Depois de homenagear Judy Garland, de gravar óperas, musicar textos de Shakespeare e de um disco a lembrar a soul e o gospel dos anos 1970, Rufus Wainwright volta a jogar em casa: Unfollow the Rules, o novo trabalho, vê o canadiano regressar às canções pop escritas para guitarra e piano, ainda que aqui e ali com mais músculo. É um belo disco e já tínhamos saudades deste Rufus.
Out of the Game, de 2012, estava longe de ser um mau disco, e foi o registo que marcou o encanto de Rufus pela Broadway e por ambientes mais gospel; o negro All Days Are Nights: Songs for Lulu, editado um par de anos antes, feito de piano, voz e dor, era também um bom álbum, embora de difícil digestão; assumindo que as óperas recentes e as músicas para sonetos de Shakespeare são todo um campeonato à parte, é de 2007 o último grande compêndio de cantigas pop do canadiano – Release the Stars foi então o quinto de originais e já trazia em cima a responsabilidade de não defraudar os muitos fãs do canadiano.
Eis-nos em 2020 e Rufus volta a jogar em casa. A sequência inicial é perto de perfeita: “Trouble in Paradise”, “Damsel in Distress” e o tema-título são quase a comida da mãe, o regresso ao restaurante de família, à praia da infância – é Rufus em ponto de rebuçado, perto dos 50 anos de idade mas a recuperar elementos cançonetistas dos primeiros anos de carreira.
A voz, ainda e sempre a voz. Rufus canta a sua vida, sem receios, mostra-nos como é um dia junto do seu marido (“Peaceful Afternoon”), fala da filha “(“My Little You”) e continua a jogar na imprevisibilidade rítmica: há canções que vão acima, depois são atiradas cá para baixo, e pelo meio dão mais um par de voltas até chegarem ao inevitável clímax quase sempre potenciado pela voz única de Wainwright.
Não há muitas surpresas, é certo. “This One’s for the Ladies (That Lunge)” é talvez a canção mais inesperada, com alguma eletrónica ao barulho mas ainda assim pertinente no contexto. O resto é quase tudo mais do mesmo (elogio!), como se o tempo tivesse parado em 2007, antes de algumas opções de carreira mais discutíveis do músico.
Rufus tem uma escrita muito própria, uma voz singular, uma carreira invejável, ampla e elegante. Com mais de dez discos editados, a sua obra-prima continua a ser Poses, de 2001, o segundo de originais. Unfollow the Rules é uma digníssima coleção de canções que não devem dar para o Panteão, é certo, mas que só trarão alegrias aos fãs. A pergunta do milhão de dólares é se voltará Rufus a gravar um disco tão impactante e imaculado como Poses – a resposta é incerta. Mas, a avaliar pelas novas canções, tal já esteve mais longe de acontecer.
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