sexta-feira, 19 de maio de 2023

Thelonious Monk – Solo Monk (1965)

 

Singelo. Engraçado. Desconcertante. Puro. Como uma criança a tocar ao calhas só para ver a mãe sorrir.

Thelonious Monk foi um dos inventores do jazz moderno, tendo escrito dezenas de temas que hoje são standards, como a fumarenta “‘Round Midnight” e o blues neurótico “Straight no Chaser”. Se o seu talento como compositor é consensual, muitos franzem o sobrolho em relação ao Monk intérprete. Dizem que têm pena do desgraçado do piano…

Quando ouvimos pela primeira vez Solo Monk percebemos as inquietações: tudo é tão rude e desengonçado que parece que o homem toca com luvas de jardinagem vestidas.

Acontece que a cada nova audição mais ficamos rendidos à sua beleza grosseira, o equivalente musical às pinceladas grossas e apressadas das últimas obras de Van Gogh. Há muito que a pintura se emancipara do virtuosismo mas os grandes pianistas de jazz persistiam no modelo tradicional, baseado na velocidade e precisão. Até que Thelonious tem a ousadia de simplificar radicalmente a linguagem do piano, deitando pela janela todos os inúteis bibelôs.

Mas Monk não se fica apenas pela depuração (isso é para meninas). Vai mais longe, acrescentando algo ainda mais provocador: a deformação. É aqui que as coisas começam a ficar interessantes…

Thelonious começa por tocar todas as notas certas, criando no ouvinte uma expectativa de ordem e harmonia; até que, quando menos se espera, toca uma nota ostensivamente errada. O erro é de tal forma flagrante que cria um efeito cómico, como uma senhora gorda e petulante tropeçando nas escadas.

Também o fraseado é maravilhosamente disforme: perro e brusco, com hesitações e saltos repentinos, como um bêbado cambaleando no regresso a casa.

Até o próprio toque é feíssimo, e, por isso, tão bonito: demasiado ríspido e percussivo, como se os dedos fossem baquetas.

Para que todas estas infracções soem mais subversivas, a mão esquerda é estupidamente convencional, nada mais do que o velho gingar stride (nota de baixo, acorde, nota de baixo, acorde). O contraste entre o aprumo do passado e o desleixo do futuro, ambos no mesmo teclado, só aumentam a nossa perplexidade.

Singelo. Engraçado. Desconcertante. Puro. Como uma criança a tocar ao calhas só para ver a mãe sorrir.



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