sábado, 29 de julho de 2023

Depeche Mode – Violator (1990)

 

Electrónicas frias e guitarras orgânicas. Gelado de limão com chocolate quente…

synthpop dos Depeche Mode nasceu frívola e açucarada (1981-1982), passou por uma fase industrial-ó-esquisita (1983-1984), fixando-se, a partir de ’86, na estética gótica e grandiosa que nos é tão familiar. Encontrado o seu habitat natural, estão prontos para pôr em acção o seu plano diabólico: conquistar os maiores estádios do mundo com a sua arrebatada escuridão.

A melancolia, porém, é como outra coisa qualquer: aprimora-se. Se Black Celebration e Music For the Masses tinham sempre uma canção ou outra menos merecedora dos seus singles demolidores, Violator é filé mignon do primeiro ao último tema, a sua incontestável obra-prima.

Violator marca também o abandono de dogmas parvos, como a aversão a instrumentos naturais, ou a obrigação de usar sempre novas texturas nos sintetizadores, só porque sim. Até que um novo produtor (o credenciado Flood) consegue demovê-los destas inúteis superstições. Foi assim que apareceu o riff bluesy de “Personal Jesus”, a primeira vez em que uma canção dos Depeche é dominada por um riff de guitarra. Essa mistura de elementos electrónicos e frios com outros orgânicos e quentes é um dos segredos da magia de Violator. A cereja em cima do bolo assoma nos vídeos film noir de Anton Corjbin, escorrendo América profunda e mitológica pelo seu bonito granulado a preto e branco.

Se a última digressão na América já tinha sido um sucesso, estes pozinhos vindos do sul profundo escancaram as portas que haviam ficado por abrir. Dada a aversão dos americanos por sintetizadores (“mariquices de europeus efeminados”), esta conquista é um feito extraordinário, explicável, em larga medida, pelas suas vibrantes actuações por todo o país. O carisma de Dave Gahn em palco, sensual e enérgico como um Mick Jagger pós-gótico, despertou muita fé e devoção.

Estamos em 1990, o que também ajuda a compreender o fenómeno. Um ano antes de Nevermind acontecer já se pressentia qualquer coisa no ar, uma difusa rejeição do mainstream balofo, uma sede indefinida por estéticas mais autênticas. O sucesso, no virar da década, de bandas como os Depeche e os Cure fora o prenúncio da revolução a chegar.

Mas deixemo-nos da nossa sociologia de pacotilha. Há uma razão bem mais prosaica para o êxito dos Depeche: a grandeza das suas canções. Veja-se o caso de “Enjoy the Silence”, uma das melodias pop mais bonitas de sempre, que nos deslumbra com a sua glória quase mística. Como Martin Gore consegue escrever canções tão memoráveis com acordes tão dissonantes é coisa que não sabemos explicar. Nos temas de imaginário mais perverso, onde o depravado e o religioso se encontram, mais inesperada ainda é a popularidade que despertam.

Uma ressalva, porém: há Depeche para lá de Martin Gore. Os seus melhores discos sempre decorreram de uma cuidadosa divisão de tarefas: Gore escreve as canções, Alan Wilder expande-as com os seus elegantes arranjos, Dave Gahn sopra-lhes sentimento, Andrew Fletcher serve os cafés…

Contrariamente aos hipsters de todo o mundo, que exibem os seus gostos selectos como medalhas ao peito, nós regozijamo-nos sempre que a boa música alternativa se infiltra pelas massas adentro. Obrigado por tudo, Depeche. Entrismo a entrismo, o mundo será um dia nosso.



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