais o baixo e a bateria.

Em “The Crunge”, faixa que encerra o lado 1 do álbum, o Led Zeppelin experimenta um funk inspirado em James Brown (1933-2006). Page consegue muito bem empregar a guitarra tradicional funk, enquanto Jones faz uma linha de baixo bastante robusta. O vocal de Plant é meio cantado, meio falado, e no final da música, há um pequeno diálogo entre o vocalista e o baterista John Bonham.  

O lado 2 de Houses Of The Holy começa com “Dancing Days”, música que teria sido inspirada em uma melodia indiana que Jimmy Page e Robert Plant ouviram durante uma viagem a Bombaim, na Índia. Nesta faixa, o Led Zeppelin faz um aceno ao pop rock com apelo radiofônico. Não à toa, foi a primeira música usada pela gravadora para divulgar o álbum nas emissoras de rádio. 

Imagem parte interna da capa dupla do álbum Houses Of The Holy.

A faixa seguinte tem um título estranho, “D’yer Maker”, uma tradução por escrito da pronúncia da palavra “Jamaica” em inglês. Quando foi criada, a linha melódica da canção foi baseada numa balada country, “Poor Little Food”, gravada por Ricky Nelson (1940-1985), em 1958. Mas, durante o ensaio, Bonham deu um novo direcionamento na levada rítmica da batida original, que acabou aproximando inconscientemente ao reggae. A partir daí, toda a ideia da canção foi repensada, e o que antes parecia ser uma coisa, virou reggae pop.

Do reggae estilizado, o Led Zeppelin parte para o experimentalismo de “No Quarter”, onde os versos tratam sobre os vikings e a mitologia nórdica. Houve uma versão dessa canção gravada durante as sessões de gravação do álbum Led Zeppelin IV. Aqui, o Led Zeppelin flerta com a psicodelia através dos teclados e dos vocais de Robert Plant com efeitos sonoros “subaquáticos”. O título da música é uma expressão militar usada numa guerra quando os soldados inimigos são capturados e, ao invés de serem mantidos presos, devem ser executados.

O disco chega ao fim da forma que começou, com hard rock. “The Ocean” encerra o álbum, e é uma homenagem prestada pelo Led Zeppelin aos fãs, que seriam o “oceano”, o “mar de gente” que a banda enxergava quando estava no palco. Enquanto isso, o título do álbum, Houses Of The Holy (Casas do Sagrado), seria uma referência às arenas e estádios onde o Led Zeppelin tocava  Há um trecho da letra em que Plant provavelmente faz uma sutil citação à sua filha Carmem Plant, que na época era uma criança: “Agora eu canto todas as minhas canções para a garota que ganhou meu coração / Ela só tem 3 anos e é um jeito muito bom de começar”.

Nos meses de março e abril de 1973, o Led Zeppelin fez uma turnê europeia, promovendo o novo álbum. Dinamarca, Suécia, Alemanha Ocidental, Áustria e Franças foram os países incluídos nessa turnê. Entre maio e julho do mesmo ano, o Led Zeppelin fez a turnê americana, cuja apresentação no Tampa Stadium, na Flórida, atraiu um público de 56.800 pessoas, e quebrou o recorde do concerto dos Beatles, em 1965, no Shea Stadium, também na Flórida.

Em julho, as três noites de concerto do Led Zeppelin no Madison Square Garden, em Nova York, foram filmadas e lançadas como um filme-documentário The Songs Remais The Same, lançado em 1976. Os três shows foram gravados em lançados como o álbum duplo de mesmo nome, só que em 1976.

Com a fama do Led Zeppelin em alta, os shows da banda se tornaram melhor produzidos, com direito até a efeitos especiais no palco. Para cruzar os Estados Unidos de ponta a ponta para fazer os seus shows, o Led Zeppelin chegou a alugar um avião Boeing 720, de propriedade do cantor Bobby Sherman e do empresário Ward Sylvester (1939-2017). Os dois sócios reformaram todo o avião para atender às turnês dos grandes astros do rock. O negócio revelou-se bastantes lucrativo. The Allman Brothers, Rolling Stones, Elton John, Deep Pùrple foram alguns dos astros do rock que alugarem o avião, que ficou conhecido como The Starship

Os integrantes do Led Zeppelin diante do Starship, avião que conduziu
a  banda durante a turnê americana de 1973.

A imprensa musical recebeu Houses Of the Holy de forma “morna”, diferente da recepção festiva dada a Led Zeppelin IV. Houve uma parcela de colunistas que elogiou a diversidade musical do álbum. Uma outra parcela achou que o disco foi uma decepção. Em seu artigo para edição americana da revista Rolling Stone de junho de 1973, o jornalista Gordon Fletcher disse: “Um dos álbuns mais monótonos e confusos que ouvi este ano”, achou “The Crunge” “chato, repetitivo e clichê”, e afirmou que “D’yer Maker” era uma “patética facada no reggae”.

Por outro lado, o álbum parece ter agradado ao público, pois ele foi muito bem comercialmente. Nos Estados Unidos, onde alcançou o 1° lugar na Billboard 200Houses Of The Holy vendeu mais de 11 milhões de cópias. Foi também 1° lugar na parada de álbuns do Reino Unido, Austrália e Canadá. No Japão, Houses Of the Holy chegou ao 3° lugar na parada de álbuns daquele país.

Houses Of The Holy foi último do Led Zeppelin a ser lançado pela Atlantic Records. Em 1974, a banda criou o seu próprio selo, a Swan Song Records, com distribuição dos discos através da Atlantic Records. Além dos discos do Led Zeppelin, a Swan Song lançaria também discos de outros artistas e bandas.

Embora fundada pelo Led, o primeiro álbum lançado pelo selo não foi um álbum da banda fundadora, mas sim o primeiro e autointitulado álbum de estreia da Bad Company, em 1974. O primeiro álbum do Led Zeppelin lançado através da Swan Song foi o duplo Physical Grafitti, em 1975. A pluralidade musical de Houses Of The Holy prosseguiu em Physical Grafitti, onde o quarteto britânico ampliou ainda mais o seu leque musical , incorporando referências de rock progressivo, pop, música indiana, funk.

Lado 1

 

  1. "The Song Remains the Same" (Jimmy Page - Robert Plant)          
  2. "The Rain Song" (Jimmy Page - Robert Plant)         
  3. "Over the Hills and Far Away" (Jimmy Page - Robert Plant)
  4. "The Crunge" (John Bonham - John Paul Jones – Page - Plant)      

 

Lado 2

  1. "Dancing Days” (Jimmy Page - Robert Plant)          
  2. "D'yer Mak'er" (Jimmy Page – Robert Plant – John Paul Jones – John Bonham)
  3. "No Quarter" (Page – Plant - Jones)
  4. "The Ocean" (Page – Plant – Jones - Bonham)

 

Led Zeppelin: Robert Plant (vocais principais), Jimmy Page (guitarras e produção),

John Paul Jones (baixo, piano, piano elétrico, Mellotron , órgão, sintetizador, baixo sintetizado, vocais de apoio em "The Ocean") e John Bonham (bateria e vocais de apoio em “The Ocean”)

 

Ouça na íntegra o álbum Houses Of  The Holy

 

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