terça-feira, 6 de junho de 2023

Sérgio Godinho – De Pequenino se Torce o Destino (1976)


 

O disco português mais interessante feito durante o turbulento PREC, albergando pérolas como “O Namoro” e “Os Demónios de Alcácer Quibir”.

Estamos em ’75, em pleno Verão Quente. Como já tinha sucedido com À Queima-Roupa, também De Pequenino se Torce o Destino espelha o clima revolucionário que então se vivia. Os discos de música popular portuguesa feitos no PREC costumam ser os menos interessantes, sacrificando subtilezas artísticas em nome da urgência de intervir. Cremos que não é o caso desta rodela, toda ela composta de canções memoráveis e viciantes.

É certo que os arranjos são simples, dominados pela viola, mas acontece que é Fausto o principal responsável pela direcção musical, com tudo o que isso implica de perfeccionismo e bom gosto. Fausto encontra sempre as soluções mais apropriadas para cada canção, como a flauta melancólica que abre o disco ou a delicadeza do xilofone em “O Namoro” (cuja música é, aliás, da sua autoria).

Muitas canções políticas feitas no pós-25 de Abril têm uma grandiosidade épica pomposa, para não dizer balofa. Ora, o que é interessante nos temas de intervenção deste disco é justamente o seu lado leve e despretensioso, retirando peso dramático à luta de classes. A Godinho sempre lhe interessou mais o quotidiano do que o excepcional, e De Pequenino se Torce o Destino não foge à regra: mesmo os seus chavões políticos são coloquiais, reflectindo as discussões ideológicas acesas que marcavam o quotidiano de então.

Godinho é um apaixonado pelo teatro e pelo cinema, e esse lado dramatúrgico contamina a sua música desde o seu primeiro disco. Aqui vai mais longe, reciclando duas colaborações suas para um filme de José Fonseca e Costa: “A Canção do Camolas” e “Os Demónios de Alcácer Quibir” (tema-título do filme). O olhar controverso sobre D. Sebastião, e a linguagem quase grosseira com que o ridiculariza, não pertencem ao autor mas sim à personagem que tão bem encarna: um saltimbanco rude e estroina chamado Camolas. Entretanto, o filme apagou-se da memória colectiva e só a canção que lhe deu nome perdura. As grandes canções são eternas.


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