domingo, 7 de maio de 2023

“Blue” (Reprise, 1971), Joni Mitchell

 



Na virada dos anos 1960 para os anos 1970, a canadense Joni Mitchell gozava de grande prestígio no cenário musical internacional graças à boa receptividade dos seus três primeiros álbuns, Song To A Seagull (1968), Clouds (1969) e Ladies Of The Canyon (1970). Miitchel Foi contemplada com um Grammy de “Melhor Performance Folk” pelo álbum Clouds. No entanto, o sucesso e a exposição proporcionados por esses álbuns incomodavam Mitchell. A jovem cantora, então como pouco mais de 26 anos de idade, parecia não se sentir à vontade com a fama.

Foi então que no começo de 1970, decidiu suspender as turnês naquele ano para dedicar-se mais a escrever e pintar. No máximo, fez uma ou outra apresentação a vivo, como um show no Festival de Ilha de Wight, em agosto de 1970, e algumas aparições esporádicas em programas de TV, e só. Nem mesmo o disco de ouro conquistado com o álbum Ladies Of The Canyon, lançado em abril (mais de 500 mil cópias vendidas), motivou a cantora para uma turnê. Estava decida a dedicar um tempo a si mesma.

Naquele momento, o seu relacionamento com o cantor Graham Nash, do grupo Crosby, Stills, Nash & Young, estava se deteriorando. Foi então que ele partiu sozinha para a Europa para refazer as ideias, repensar a sua vida sob todos os aspectos. Passou pela Espanha, França, Grécia e a ilha de Creta. Durante a sua passagem pela Europa, Mitchell terminou seu romance com Nash por meio de um telegrama.

Joni Mitchell e o cantor Graham Nash em 1969: algumas canções que Mitchell
escreveu para Blue foram inspiradas no seu relacionamento com Nash.
 

Na ilha de Creta, Mitchell chegou a morar um período curto numa comunidade hippie em Mátala, na época, uma vila de pescadores ao sul da ilha. A comunidade hippie morava em grutas, e Mitchell morou numa delas com Cary Raditz, um americano que trabalhava como cozinheiro num restaurante em Mátala, e com o qual ela teve um breve romance.

Foi nessa temporada europeia, sobretudo em Creta, que ela compôs algumas canções para o seu próximo álbum, Blue.

De volta a Los Angeles, na Califórnia, em meados de 1970, Mitchell iniciou um romance com o cantor James Taylor, que na época estava em franca ascensão. No início de 1971, Joni Mitchell participa das gravações do álbum Mud Slide Slim And Blue Horizon, terceiro álbum de estúdio de Taylor, fazendo vocais de apoio. Taylor por sua vez, retribui participando das gravações de Blue, o quarto álbum de estúdio de Mitchell, tocando violão em algumas faixas. A produção de Blue teve a própria Joni Mitchell à frente. Outro convidado ilustre foi Stephen Stills, do grupo Crosby, Stills, Nash & Young, tocando baixo e violão na faixa “Carey”.

Um outro fato interessante, é que nessa mesma época em que Joni Mitchell e James Taylor estavam gravando seus respectivos álbuns, os dois participaram das gravações do álbum de uma amiga em comum, Carole King, e o álbum em questão era Tapestry.

Taylor, Mitchell, o engenheiro de som Hank Cicalo e Carole King nas
sessões do álbum 
Tapestry de King, de 1971.

O álbum Blue ficou pronto em março de 1971, mas a data de lançamento teve que ser adiada. De última hora Joni Mitchell decidiu trocar duas músicas que fariam parte do álbum. Saíram “Hunter” e “Urge For Going”, e foram substituídas por “All I Want” e “The Last Time I Saw Richard”.

Lançado em 22 de junho de 1971, Blue é um álbum essencialmente confessional, um trabalho que revela um pouco sobre o que Joni Mitchell estava vivenciando. Nele, Mitchell faz referência ao seu relacionamento com Graham Nash, à paixão conflituosa com James Taylor e até mesmo a um detalhe que passou imperceptível durante décadas e só foi revelado quase trinta anos depois que o álbum foi lançado: a filha que ela deu à luz e decidiu entregar par adoção.

Blue é um álbum musicalmente simples, e melancólico em alguns momentos. É menos melódico que o seu antecessor, Ladies Of The Canyon, talvez por este ter uma presença maior do piano, mas guarda uma beleza na sua simplicidade. Ainda assim, o piano se faz presente em algumas faixas, porém os violões e o dulcimer apalache, exercem grande protagonismo. O dulcimer apalache é um instrumento musical típico da região dos Apalaches, nordeste dos Estados Unidos, e que teve em Joni Mitchell, uma das artistas que ajudaram a dar visibilidade a esse instrumento na música pop mundial.

O álbum traz em suas dez faixas, uma Joni Mitchell expressando suas dores, alegrias, tristezas, confissões e frustrações através de versos dotados de uma grande sensibilidade poética.

Joni Mitchell toca um dulcimer apalache ao lado de uma criança.

Blue abre ao som do ritmo frenético de um dulcimer fazendo a introdução de “All I Want”. A canção que mostra uma Joni Mitchell em busca de viver a felicidade de um grande amor, mas ao mesmo tempo, desfrutar da liberdade. A balada a voz e piano, “My Old Man”, foi composta por Mitchell quando ainda tinha um relacionamento com Graham Nash, revela uma cantora que embora apaixonada, não achava necessário um papel assinado para vivenciar uma união conjugal sincera.

Embora linda, “Little Green” é uma canção triste, confessional, escrita por Joni Mitchell após entregar sua filha para adoção, em 1965. Foi talvez o momento mais difícil de sua vida. Mitchell foi mãe solteira aos 22 anos, não tinha condições de sustentar a filha. Aborto estava fora de cogitação, preferiu entregar a criança para adoção. “Little Green” é um misto de tristeza e otimismo. Comovente, a canção é uma mensagem de uma mãe que expressa através de versos, a esperança de um futuro feliz para aquela criança, ainda que com uma outra família. O segredo por traz da mensagem de “Little Green” só foi revelado para o público em meados dos anos 1990, numa entrevista de Joni Mitchell para o jornal Los Angeles Times. Em 1997, trinta e dois anos depois, Joni Mitchell reencontrou sua filha, Kilauren Gibb, nome dado pelos pais adotivos.   

“Carey” é uma folk music alegre e simpática, escrita por Joni Mitchell em Creta e inspirada em Cary Raditz, o americano que ela conheceu em Mátala e com o qual manteve um breve romance. Mitchell expõe a sua satisfação em ter vivido aquele momento antes de voltar para Califórnia. Além de cantar, Mitchell toca dulcimer, acompanhada de Stephen Stills no baixo e de Russ Kunkel na percussão.

Em 1997, Joni Mitchell reencontra a filha que ela
entregou para adoção em 1965.


Na introspectiva e melancólica “Blue”, faixa que dá nome ao álbum, Joni Mitchell canta acompanhada do seu piano. Há várias especulações a quem seria endereça esta canção. James Taylor seria uma dessas pessoas, já que naquele período em o cantor e Mitchell estiveram juntos, ele travava uma batalha contra o seu vício em heroína, e a canção toca justamente nesse assunto referente a drogas. Uma outra especulação é que “Blue” parece refletir sobre o desencanto da contracultura, o fim do sonho hippie naquele início dos anos 1970.

Composta por Joni Mitchell durante a sua estadia na França antes de retornar para os Estados Unidos, “California” é uma canção folk em que a cantora expressa toda a sua saudade da Califórnia e o seu desejo de voltar para casa. A letra é quase que um diário, em que Mitchell cita alguns dos lugares que ela passou durante o seu exílio voluntário, e até faz uma menção, ainda que indiretamente, de Cary Raditz, o americano com quem ela namorou em Creta.

A balada folk “This Flight Tonight” é sobre alguém que parte de avião rumo a uma nova vida, mas guarda um sentimento corrosivo de arrependimento por ter deixado para trás um grande amor. Durante todo o voo, essa pessoa sente um desejo incontrolável para que em algum momento o avião faça o retorno. Sneaky Pete Kleinow faz uma inserção curta tocando um pedal steel guitar. Em 1973, a banda escocesa Nazareth fez uma incrível versão hard rock de “This Flight Tonight” que se tornou um grande sucesso.

“River” começa curiosamente com um piano fazendo os acordes da canção natalina “Jingle Bells”. Embora a letra tenha como pano de fundo o clima natalino, a canção se refere sobre o fim de um romance, provavelmente o término do relacionamento de Joni Mitchell com Graham Nash. A letra toca também no sentimento de frustração, dor e culpa que a cantora vivenciava na época em que escreveu a canção. Ao dizer na letra que gostaria de ter um rio para patinar (logicamente um rio congelado, já que é inverno no hemisfério norte no Natal), Mitchell parece querer expressar o desejo de liberdade, de se livrar da dor de um amor que acabou.

Presente no álbum Blue, a canção "This Flight Tonight", de Joni Mitchell,
ganhou uma versão hard rock com a banda Nazareth (foto) em 1973.
 

“A Case Of You” é outra canção presente em Blue sobre o fim do relacionamento de Joni Mitchell com Graham Nash. Os verso trazem uma mulher que mesmo após o fim de um relacionamento, ainda guarda em si um sentimento forte pelo seu antigo amor, algo quase que religioso, sagrado: “Oh, você está em meu sangue como vinho sagrado / Seu gosto é tão doce e tão amargo”. Em “A Case Of You”, Mitchell canta e toca dulcimer, acompanhada por James Taylor ao violão e Russ Kunkel na percussão.

O álbum termina com “The Last Time I Saw Richard”, uma canção que seria a respeito de Chuck Mitchell, ex-marido de Joni Mitchell, e do qual ela se divorciou em 1968. O Richard citado na letra seria o próprio Chuck, um homem que diante da narradora (no caso, Joni Mitchell), ridiculariza o romantismo, o amor. A narradora por sua vez responde a ele: “Richard, você não mudou mesmo, eu disse / Só que agora você está romantizando uma dor que existe na sua cabeça”. A narrativa da canção parece o reencontro metafórico do antigo casal, e que Mitchell, parece ter chegado à conclusão não teria perdido nada com o divórcio.

Na época de seu lançamento, Blue teve uma recepção positiva por parte da imprensa musical, apesar de algumas críticas ao fato da cantora ter exposto a sua vida íntima em algumas canções do álbum. Blue alcançou o 15º lugar da parada da Billboard, nos Estados Unidos, onde vendeu mais 1 milhão de cópias e conquistou o disco de platina. No Reino Unido, Blue vendeu mais de 600 mil cópias e ficou em 3º lugar na parada de álbuns. Enquanto isso, no Canadá, país natal de Joni Mitchell, Blue chegou ao 9º lugar da parada de álbuns.

Blue é considerado a grande obra-prima de Joni Mitchell, e um dos mais representativos álbuns femininos em todos os tempos. Em 2012, a revista Rolling Stone elegeu Blue o 2º melhor disco feminino de todos os tempos, atrás apenas de I Never Loved A ManThe Way I Love You (1967), de Aretha Franklin. Através de Blue, Joni Mitchell contribuiu para a valorização da cantora/compositora, incentivando as cantoras a comporem as suas canções, a exporem os seus próprios sentimentos e visões de mundo. O surgimento de cantoras/compositoras como Patti Smith, Tracy Chapman, Fiona Apple, Taylor Swift, PJ Harvey, KT Tunstall e tantas outras artistas, deve muito a Joni Mitchell e ao seu Blue.

Faixas 

Todas as faixas foram compostas por Joni Mitchell

 

Lado 1

  1. "All I Want"
  2. "My Old Man"
  3. "Little Green”
  4. "Carey"
  5. "Blue"

 

Lado 2

  1. "California"
  2. "This Flight Tonight"
  3. "River"
  4. "A Case of You"
  5. "The Last Time I Saw Richard"

"All I Want"

"My Old Man"

"Little Green”

"Carey"

"Blue"

"California"

"This Flight Tonight"

"River"

"A Case of You"

"The Last Time I Saw Richard"


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