Em dezembro de 1975, Elis Regina (1945-1982), estreava no Teatro Bandeirantes, em São Paulo, o espetáculo “Falso Brilhante”. Com direção de Míriam Muniz, o espetáculo contava um pouco da trajetória de Elis, desde o começo, ainda criança cantando em programas de rádio em Porto Alegre até o estrelato como cantora, no Sudeste do país, na juventude. Combinando música, teatro e circo, o espetáculo ficou em cartaz por mais seis meses em São Paulo, onde foi sucesso de público e de crítica. Toda a narrativa era contada de maneira muito lúdica.
O repertório do espetáculo era um misto de canções folclóricas com e músicas de compositores consagrados. Elis cantava, representava, trocava de figurino. Na banda, todos os músicos se fantasiavam, representavam um personagem. Seu então marido, o tecladista César Camargo Mariano, era o “Palhaço”; Natan Marques (guitarra rítmica) era o “Espantalho”; Crispim Del Cistia (guitarra solo) era o Super Crispim; Wilson Gomes (baixista) era “Drácula”; e Realcino Lima Filho, o Nenê (baterista) era o “Cowboy”.
O sucesso do espetáculo em tão pouco tempo, motivou Elis a entrar em um novo projeto: gravar um disco baseado no espetáculo “Falso Brilhante”. Em janeiro de 1976, Elis e sua banda entraram em estúdio para gravar Falso Brilhante, o álbum. Para compor o repertório do álbum, ela selecionou dez das pouco mais de quarenta músicas do espetáculo que deu nome ao disco. O processo de gravação de todas as dez faixas foi rápido, apenas dois dias.
Logo após o carnaval, no começo de março de 1976, Falso Brilhante chegou às lojas. Mas ao contrário do espetáculo, a crítica não reagiu bem ao álbum. Se com o espetáculo, a crítica foi totalmente elogiosa, com o álbum, ela se mostrou um tanto quanto cética e fria. Provavelmente, a crítica ainda estiva impactada com a força cênica e plástica do espetáculo. Ainda que baseado no espetáculo, o álbum foi gravado em estúdio, e talvez aí explique a reação fria da crítica. Uma gravação ao vivo, captando o clima e a energia do palco, talvez provocasse uma reação mais positiva da crítica.
Falso Brilhante, o álbum, faz uma mescla de compositores consagrados com jovens talentos, até então pouco conhecidos. Elis tinha um faro apurado para descobrir novos compositores, e talvez a sua principal descoberta tenha sido Belchior, que até então só tinha três discos gravados, mas sem grande repercussão. As duas primeiras faixas do álbum são dele, respectivamente “Como Nossos Pais” e “Velha Roupa Colorida”, dois rocks com direito a guitarra elétrica, justamente o instrumento contra o qual, oito anos antes, Elis liderou um fervoroso protesto ao lado de outros compositores da extrema esquerda da MPB.
Em “Como Nossos Pais”, cuja letra é uma crítica ao conformismo e a inércia de uma geração, Elis faz uma interpretação arrasadora e emocionante. “Velha Roupa Colorida” é uma espécie de continuação da faixa anterior, destacando a necessidade de estarmos atentos ao novo. A milonga “Los Hermanos”, do argentino Atahualpa Yupanqui (1908-1992), fala da união entre os povos latino-americanos e da liberdade, em pleno momento em que regimes autoritários dominavam a América Latina. "Um Por Todos", de João Bosco e Aldir Blanc, se mostra uma crítica velada à ditadura militar. Fechando o lado 1 do disco, “Fascinação”, versão em português da valsa francesa “Fascination”, de F. D. Marchetti e Maurice de Féraudy, já havia sido um sucesso aqui no Brasil na voz de Carlos Galhardo, em 1950, volta a ganhar o grande público com Elis, chegando a entrar na trilha sonora da novela “O Casarão”, da Globo, naquele ano de 1976.
O lado 2 do álbum começa com “Jardim de Infância”, de João Bosco e Aldir Blanc, que aborda o medo e a violência por trás de algumas brincadeiras infantis. De Thomas Roth, outro jovem compositor descoberto por Elis, “Quero” é uma folk music bucólica seguindo a mesma filosofia “bicho-grilo” de “Casa do Campo” gravada pela mesma Elis em 1970. O sentimento latino-americano volta com a guarânia “Gracias A La Vida", da chilena Violeta Parra (1917-1967). Se por um lado “O Cavaleiro E Os Moinhos”, de João Bosco e Aldir Blanc, remete a Dom Quixote, ao mesmo tempo, seus versos parecem endereçados ao momento político em que vivia o país (“Acreditar na existência dourada do sol / mesmo que em plena boca / nos bata o açoite contínuo da noite”). O álbum se encerra com o romantismo intenso de “Tatuagem”, de Chico Buarque.
Se a crítica recebeu Falso Brilhante com indiferença, a reação do público foi completamente oposta. O espetáculo “Falso Brilhante” rodou o país com mais de 300 apresentações e se estendeu até fevereiro de 1977, o que contribui para impulsionar as vendas do disco. “Como Nossos Pais” foi o grande hit do álbum e fez Belchior ser descoberto pelo grande público. O sucesso da canção garantiu a ele um contrato com a Philips/Phonogram, e naquele mesmo ano de 1976, Belchior lançou pela gravadora o antológico Alucinação, que foi um dos grandes discos brasileiros daquele ano. De certa maneira, Falso Brilhante possibilitou a vinda ao mundo de Alucinação.
Embora o álbum Falso Brilhante tenha sido recebido friamente pela crítica na época de seu lançamento, sua reputação foi crescendo ao longo do tempo, principalmente após a morte de Elis Regina, em 1982. Hoje, o álbum é considerado um clássico da MPB, e sempre é associado ao espetáculo que deu origem. A edição brasileira da revista “Rolling Stone” colocou Falso Brilhante em 36º na lista dos “100 Maiores Discos da Música Brasileira”. Nada como o tempo para curar e rever conceitos.
Faixas:
- "Como Nossos Pais" (Belchior)
- "Velha Roupa Colorida" (Belchior)
- "Los Hermanos" (Atahualpa Yupanqui)
- "Um por Todos" (João Bosco - Aldir Blanc)
- "Fascinação (Fascination)" (F. D. Marchetti / Maurice de Féraudy, versão em português: Armando Louzada)
- "Jardins de Infância" (João Bosco - Aldir Blanc)
- "Quero" (Thomas Roth)
- "Gracias A La Vida" (Violeta Parra)
- "O Cavaleiro E Os Moinhos" (João Bosco - Aldir Blanc)
- "Tatuagem" (Chico Buarque - Ruy Guerra)
Sem comentários:
Enviar um comentário