No começo dos anos 1970, negros, hispânicos e gays começavam a frequentar casas noturnas de Nova York e Filadélfia para dançar ao som de funk, soul, música latina e pop. Ao invés de bandas tocando ao vivo, DJ discotecando, pondo todo mundo para dançar. Era o nascimento do que se chamaria pouco depois de disco music, até então, considerada coisa de gueto, de marginalizados. Aos poucos, a disco foi ganhando formato como gênero musical, calcado numa batida estilizada do funk, no uso de orquestrações (cordas e metais), bem como o emprego de instrumentos da música pop (guitarra, baixo, bateria e teclados), e produções de estúdio dançantes e polidas. Não demorou muito e os primeiros sucessos da disco começaram a invadir as paradas de sucesso mundiais, a conquistar o gosto do público jovem e se tornar uma ameaça ao rock.
Mas a disco music se torna um fenômeno de massa mundial e a ditar moda através do filme Saturday Night Fever (no Brasil, Os Embalos de Sábado À Noite), de John Badham, baseado no artigo “Tribal Rites Of The New Saturday Night”, do jornalista Nik Cohn para a revista “New York”, edição de 7 de junho de 1976.
"New York" de 7 de junho de 1976: edição trouxe artigo que deu origem ao filme Saturday Night Fever. |
Com um orçamento de 3,5 milhões de dólares, o filme estreou nos cinemas norte-americanos em 16 de dezembro de 1977. Em pouco tempo, o filme se tornou um fenômeno em bilheteria, faturando mais de 237 milhões de dólares, se torna um campeão em bilheteria e alça o jovem ator John Travolta ao estrelato mundial.
Na pele do protagonista Tony Manero, um jovem que trabalha numa loja de tintas e se torna o “rei” das pistas de dança nas discotecas, Travolta vira a personificação da disco music graças à sua dança e ao seu figurino. Embalando as cenas de dança do filme, a trilha sonora emplaca vários hits, boa parte deles dos Bee Gees, e vende milhões de cópias pelo mundo. Com o filme e a trilha sonora de Saturday Night Fever, a disco music sai do gueto e passa a ser um produto de consumo que sacia o prazer dos jovens e deixa a indústria do entretenimento mais milionária.
Contudo, até chegar à trilha sonora do filme, é preciso voltar no tempo, até janeiro de de 1977, quando os Bee Gees estavam na França, no Château d’Hérouville, uma charmosa mansão do século XVIII próxima a Paris, transformada em estúdio de gravação, e onde o trio finalizava a produção do álbum duplo gravado ao vivo Here At Last... Bee Gees... Live, lançado em maio daquele ano. O Château d’Hérouville foi utilizado por vários astros do rock como Elton John, David Bowie, Rick Wakeman e T.Rex, no qual gravaram alguns de seus melhores álbuns.
Após anos de ostracismo, percorrendo perdido por vários estilos, o trio havia recuperando o prestígio com os bem sucedidos álbuns Main Course (1975) e Children Of The World (1976), quando se aproximaram do R&B, da soul music e da nascente disco music. Os Bee Gees haviam modificado a sua música e se reinventado depois que Barry Gibb tornou-se o vocalista principal e passou a fazer uso do seu falsete, recurso que se tornou desde então a marca registrada do trio.
O "Rei das pistas": John Travolta como Tony Manero. |
No Château d’Hérouville, os Bee Gees recebem um telefonema de Robert Stigwood, ex-produtor deles e proprietário da RSO (Robert Stigwood Organization), empresa composta por uma gravadora, a RSO Records, uma empresa cinematográfica e uma agência que gerenciava a carreira de astros da música pop. Stigwood estava envolvido com a produção de um filme baseado no crescente modismo das discotecas, Saturday Night Fever , do diretor John Badham, e havia ligado para os Bee Gees encomendando algumas músicas para a trilha sonora do filme. Atendendo ao pedido de Stigwood, o trio compôs e gravou, no Château d’Hérouville, na França, sete músicas especialmente para o filme, mas apenas quatro foram usadas no longa metragem: “Stayin' Alive”, “How Deep Is Your Love”, “Night Fever” e “More Than A Woman”. As outras três “(Our Love) Don't Throw It All Away”, “If I Can't Have You” (versão dos Bee Gees) e “Warm Ride” não foram utilizadas no filme e ficaram de fora do álbum da trilha sonora.
Bee Gees: do ostracismo à consagração com a febre disco. |
Além das músicas produzidas especialmente para o filme, os Bee Gees tiveram duas músicas de álbuns anteriores que já haviam feito sucesso antes, mas foram incluídas na trilha sonora do filme, como “Jive Talkin’”, do álbum Main Course, e “You Should Be Dancing”, do álbum Children Of The World.
Contando com 17 faixas, a trilha sonora Saturday Night Fever foi lançada como álbum duplo, trazendo além de Bee Gees, músicas de artistas que já haviam sido lançadas nos anos anteriores e até frequentado as paradas de sucesso.
O lado A do disco 1 começa com uma sequência de músicas gravadas pelos Bee Gees por encomenda de Robert Stigwood especialmente para o filme. A primeira delas é “Stayin' Alive”, que se tornou um clássico da disco music. É também “Stayin' Alive” que abre o filme servindo de pano de fundo para Tony Manero (John Travolta) caminhar pelas ruas de Nova York com passos no ritmo da música. “How Deep Is Your Love” vem em seguida, revelando a capacidade dos Bee Gees em fazer canções românticas certeiras. A temperatura sobe novamente com “Night Fever”, onde os Bee Gees cantam os prazeres e a liberdade de dançar à noite numa discoteca. “More Than A Woman” combina o romantismo de uma canção de amor com o ritmo dançante da disco music. No filme, Tony Manero (Travolta) e Stephanie Manjano (Karen Lynn Gorney) participam de um concurso de dança numa discoteca, e dançam ao som de “More Than A Woman” de uma maneira apaixonante mostrando que a disco music tem a sua porção romântica. Fechando o lado A, "If I Can't Have You" na voz da havaiana Yvonne Elliman; apesar da autoria e de terem gravado também a música para o filme, a versão dos Bee Gees não foi aprovada para entra na trilha sonora.
Walter Murphy: Beethoven em ritmo disco. |
Abrindo o lado B, “A Fifth Of Beethoven”, com Walter Murphy, uma adaptação disco da “Sinfonia N.º 5 Em Dó Menor Op. 67”, de Ludwig van Beethoven (1770-1827). Tornou-se uma prática comum nos anos 1970, as gravadoras lançarem versões em ritmo disco de composições do repertório de música erudita, embora boa parte dessas adaptações fossem pavorosas. Não havia limites para as gravadoras quando o assunto era lucrar em cima da onda disco. “More Than A Woman” aparece novamente no álbum, desta vez numa versão disco feita pela banda Tavares. “Manhattan Skyline”, do compositor, arranjador e produtor David Shire, é uma faixa instrumental que combina orquestração com instrumentos de música pop (baixo, guitarra, bateria e teclados), e que consegue transmitir a atmosfera cosmopolita e glamorosa da Nova York da Era Disco. Ralph MacDonald fecha o lado B com “Calypso Breakdown”, faixa instrumental carregada de latinidade e que ressalta como a disco music era aberta para outras referências musicais. A faixa traz também elementos jazzísticos e uma percussão hipnótica sobre uma bateria disco.
O segundo disco começa com “Night On Disco Mountain” abrindo o lado C, é mais uma adaptação de uma peça musical erudita para a disco music. A faixa é baseada em “Uma Noite No Monte Calvo”, do compositor russo Modest Mussorgsky (1839-1881), composta em 1867. Assim como em “Manhattan Skyline”, David Shire emprega em “Night On Disco Mountain” orquestração com uma banda pop. “Open Sesame”, do Kool & The Gang, é um funk disco poderoso, com um naipe de metais incrível. Os Bee Gees aparecem novamente no álbum com “Jive Talkin’”, música que não toca no filme, mas foi incluída no álbum da trilha sonora. Em seguida, o “arrasa-quarteirão” “You Should Be Dancing”, também com os Bee Gees, possui um baixo pontuado e o falsete marcante de Barry Gibb. Encerrando o lado C, “Boogie Shoes”, da KC & The Sunshine Band, música lançada em 1975 pela banda norte-americana, que já possuía vários hits no currículo e com a fama consolidada como um dos principais nomes da disco music.
KC & The Sunshine Band: participação discreta na trilha sonora do filme. |
A fusão da música latina com disco music se faz presente mais uma vez na instrumental “Salsation”, com David Shire, que abre o lado D do álbum duplo, trazendo um charmoso naipe de metais. Teclados e percussão fazem uma deliciosa introdução em “K-Jee”, do conglomerado musical MFSB. A bateria disco forte e bem marcada e os metais dão um brilho em todo o resto desta incrível faixa instrumental.
Fechando com o chave de ouro o álbum duplo, “Disco Inferno”, da banda The Trammps, que igualmente ao MFSB, é um dos principais nomes do chamado Philladelphia Sound (Som da Filadélfia), também conhecida como Philadelphia Soul (Soul da Filadélfia), movimento musical da Filadélfia que ajudou a dar forma à sonoridade da disco music em meados dos anos 1970. Extraída do álbum homônimo, lançado em 1976, “Disco Inferno” é uma das faixas mais fortes da trilha sonora, graças ao baixo pontuado, à bateria bem marcada de Earl Young, e à voz “rasgada” de Jimmy Ellis, tudo isso desfilando sobre pouco mais de 10 minutos de um funk disco demolidor.
The Trammps: incendiando as pistas das discotecas com "Disco Inferno". |
Lançado em 15 de novembro de 1977, a trilha sonora Saturday Night Fever chegou às lojas um mês antes do filme estrear nos cinemas. Juntamente com o filme, o álbum duplo ajudou a disseminar a disco music em escala planetária, transformando-a num fenômeno comportamental e numa máquina lucrativa para a indústria fonográfica.
John Travolta e Karen Lynn Gorney. |
Saturday Night Fever vendeu mais de 15 milhões de cópias só nos Estados Unidos, ficando 24 semanas em 1º lugar na Billboard, entre janeiro e julho de 1978 . Até março de 1980, a trilha sonora permaneceu 120 semanas da mesma Billboard. No Reino Unido ficou 18 semanas em 1º lugar. O single de “How Deep Is Your Love” ficou em 1º lugar na parada de singles pop. “Night Fever” também conquistou 1º lugar na parada de singles pop, e o 8º lugar na de singles de R&B. Ivonne Elliman emplacou a sua versão de “"If I Can't Have You” em 1º lugar na parada de singles pop. O single de “Stayin' Alive” chegou ao 1º lugar na parada de singles pop e 4º lugar na de singles de R&B).
Em todo o mundo, a trilha sonora Saturday Night Fever vendeu mais 40 milhões de cópias, permanecendo por muitos anos como a trilha sonora mais vendida em todos os tempos até ser superada pela trilha sonora do filme “O Guarda-costas”, em 1992.
Além dos recordes batidos em vendas, a trilha sonora Saturday Night Fever conquistou várias premiações, como um prêmio Grammy em 1978, de “Melhor Performance Vocal Pop por Grupo” por “How Deep Is Your Love”. Em 1979, levou quatro prêmios Grammy “Melhor Performance Vocal Pop por Duo ou Grupo” pelo álbum da trilha sonora, “Álbum do Ano”, “Melhor Arranjo Vocal” por “Stayin' Alive” e “Produtor do Ano”. Em 2012, foi classificado pela revista Rolling Stone em 132º lugar na sua lista de 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos.
Faixas
Lado A
1."Stayin' Alive" (Barry Gibb, Robin Gibb & Maurice Gibb), Bee Gees
2."How Deep Is Your Love?" (Barry Gibb, Robin Gibb & Maurice Gibb), Bee Gees
3."Night Fever" (Barry Gibb, Robin Gibb & Maurice Gibb), Bee Gees
4."More than a Woman" (Barry Gibb, Robin Gibb & Maurice Gibb), Bee Gees
5."If I Can't Have You" (Barry Gibb, Robin Gibb & Maurice Gibb), Yvonne Elliman
Lado B
6."A Fifth of Beethoven" (baseado na 5ª Sinfonia de Beethoven) (Ludwig van Beethoven - Walter Murphy), Walter Murphy
7."More Than a Woman"(Barry Gibb, Robin Gibb & Maurice Gibb), Tavares
8."Manhattan Skyline" (David Shire), David Shire
9."Calypso Breakdown" (William Eaton), Ralph MacDonald
Lado C
10."Night On Disco Mountain" ( Modest Mussorgsky ), David Shire
11."Open Sesame" (Robert Bell), Kool & the Gang
12."Jive Talkin' " (Barry Gibb, Robin Gibb & Maurice Gibb), Bee Gees
13."You Should Be Dancing" (Barry Gibb, Robin Gibb & Maurice Gibb), Bee Gees
14."Boogie Shoes" (Harry Wayne Casey & Richard Finch), KC and the Sunshine Band
Lado D
15."Salsation" (David Shire), David Shire
16."K-Jee" (Charlie Hearndon & Harvey Fuqua), MFSB
17."Disco Inferno" (Leroy Green & Ron Kersey), The Trammps
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