A primeira metade dos anos 70 propiciou os grandes discos da carreira do Gentle Giant. Mas o que aconteceu com o grupo a partir de 1975? Vamos então apresentar os discos que encerram a carreira do grupo. Começamos pelo fato de que após o período de contrato com a Vertigo/WWA, o grupo estava insatisfeito com o mesmo. Lembrando que a formação na época era Gary Green (guitarras, violões, vocais), Kerry Minnear (teclados, mellotron, vibrafone, vocais), Derek Shulman (vocais, saxofone), Ray Shulman (baixo, violino, violões, trompete, vocais) e John Weathers (bateria, percussão).
O time então resolveu fazer um contrato com a gravadora Chrysalis, e assim, entrando no período chamado The Chrysalis Years, que culminou com os cinco último discos dos britânicos.
Free Hand [1975]
Free Hand foi lançado em 22 de agosto de 75. Ele traz resquícios do que fôra feito anteriormente aparecem aqui e acolá, como a brilhante “His Last Voyage”, de grandes inspirações jazzísticas e um trabalho vocal esplêndido, e a também no trabalho instrumental da faixa-título. Porém, há um som mais acessível em Free Hand logo na primeira faixa, “Just the Same”. A mesma fórmula é repetida em “Time to Kill” e “Mobile”, que apesar de apresentarem alguns momentos mais trabalhados, estão longe do que poderíamos esperar das ousadias e complexidades já construídas pelo grupo. Por outro lado, é venerável o sorriso que o arranjo vocal polifônico e de lindas harmonias da sensacional “On Reflection” leva ao fã do grupo. Certamente uma das melhores canções do quinteto, com um brilho extra de Minnear nos mais diversos instrumentos e também nos vocais centrais, em uma peça que remete bastante músicas renascentistas. Essa lembrança renascentista também está forte na instrumental “Talybont”, lindíssima e de nuances brilhantes através da repetição da melodia central em diversos instrumentos. No geral, a mudança na sonoridade não foi tão gritante, mas acabou facilitando os ouvintes americanos a adquirirem o gosto pelo grupo, alavancando as vendas nos Estados Unidos, e fazendo este o álbum da banda que conquistou a melhor posição nas paradas daquele país, no quase, a quadragésima oitava.
Interview [1976]
Este álbum é conceitual, lançado em 23 de abril de 1976, foi concebido para ser uma espécie de entrevista imaginária para rádio, onde as respostas ironizam com a indústria musical e também com a imprensa em geral. Porém não funciona como conceitual. Os trechos da suposta “entrevista” não conseguem fazer com que aja uma fluidez que um álbum conceitual exige. Há momentos interessantes na faixa-título e em “Timing”, onde a mistura de diversos instrumentos é um atrativo a parte, assim como a parte acústica novamente é encantadora, aqui na linda “Empty City”. Gary Green estava soberano nas seis cordas, seja na guitarra, com ótimos solos, seja no violão, como na introdução trabalhadíssima de “I Lost My Head”. Falando em violões, o melhor de Interview fica para o arranjo vocal e percussivo de “Design”, apesar da canção em si não funcionar como por exemplo em “On Reflection” e para a veloz “Another Show”, faixa bastante surpreendente pela pancadaria que come solta em pouco mais de três minutos. São desnecessárias as invenções de “Give it Back”, que flerta com o reggae, e que acabou sendo o único (e fracassado) single do álbum. É um belo disco, e que apesar não funcionar como conceitual, continuou mantendo o nível dos lançamentos do grupo. Mesmo assim, foi apenas posição 137 nos Estados Unidos.
A turnê de Interview propiciou o primeiro ao vivo da banda, lançado em 18 de janeiro de 1977. Playing the Fool é para mim um dos melhores discos ao vivo de todos os tempos. Registrando shows pela Europa no ano de 1976, aqui os fãs que não tiveram a oportunidade de ver um show do grupo, conseguiu comprovar que os caras eram realmente sobrenaturais, levando para os palcos toda a complexidade que já estava sendo empregada nos estúdios, e as vezes até ampliando a mesma. Vários são os destaques nesse disco, mas me atenho a três faixas: o complicadíssimo medley “Excerpts from Octopus”, que como o nome diz faz um resgate das canções de Octopus, a estonteante “So Sincere”, com uma magnífica sessão percussiva, e a mais que emocionante versão de “Funny Ways”, onde Kerry Minnear se vira nos 30 entre teclados, violoncelo e mandando ver em um arrepiante solo de vibrafone. A versão britânica traz um belo livreto de doze páginas, que infelizmente não chegou ao mercado nacional. Disco essencial para qualquer amante de rock progressivo.
Infelizmente, o desconforto interno já era grande, e isso seria sentido nos próximos álbuns do grupo. O impacto de Interview pode ser conferido nas palavras de Derek: “Penso que Interview foi o início da erosão da banda. A criatividade estava começando a diminuir, e ali, passamos a nos preocupar muito mais com o negócio da banda, e quem gerenciava isso era eu. O negócio da música se tornou um grande negócio para nós“.
The Missing Piece [1977]
Após o fim da turnê de Interview, o quinteto viajou para a Holanda decidido novamente a mudar o som, ampliando os caminhos em busca desse “grande negócio”, e claro, isso também exigiria o lançamento de singles. Lançado em 26 de agosto de 1977, The Missing Piece é um álbum chocante para o fã mais conservador do Gentle Giant, porém com ótimas faixas para aquele que tem a cabeça mais aberta. É dividido em dois lados bem distintos. Pela primeira vez, Derek assumiu o vocal em praticamente todas as canções, com exceção apenas de “As Old as You’re Young”, cantada por Minnear. O lado A tem a predominância de um som mais acessível, como no punk (?!) de “Betcha Thought We Couldn’t Do It” , ou faixas do estilo soft rock, que iria vir a dar o tom do disco seguinte, Giant for a Day. Claro, esse pop não é um pop simples, vide as boas passagens de “Mountain Time”, “Two Weeks in Spain” e “Who Do You Think You Are?”. Gosto da balada “I’m Turning Around”, que lembra o Genesis dessa época, principalmente no refrão. Claro, não é nada próximo do que a banda já fez, mas são boas músicas ao meu ver. Já o lado B traz o brilho e talento que qualquer admirador dos britânicos sabem apreciar, principalmente na obra “Memories of Old Days”, fácil a melhor do álbum, e por que não, uma das melhores desse período, com sua hipnotizante introdução aos violões, a linha de baixo seguindo os violões, o vozeirão de Derek estourando as caixas de som e claro, Minnear fazendo uma participação precisa com seus teclados. Outro bom trecho progressivo é o riff intrincado de “For Nobody”, uma faixa mais pesada, mas com belo trabalho vocal e instrumental, trazendo experimentações principalmente nas harmonias vocais. Experimentações, agora instrumentais, também aparecem na introdução de “Winning” e no solo de “As Old as You’re Young”, mas essas faixas estão aquém das demais do lado B, e até mesmo do disco em si. “Two Weeks in Spain”, “Mountain Time” e “I’m Turning Around” saíram como singles, mas tiveram vendas abaixo do que poderia ser considerado terrível. O álbum até conseguiu uma posição melhor que seu antecessor, atingindo a octagésima primeira, mas nada que justificasse a mudança sonora para atingir o sucesso no tal “grande negócio”, que estava naufragando. Porém, a banda acreditou que essa mudança ia trazer resultados positivos, e seguiu na mesma linha no fraquíssimo Giant for a Day!.
Giant for a Day! [1978]
No dia 11 de setembro de 1978 chegou às lojas o contestado Giant for a Day!. Poucas bandas tem aquele disco preferido para ser considerado o pior de sua discografia, e o Gentle Giant é uma dessas, com este sendo o tal disco. O grupo fugiu de qualquer lembrança das inspirações renascentistas, construções intrincadas, multi-instrumentos entre outro, e preferível tentar criar um som totalmente comercial. O resultado é tão constrangedor quanto péssimo. O arranjo vocal de “Words from the Wise”, faixa que abre o disco, até dá uma esperança, mas ao longo dos 35 minutos de Giant for a Day!, pouco se escapa. Faixas comuns e radiofônicas, como o rock de “Little Brown Bag”, a dançante “Rock Climber” ou a emotiva “Thank You” e sua levada acústica, têm alguns pontos positivos, mas nada marcante ou que se dê para ficar ouvindo por muito tempo. Ruim e constrangedora é o que consigo dizer para “It’s Only Goodbye”, sem palavras mais para descrever. Por outro lado, esses adjetivos e no mínimo ridícula são adjetivos para a faixa-título, certamente a canção mais fora da curva em toda a discografia do grupo, brigando cabeça-cabeça com “Take Me”, ambas cheias de eletrônicos e muito, mas muito ruins. Se bem que “No Stranger” é muito ridícula, ruim e constrangedora, seja pelas vocalizações a la Beach Boys ou pela música mesmo. Enfim, difícil dizer qual a pior canção deste disco, mas fácil eleger as melhores. Elas são “Friends”, cantada surpreendentemente por John Weathers, acompanhado apenas pelo violão e baixo, e a instrumental “Spooky Boogie”, uma canção simples, levada pelo riff de baixo e bateria, mas com um certo ar de frescor perto das demais canções. Giant for a Day! é tão fraco que não conseguiu entrar nos charts de vendas, assim como nenhum dos dois singles (“Thank You” e “Words from the Wise”, ambos com “Spooky Boogie” no lado B). A capa e o encarte podem ser recortados para se obter uma máscara de gigante, e ser então um Gigante por um Dia. Talvez se tivesse sido lançado com outro nome de banda, poderia ter seus méritos, o que também atesta que não é o pior disco de todos os tempos, quiçá do progressivo (Focus e Russian Roulette, do Triumvirat, ainda estão anos-luz à frente ocupando este posto). Mas como Gentle Giant, é um disco bem decepcionante, e foi o único a não ser promovido nos palcos.
Civilian [1980]
Mudando-se agora para os Estados Unidos, o grupo grava entre agosto e novembro de 1979, lançando em 3 de março de 1980, seu décimo primeiro e último álbum. Civilian apresenta uma grande influência da New Wave, e apesar de muitos fãs torcerem o nariz para o resultado final, eu confesso que gosto bastante do que foi registrado aqui. O álbum já começa com a pesadíssima “Convenience (Clean and Easy)”, uma ótima faixa para colocar o quinteto nos anos 80. A guitarra é o instrumento mais marcante ao longo do disco, com destaque para o riff de “Number One” e o dedilhado enigmático de “Inside Out” Para quem quer viajar em um progressivo oitentista, vibre com o piano e os teclados de “Shadows in the Street”, cantada por Minnear e forte candidata a melhor do álbum. Brigando por essa posição, “Underground”, com sua levada disco, mas ao mesmo tempo trazendo um arranjo vocal e um peso muito bons. Aliás, há influências modernas em todo o álbum, mas com um tempero progressivo bem empregado, como o AOR de “All Through the Night”, o pop de “I Am A Camera”. Outra canção que chama a atenção pelo seu bom trabalho instrumental é “It’s Not Imagination”, onde teclados e guitarras fazem uma excelente condução. É um belo disco, que supera muito seu antecessor, e encerra digninamente uma obra fantástica. Vale lembrar que na América do Norte, Civilian saiu pela Columbia, onde alcançou somente a posição 203, sendo lançado pela Chrysalis no Reino Unido. Daqui saiu o single com “All Through The Night” / “Convenience (Clean And Easy)”, que também foi um fracasso comercial.
Ainda em 1980, após uma breve turnê de divulgação de Civilian, o grupo se desfez. O último show do grupo foi em 16 de junho de 1980. A razão central da separação foi não conseguir mais encontrar a criatividade para sobreviver. Enquanto Kerry e Gary queriam voltar aos passos progressivos, os irmãos Shulman desejavam o sucesso a qualquer preço, acabando então com uma das maiores bandas da história. Derek entrou para o mundo da produção musical, onde chegou ao posto de presidente de empresas como Atco Records e Roadrunner Records. Ray compôs trilhas e também se tornou produtor musical, com destaque para os trabalhos com Echo & the Bunnymen, Genesis, Queen e Sugarcubes. John Weathers fez parte de grupo como o Man e o Wild Turkey, enquanto Gary foi o mais ativo como músico, participando de diversos álbuns desde então. Kerry entrou para o mundo da música gospel, e hoje é responsável pela Alucard Music, organização responsável pelos royalties do Gentle Giant. Martin Smith estabeleceu-se na Inglaterra, tocando bateria por diversas bandas, vindo a falecer em 2 de março de 1997, enquanto Malcolm Mortimore toca bateria em grupos de jazz até hoje.Por fim, Phil abandonou a música, e virou professor e comerciante, tendo trabalhado raramente com música após sua saída da banda.
Para os completistas, recomendo os boxes Scrapping the Barrel e Memories of Old Days, ambos com muitas preciosidades relacionadas ao grupo, e também o DVD Giant on the Box, onde pode ser conferido como era o exaustante e encantador trabalho de palco dessa formação, uma das melhores de todos os tempos não só para o progressivo, mas para a história da música.
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