sexta-feira, 19 de maio de 2023

dEUS – The Ideal Crash (1999)

 

O magnífico disco em que os dEUS fazem a síntese perfeita entre enormes canções e a estranheza que sempre os definiu

Há momentos em que os astros se alinham. Em que uma banda está no sítio certo à hora certa, sintonizada com o seu tempo de forma tão intensa que a obra que produz acaba não apenas por o reflectir, mas também por defini-lo. Foi esse o caso dos dEUS, em 1999, com o lançamento de The Ideal Crash.

A maior exportação musical da Bélgica fez-se notar logo na estreia, em 1994, com o óptimo Worst Case Scenario. O mundo ficou então a conhecer este ser estranho e complexo, partindo da estrutura tradicional de canções de guitarras mas contendo universos lá dentro: ritmos não-lineares, influências de jazz e pós de música concreta, o filho bastardo entre os Kinks e Captain Beefheart. Ficámos intrigados.

À beira do sucesso internacional, a banda de Tom Barman (que é na verdade já um filho adoptivo de Portugal) tinha dois caminhos: ou corria para os seus braços ou reforçava o seu carácter mais alternativo. A resposta veio com o estranhíssimo mas belo My Sister = My Clock (uma única longa e tortuosa faixa com 13 músicas),  e de seguida In a Bar Under the Sea, que vê os dEUS de regresso ao formato típico de álbum, em 1996. O cenário estava montado para o statement derradeiro, que chegaria ao quarto disco, este The Ideal Crash.

Gravado em Espanha, o que distingue este álbum é a extrema qualidade das suas composições – num disco sem pontos baixos – e o encontro da fórmula certa: canções bem feitas e viciantes, com a estrutura tradicional, mas impregnadas da estranheza que sempre fez dos dEUS uma banda especial (e uma das mais acarinhadas pelo público português).

Como sempre, são as canções quem tudo ditam. Desde o arranque estrondoso, poderoso, sexy e perigoso de “Put the freaks up front”, às doridas e lindíssimas “Sister Dew” e “The Magic Hour”, passando pela tensão elegante de “One advice, space” ou pela urgência de “The ideal crash” ou “Everybody’s weird”, sem esquecer a triste e emocionante balada “Magdalena” – tudo em The Ideal Crash funciona. Não só funciona; emociona, mexe connosco.

Para uma geração – a que chegou à adolescência com a explosão do grunge, depois a britpop, depois o trip-hop, depois uma espécie de vácuo e dispersão que abriria espaço a coisas hediondas como o nu-metal – os dEUS, em 1999, providenciaram uma resposta. Um rock adulto, perigoso e viciante, que encontrou em The Ideal Crash – que viveu também em Portugal a celebração em palco dos seus 20 anos – um documento dos tempos e um mapa de sobrevivência para os melómanos de bom gosto e ainda com sangue quente nas veias.



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