O melhor disco de um Beatle a solo. Lennon escarafunchando as suas feridas com uma chave de fendas e gritando.
Houvera alguma dúvida sobre o fim dos anos 60, o primeiro disco de John Lennon dissipa-a de vez. A culpa é da anti-oração de “God”, onde Lennon elenca a longa lista de coisas em que já não acredita, uma autópsia dolorosa de um sonho de uma geração (perdoamos-lhe tudo menos a blasfémia de não crer nos Beatles). Está oficialmente inaugurada a cínica década do eu.
Por isso, Plastic Ono Band não quer saber do mundo, apenas chafurda nos seus traumas de infância, com uma sinceridade emocional inédita, a raiar o obsceno. Quando no final de “Mother” Lennon repete “Mummy, don’t go, Daddy come home”, guinchando como um porco na matança, sabemos que está na altura de mudar para a faixa seguinte.
Sem o açúcar de McCartney a cortar a acidez de Lennon, o som do disco é austero e abrasivo, como nunca os Beatles o foram. Na dylanesca “Working Class Hero” – um desabafo amargo sobre o que é crescer pobre numa sociedade classista -, essa austeridade espartana é levada ao limite: só viola, fel e voz. A delicada “Love” é a mais bonita balada ao piano de Lennon (foste, “Imagine”!), com uma progressão de acordes que nos faz cócegas na espinha. Já “Well Well Well” tem uma guitarra tão suja e sulfúrica que “Helter Skelter” parece macia ao seu lado.
Não há aqui harmonias vocais nem sofisticados arranjos, é tudo ao natural, sem corantes nem conservantes (Lennon na guitarra e no piano, Ringo na bateria e um tipo com um nome esquisito no baixo). As palavras escorrem como sangue do seu peito aberto. Só canções tão honestas sobrevivem a tanto despojamento. Um disco intemporal porque a verdade é sempre eterna.
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