Através do sucesso comercial do álbum A Night At The Opera (1975), o Queen foi catapultado para o mais alto e concorrido patamar do rock mundial, puxado pelas faixas “Bohemian Rhapsody” e “You’re My Best Friend”, duas das músicas mais famosas do disco. O álbum ratificou a grandeza e a qualidade do Queen como banda de rock no Reino Unido, terra natal do quarteto, e abriu-lhe as portas do disputado mercado musical dos Estados Unidos, onde o álbum vendeu mais de 3 milhões de cópias. A popularidade de A Night At The Opera levou o Queen a fazer uma longa turnê internacional que incluiu Austrália e Japão.
O Queen adentra o ano de 1976 com o prestígio nas alturas no Reino Unido. Em fevereiro daquele ano, os quatro primeiros álbuns da banda, Queen (1973), Queen II (1974), Sheer Heart Attack (1974) e A Night At The Opera, figuraram no Top 20 da parada britânica de álbuns.
Em meio à ascensão da fama do Queen pelo mundo, seu vocalista, Freddie Mercury (1946-1991) terminava o seu relacionamento com Mary Austin, e assumia a sua homossexualidade. Contudo, se por um lado, a relação de Freddie e Mary como casal havia chegado ao fim, por outro, nascia uma grande e forte amizade entre os dois que durou até a morte do vocalista do Queen, em 1991.
O Queen entrou em estúdio para gravar o sucessor de A Night At The Opera em julho de 1976. Mas desta vez, a banda quis produzir sozinha o novo álbum. O produtor Roy Thomas Baker, o mesmo que havia produzido os quatro primeiros discos do Queen, ficou de fora. A banda contou apenas com o auxílio do engenheiro de som Mike Stone (1951-2002), que ficou responsável pela gravação e pela mixagem do material gravado, além de ter participado do apoio vocal de uma das músicas do novo disco, “Good Old-Fashioned Lover Boy”. As gravações ocorreram nos estúdios The Manor, em Oxfordshire, Sarm West, Wessex Sound e Advision, esses três últimos em Londres. Em novembro de 1976, o novo álbum estava pronto.
Apresentação do Queen no Hammersmith Odeon, em Londres, no Reino Unido, em novembro de 1975, durante a turnê do álbum A Night At The Opera. |
Enquanto esteve gravando o novo disco, o Queen encontrou tempo para oferecer aos fãs um presente bastante generoso: um concerto gratuito no Hyde Park, em Londres. A apresentação aconteceu em 18 de setembro de 1976, justamente no dia em que a morte de Jimi Hendrix (1942-1970) completava seis anos. Estima-se que cerca de 150 mil pessoas compareceram ao concerto promovido pelo Queen gratuitamente.
Intitulado A Day At The Races, o quinto álbum de estúdio do Queen foi lançado em 10 de dezembro de 1976. A Day At The Races guardava algumas coisas em comum com A Night At The Opera, a começar pelo título. O título A Day At The Races é o mesmo nome de um filme dos irmãos Marx (Um Dia nas Corridas, no Brasil), de 1937. A Night At The Opera, título do quarto álbum do Queen, também foi tomado emprestado de um filme dos irmãos Marx, lançado em 1935, no Brasil intitulado Uma Noite na Ópera. Mas as coisas em comum se estendem também para a capa: os dois álbuns apresentam brasões e logotipos bastante parecidos, tendo apenas como diferença a cor de fundo.
Quando A Day At The Races foi lançado, as semelhanças com A Night At The Opera chamaram bastante atenção de muita gente. O ex-produtor do Queen, Roy Thomas Baker, responsável pela produção de A Night At The Opera, foi irônico: “Achei que cheirava a uma mera continuação.” E de fato, houve quem achasse que A Day At The Races fosse uma continuação de A Night At The Opera. Ao longo dos anos, Brian May e Roger Taylor chegaram a admitir que A Day At The Races seria “mais ou menos”, uma continuação do seu antecessor.
Musicalmente, A Day At The Races é um álbum diversificado, com o Queen transitando e experimentando vários estilos, assim como fez em A Night At The Opera, indo do hard rock à valsa, passando pelo gospel, folk rock e music hall. Aliás, foi em A Day At The Races que o Queen explorou o music hall pela última vez.
“Tie Your Mother Down” é a faixa que abre A Day At The Races, um hard rock composto por Brian May, em 1968, antes do surgimento do próprio Queen. Um som de um gongo, seguido por acordes tensos de guitarra abrem a música. Logo depois, uma pequena escala sonora ascendente faz um elo de ligação que precede a entrada da banda, tocando um som pesado de hard rock, mas com um andamento de blues rock. A letra trata sobre um jovem que propõe à sua namorada que ela amarre a mãe e tranque o pai, para que assim, possam juntos irem a uma festa.
Cartaz do filme A Day At The Races, estrelado pelos Irmãos Marx, em 1937. O título do filme nomeou o quinto álbum do Queen, em 1976. |
Após um começo alucinante em ritmo de hard rock, o clima se acalma com “You Take My Breathe Away”, uma balada com Freddie Mercury cantando e tocando piano. Trata-se de uma canção de amor, com uma letra dramática sobre alguém apaixonado que pede desesperadamente para que seu amor não vá embora. A canção possui camadas de vocais de Freddie Mercury sobrepostas que criam um sensacional coral de vozes apenas do cantor. No final da música, há uma sequência veloz e repetitiva de vocais incompreensíveis que ao diminuir a velocidade, a frase que se ouve é “you take my breathe away” (“você tira meu fôlego”), e que faz conexão com a próxima faixa.
“Long Away” é um folk rock balada agradável, melódico, radiofônico, escrito e cantado por Brian May. O guitarrista fez uso de um violão de 12 cordas nesta canção. Freddie Mercury e Roger Taylor fizeram os vocais de apoio. Em “The Millionaire Waltz”, Freddie Mercury começa cantando e tocando piano em ritmo de valsa popularesca, seguido por uma sequência de mudanças rítmicas que vão desembocar mais adiante num hard rock.
O lado 1 de A Day At The Races termina com “You and I”, única música composta pelo baixista de John Deacon presente no álbum. É um rock balada leve e singelo, que traz Mercury cantando e tocando piano, e o resto da banda o acompanhando.
Poster promocional de A Day At The Races da época. |
Abrindo o lado 2, a canção “Somebody to Love”, a principal faixa do álbum e um dos maiores sucessos da carreira do Queen. Escrita por Freddie Mercury, o cantor inspirou-se na música gospel, em especial, na cantora Aretha Franklin (1942-2018). Mercury, Brian May e Roger Taylor gravaram juntos os vocais em vários canais, e sobrepostos em várias camadas para simular um coral gospel de cem vozes. O processo foi semelhante ao que foi usado em “Bohemian Rhapsody”. “White Man” é um hard rock em cuja letra, o eu lírico é um indígena que conta sob o seu ponto de vista, os males causados pelos colonizadores europeus aos povos indígenas no continente americano.
“Good Old-Fashioned Lover Boy” faz referência a um jovem cavalheiro, romântico, um amante à moda antiga. A faixa começa com piano e vocal de Freddie Mercury, acompanhado mais adiante pelos companheiros de banda. Os membros do Queen também fazem vocais de apoio em boa parte da música, mas há um trecho em que o engenheiro de som, Mike Stone, faz vocal de apoio para Freddie Marcury. Diga-se de passagem, as vocalizações nesta faixa foram muito bem construídas. O rock balada “Drowse” traz Brian May fazendo solos sensacionais na sua slide guitar. A música foi composta por Roger Taylor, e é ele mesmo quem canta em seus versos, os devaneios na sua infância.
Fechando o álbum, “Teo Torriatte (Let Us Cling Together)”, canção composta por Brian May em homenagem aos fãs japoneses, e que que traz inusitadamente, dois refrãos cantados em japonês por Freddie Mercury. A música termina com uma longa e repetitiva escala sonora, a mesma que abre o álbum e dá início à primeira faixa. O recurso soa como se fosse fim e recomeço do álbum.
Álbuns irmãos: semelhanças visuais e musicais entre A Night At The Opera e A Day At The Races. |
A recepção por parte da crítica foi um tanto quanto de “morna” para negativa. O jornalista Nick Kent, da revista britânica NME (New Music Express) escreveu em sua resenha que o álbum era “uma ‘grotesqueira’ de primeira grandeza”, e ainda atacou o vocalista: “Quase tudo nas composições que levam a assinatura de um certo F.Mercury, parece embebido de uma essência de coquetismo narcísico e de ultrapreciosismo”. Vale destacar que o NME fez parte de uma parcela da imprensa musical britânica favorável à revolução punk, que propunha uma renovação no rock britânico e um enfrentamento às velhas e milionárias estrelas do rock.
Mas houve quem fosse simpático a A Day At The Races. Para o jornal canadense The Winnipeg Free Press, o álbum é “a reconfirmação do Queen como a melhor banda da terceira onda do rock britânico”.
No entanto, a reação do público foi mais positiva. A Day At The Races alcançou o 1°lugar na parada de álbuns do Reino Unido, Holanda e Japão. No Canadá ficou em 4° lugar, enquanto que nos Estados Unidos, A Day At The Races chegou ao 5° lugar da parada da Billboard 200.
A Day At The Races gerou cinco singles: "Somebody to Love", "Tie Your Mother Down", "Teo Torriatte (Let Us Cling Together)", "Good Old-Fashioned Lover Boy" e "Long Away". O single de "Somebody to Love" chegou ao 2° lugar na parada de singles do Reino Unido, enquanto que nos Estados Unidos, alcançou o 13° lugar na parada da Billboard 200.
Apesar do bom desempenho nas paradas de álbuns, as vendas de A Day At The Races estavam bem distantes dos números do disco anterior. Nos Estados Unidos, A Day At The Races vendeu 1 milhão de cópias, enquanto que no Reino Unido chegou à marca de 100 mil cópias.
Para promover o álbum, o Queen partiu em janeiro de 1977 em turnê internacional que passou pela América do Norte e Europa, com um total de 59 apresentações. Durante a passagem da turnê pelos Estados Unidos e Canadá, a banda Thin Lizzy foi quem abriu os shows do Queen.
Encerrada a turnê de A Day At The Races, em junho de 1977, o Queen entrou em estúdio para gravar o seu próximo álbum de estúdio, News Of The World. No novo trabalho, que só sairia em outubro do mesmo ano, o quarteto britânico deixaria de lado os arranjos complexos e intrincados que caracterizaram A Night At The Opera e A Day At The Races, e partiria para soluções mais simples, “enxutas” e acessíveis musicalmente. Era o reflexo do “furacão” punk que sacudiu o cenário do rock britânico, buscando um tipo música mais direta, simples, urgente, menos “burocrática”, sem pompa. Assim como outras bandas que primavam pelo virtuosismo, o Queen teve que se adaptar à nova realidade, mas sem perder a sua essência. E conseguiu.
Faixas
Lado A
- "Tie Your Mother Down" (Brian May)
- "You Take My Breath Away" (Freddie Mercury)
- "Long Away" (Brian May)
- "The Millionaire Waltz" (Freddie Mercury)
- "You and I" (John Deacon)
Lado B
- "Somebody to Love" (Freddie Mercury)
- "White Man" (Brian May)
- "Good Old-Fashioned Lover Boy" (Freddie Mercury)
- "Drowse" (Roger Taylor)
- "Teo Torriatte (Let Us Cling Together)" (Brian May)
Queen: Freddie Mercury (vocais principais, vocais de apoio e piano), Brian May ( slide guitar, guitarra elétrica, violão, vocais de apoio, vocal principal em "Long Away", harmônio em "Teo Torriatte (Let Us Cling Together)"), Roger Taylor (bateria, percussão, vocais de apoio, tímpanos, vocal principal e guitarra rítmica em "Drowse", gongo em "Tie Your Mother Down") e John Deacon (baixo, violão em "You and I")
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