Sexo, drogas e vazio espiritual…
Dizem os entendidos que a Britpop morreu em 1997, quando os Blur assumiram o seu amor blasfemo pelo indie americano e os Oasis se tornaram uma pálida caricatura de si próprios. Mas só no ano seguinte é que o movimento foi enterrado com a dignidade que merecia. This is Hardcore, dos Pulp, é o requiem que faltava, a pista vazia depois da festa, quando já só sobra chão peganhento e desilusão.
Onde Different Class era orelhudo e dançável (disco sound para indies que odeiam disco sound), This Is Hardcore é sombrio e anti-pop, glam na sua decadência exuberante, gótico no seu desespero fim-de-século. Imaginem a orgia romana com os seios mais flácidos, ou o mais sórdido dos cabarets de Weimar, onde a vertigem dos sentidos tenta em vão preencher o vazio espiritual, e sentirão na boca o fel deste disco.
Não podíamos estar mais longe, portanto, da divertida luta de classes de “Common People”. Nos álbuns anteriores, a empatia de Jarvis com os inadequados, a minúcia na descrição dos seus hilariantes fetiches, e a faculdade de encontrar grandeza no mais pequeno quotidiano, faziam-nos acreditar outra vez na humanidade. Agora, neste disco introspectivo e paranóico, é como se o mundo exterior nem sequer existisse, quanto mais a possibilidade de redenção.
Cuidado com o que desejas, parece advertir este álbum a cada instante. Jarvis sonhou a vida inteira em ser uma estrela pop e quando finalmente o conseguiu sentiu-se miserável. Se o subtexto fosse apenas “oh, que suplício o meu! a fama! o dinheiro! as gajas! a coca!”, mandaríamos as suas angústias de ricalhaço para o jetset que o pariu. Mas há algo de mais profundo com o qual nos conseguimos identificar: um homem de meia-idade sentindo-se perdido, confrontando-se com o tempo que lhe resta. This Is Hardcore está pejado deste sentido de declínio e de mortalidade e é daí que provém todo o seu poder de comoção.
As pinceladas kitsch de outrora (estranha mistura de indie rock gourmet com o mais manhoso euro-disco) não seriam apropriadas a temas tão solenes. Com excepção do glam à Spiders from Mars, que garante a continuidade estética com os discos anteriores, novas referências são agora convocadas: The Wall dos Floyd, Berlin de Lou Reed e a pompa negra e orquestral de Scott Walker.
Quanto às palavras de Jarvis, podem agora expressar estados de alma em vez de contar histórias, mas o humor e a inteligência são os de sempre. Preferimos mil vezes a sua escrita límpida-e-pop-como-um-soco-no-estômago aos floreados poéticos dos brinca-na-areia. Quando Jarvis nos quis dizer a que sabia o novo disco bastou falar-nos de filmes porno em quartos de hotel e sentimos-lhe logo o travo amargoso a solidão. Os maiores são assim, capazes de captar em palavras simples as coisas complicadas da vida. E o maior entre os maiores será sempre aquele que não é Cristo mas tem as mesmas iniciais. Santificado seja o nome de J.C..
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