sexta-feira, 14 de abril de 2023

Resenha Fever Dreams Pts 1-4 Álbum de Johnny Marr 2022

 

Resenha

Fever Dreams Pts 1-4

Álbum de Johnny Marr

2022

CD/LP

Vamos primeiro aos fatos: Johnny Marr, ex-guitarrista da banda The Smiths, foi um dos arquitetos do rock alternativo contemporâneo. A dívida de subgêneros como o brit pop e o indie pop com os timbres, acordes, arpejos e melodias que Marr tirou de sua guitarra é simplesmente incalculável. Mas após o fim dos Smiths, em 1987, Johnny teve uma carreira marcada muito mais pelo empréstimo de seus talentos a outros artistas e bandas do que pela criação de material próprio. A lista de requisitantes de suas habilidades nas seis cordas (e como produtor também) nos anos 80, 90 e 2000 é longa e de respeito: Bryan Ferry, Billy Bragg, The The, Talking Heads, Pretenders, Pet Shop Boys, Beck, Modest Mouse, Blondie… 

Houve, ao longo de todo esse tempo, tentativas de emplacar algo autoral, com o Electronic (ao lado de Bernard Sumner, do New Order) e o Johnny Marr & The Healers (do qual fazia parte Zak Starkey, filho de Ringo Starr). O primeiro foi levemente bem sucedido, principalmente na época do seu álbum de estreia, e chegou a lançar, ao todo, três LPs e vários singles, sendo o mais destacado deles, sem dúvida, “Getting Away With It”. Já os Healers naufragaram rapidamente após o lançamento do disco Boomslang (2003). O que faltava para Marr era se engajar em uma carreira 100% solo, tal como havia feito a outra mente criativa dos Smiths, o letrista e cantor Morrissey, que se saiu muito bem sem sua antiga banda. Mas isso só aconteceu a partir de 2013, com o lançamento do ótimo álbum The Messenger. 

Em fevereiro do ano passado, Johnny Marr lançou o seu quarto disco solo de estúdio (e o melhor de todos até o momento): Fever Dreams Pts. 1-4. Esta não é a opinião apenas deste que escreve. O álbum chegou ao quarto lugar da parada inglesa, superando o altamente recomendável Call the Comet, o long play anterior (lançado em 2018). Mojo, The Independent e New Musical Express deram nota 4 de 5. Resumindo: Fever Dreams Pts. 1-4 foi aprovado com louvor tanto pelo público quanto pela crítica. E prova que Marr não perdeu a manha quando o assunto é compor boas canções com sons de guitarra que parecem nunca sair de moda. Mesmo os vocais, considerados um dos maiores pontos fracos de Johnny, se apresentam aqui com certa dignidade, o que significa que o músico/compositor tem total conhecimento de suas limitações e que ele não ousa em nenhum momento sair de uma zona de conforto quando opta em harmonizar o tom das músicas com seu restrito alcance vocal. Alguns podem chamar isso de “insegurança” ou até mesmo “comodismo”. Mas não é esse o caso. Estamos falando, na verdade, de experiência e maturidade artísticas, coisas que Johnny tem de sobra e que aprendeu a utilizar em seu favor quando finalmente resolveu voar sozinho. Se sua guitarra não soa mais como a novidade que outrora foi na já longínqua década de 1980, por outro lado os maiores méritos de Fever Dreams Pts. 1-4 se centram na qualidade das canções e no equilibro/consistência do repertório como um todo. É claro que, em se tratando de um álbum duplo, o risco de haver algum material mais frouxo aqui e ali existe. Esse é o caso, por exemplo, “Ariel” e, também, de “Hideaway Girl”, “Sensory Street" e “God's Gift”. Mas o resto é pura joia, a começar pelas faixas muito acertadamente escolhidas como singles: “Spirit Power and Soul” (que abre o disco e acena com a boa e velha mistura de rock e música pop eletrônica dos conterrâneos do New Order), “Tenement Time”, e “Night and Day” (com um riff de guitarra que é puro Johnny Marr). Em “Counter Clock World”, Johnny flerta com o pós-punk com um arranjo conduzido pela pulsante linha de baixo de Simone Marie Butler (ex-Primal Scream), que também contribui aqui com vocais de apoio. Simone reaparece em outras duas faixas do disco: “Lighting People” (na qual Marr assume os teclados, tal como fazia ocasionalmente nos Smiths e, também, no Electronic) e na excelente “The Speed of Love”. Vale a pena contar aqui como começou a parceria entre os dois: Johnny subiu ao palco para dar “canjas" nos shows do Primal Scream em diversas ocasiões, a maior parte delas durante o período em que Simone Marie esteve com a banda. Alguns anos depois, a baixista tornou-se DJ e apresentadora de rádio e em 2020 entrevistou o decano do rock alternativo em seu podcast “Closer With…”. O convite para participar de Fever Dreams Pts. 1-4 foi uma espécie de retribuição. Marr declarou, em uma entrevista para a revista Total Guitar, em março do ano passado, que “duas das três músicas que Simone gravou comigo foram de fato construídas em torno do groove, que era o que eu tinha em mente quando eu as escrevi. Eu fiz o baixo nas demos, mas soou meio desconexo. Ela resolveu o problema. Simone deu a essas músicas exatamente o que elas precisavam”. Marr também trouxe para o álbum seu filho, Nile (ex-Man Made e agora em carreira solo), que gravou alguns vocais de apoio. Mas sua principal parceria desde The Messenger é James Doviak, guitarrista, tecladista e engenheiro de som com quem Johnny divide a produção de seu último rebento. Além de Doviak, Fever Dreams Pts. 1-4 também reprisa a participação do baterista Jack Mitchell, que de igual modo vem trabalhando com Johnny em sua banda desde seu primeiro álbum solo. Mitchell tem um currículo de respeito como músico: passou pelo Marion (banda que teve um CD produzido por Marr), e, também, pelo Tailgunner (grupo do ex-produtor do Oasis, Mark Coyle), pelo Haven e por outro projeto paralelo de Bernard Sumner chamado Bad Lieutenant. Não é difícil, portanto, decifrar o o segredo por trás da consistência e qualidade de Fever Dreams Pts. 1-4. De um lado, temos um músico e compositor bastante rodado e vivendo um bom momento criativo; de outro, ele conta com o suporte de um ótimo time. O resultado é essa sensação de que não estamos diante de um mero “álbum solo”, mas, sim, de um disco que consegue a proeza de soar como obra de uma banda - e particularmente uma daquelas que logram colocar o todo acima da soma das partes. Tanto que ao longo do LP temos alguns momentos em que Johnny Marr abre mão do seu protagonismo, como é o caso da bela “Rubicon”, na qual o ovinte é brindado com a maravilhosa voz de Meredith Sheldon (Marina and the Diamonds e Evan Dando / Lemonheads) e com o teclado atmosférico de Doviak. Não nos esqueçamos que estamos falando de um guitarrista que é considerado, desde os tempos dos Smiths, a antítese do egocentrismo e da auto-indulgências dos "guitar heroes" da geração anterior. Para finalizar, creio ser pertinente informar o leitor que Fever Dreams Pts. 1-4 é, na verdade, uma coleção de EPs. As duas primeiras partes de Fever Dreams foram lançadas antes do long play, ainda em 2021, cada uma em um vinil contendo quatro faixas; a parte três foi lançada três meses após o álbum sair. O material desses três vinis corresponde, respectivamente, aos lados A, B e C do LP duplo. O lado D, o último, seria, ainda que virtualmente (já que não chegou a ser lançado de forma independente como os demais), o quarto EP (ou, melhor dizendo, a “parte 4”). Resumindo: Marr também aprendeu com sua larga experiência a importância de uma estratégia de marketing não ortodoxa para promover um trabalho, mesmo (ou principalmente) quando se trata de um disco lançado por uma gravadora alternativa (no caso, a New Voodoo Ltd., um subselo da BMG).

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