A Rolling Stone saudou Power Up como o melhor disco do AC/DC em trinta anos. Exageros à parte ou preguiça (e desconhecimento) do autor do texto, o fato é que o décimo-sétimo álbum da banda australiana agradará sem muito esforço os fãs. E só para constar e explorar esse lance das três décadas, Stiff Upper Lip (2000) e, principalmente, Black Ice (2008), também são excelentes discos.
Power Up é uma celebração à vida tanto de Malcolm Young (creditado como co-autor de todas as músicas) quanto dos próprios fãs. O fato é que em um período tão singular como esse que estamos vivendo, onde todo o contexto que o rock carrega junto com a música e o faz ser tão legal – reunir os amigos, beber, festejar, celebrar, curtir e, com sorte, conseguir uma boa companhia para a cama – tornou-se ilegal devido à interminável pandemia, o AC/DC nunca soou tão vital e essencial para a própria vida como agora.
Muitos dos riffs presentes nas doze músicas de Power Up foram compostos durante as sessões de Black Ice, frutos de um período em que Malcolm Young acabara de descobrir os problemas de saúde que o levariam a se afastar da banda nos anos seguintes. É como se Malcolm, completamente ciente da sua situação, colocasse para fora todas as ideias que tinha em sua debilitada mente com o desejo de manter a banda de sua vida ativa e viva mesmo após a sua morte. Rock or Bust (2014) utilizou muito material de arquivo da banda, e Power Up segue essa mesma abordagem.
Porém, Power Up é mais redondo e muito mais forte que o álbum anterior. Ele remete aos primeiros anos de Brian Johnson com o AC/DC, especialmente aos três primeiros discos: o clássico Back in Black (1980), o subestimado For Those About to Rock We Salute You (1981) e o menosprezado Flick of the Switch (1983). Brian é figura chave nessa percepção. Após ser afastado da banda por problemas de saúde e ser substituído por Axl Rose durante a turnê de Rock or Bust, Johnson voltou com sangue nos olhos. Outra figura problemática do AC/DC nos anos recentes, Phil Rudd, também contribui para essa percepção. Ainda que Simon Wright e Chris Slade, seus substitutos em épocas distintas, possam até ser mais técnicos, o modo de tocar de Rudd torna o som do AC/DC único. Sua bateria é tão importante para a banda como as guitarras dos irmãos Young.
O foco do AC/DC segue sendo como sempre Angus Young, e isso se intensificou ainda mais após a morte de Malcolm. Stevie, sobrinho dos irmãos, segura as pontas com competência, enquanto Angus segue no seu papel de uma das figuras mais icônicas da história do rock e um dos guitarristas mais incendiários que o gênero já viu.
Entre as músicas destaque para a abertura com “Realize”, o refrão grudento de “Rejection”, o excelente single “Shot in the Dark”, a inovação de “Through the Mists of Time” (mais uma prova do quão preguiçosa é a afirmação de que a banda grava sempre o mesmo disco), a malandra “Demon Fire”, a malícia onipresente de “Wild Reputation”, “No Man’s Land”, “Systems Down” e “Code Red”. A produção do sempre competente Brendan O’Brien, que assinou os dois últimos álbuns, resgata esse ar nostálgico ao mesmo tempo em que consegue fazer a banda soar atual sem perder a sua essência. Trabalho de mestre!
Um ano tão complicado como 2020 precisava de um disco do AC/DC para trazer alívio e afastar, mesmo que momentaneamente, a cabeça dos fãs dos tempos tensos que estamos vivendo. E a banda, como esperado, não decepcionou. A única decepção é que Power Up não será lançado no Brasil pela Sony Music, e quem quiser o CD ou LP precisará pagar os altos valores dos itens importados, o que, como sabemos, não é algo que muitos podem fazer com a crise batendo na porta. Independente disso, o álbum está disponível nos serviços de streaming e no canal da banda no YouTube.
Sem comentários:
Enviar um comentário