No próximo dia 26 de janeiro, um dos maiores nomes do rock gaúcho, e por que não nacional, estaria completando 50 anos. Trata-se de Flávio Basso, ou Júpiter Maçã, como ficou conhecido nos anos 90. Baixista de mão cheia, vocalista de entrega com performances de palco malucas, e um letrista incrível, Júpiter é uma referência no rock gaúcho, ao lado de nomes como Wander Wildner, Humberto Gessinger e Thedy Corrêa. Combinando com isso, o mês de janeiro é aquele onde a maioria dos jovens adolescentes curte uma praia (veraneia, como se diz por aqui). Na minha infância/adolescência, as músicas de um dos grupos que Fábio ajudou a criar tocavam direto lá em casa.
Fundado em 1984 por Flávio Basso (guitarra, vocais), Charles Master (guitarra, vocais), Márcio Petracco (baixo, vocais) e Alexandre Birck (bateria), o grupo logo em seguida ganhou a adição do guitarrista Nei Van Soria. Como quinteto, duraram pouco, pois Márcio pulou da barca, e Flávio assumiu o baixo. Nascia assim a formação que grava duas faixas para a coletânea Rock Grande do Sul (1986), as quais são “Estou na mão” e “Entra nessa”, os únicos registros do TNT com Flávio, que saiu da banda logo em seguida, junto com Nei Van Soria, para formar Os Cascasvelletes (que também merecem uma Discografia Comentada). Com Márcio “Petralha” Petracco de volta, e Luis Henrique “Tchê” Gomes nas guitarras, além de Master e Felipe Jotz na bateria, surge o primeiro disco da banda.Quatro álbuns, dois deles clássicos fundamentais nos botecos, praças e esquinas do Rio Grande do Sul, e muitas músicas para serem tocadas em luaus Brasil à fora, com o refrão na ponta da língua e a alegria de uma das grandes bandas de rock do nosso país.
Sendo assim, aproveito a nostalgia e a data para homenagear tanto a Flávio/Júpiter quanto o seu primeiro grande grupo, TNT. Ok, os mais xiitas irão dizer: “Mas bah, se não fosse o Charles Master, nunca haveria tido TNT” e “O Júpiter nunca gravou um disco completo com o TNT“, mas isso é o de menos.
TNT [1987]
A estreia full lenght dos “beatles dos pampas” é uma aula de rock ‘n’ roll para se dançar nas festas e bares durante toda a vida. Com inspirações nos primórdios do rock (anos 50 e 60 principalmente), pitadas de blues, letras de duplo sentido e muito feeling, aqui temos clássicos eternos do BRock. As letras falando sobre sexo, curtição, bebidas e tudo o mais que a vida desregrada de um jovem roqueiro pode ter, obviamente simbolizaram aos jovens daquela geração uma forma de se expressar. De cara, dois grandes clássicos, “Ana Banana” e “Cachorro Louco”, até hoje hinos no rock gaúcho. Do mesmo porte, estão “Entra Nessa” e “Identidade Zero”, rockabillies sensacionais, com letras engraçadíssimas, “Febem”, com um piano estonteante, a baladinha “Me Dá O Cigarro”, e a linda rock ballad “Oh Deby”, que criaram uma nova definição para a turma do Bonfim (tradicional bairro boêmio de Porto Alegre), que curtia os fins de semana na Redenção: a “chinelagem”. Dance ao som de “Desse Jeito” e “Liga Essa Bomba”, vibre com a gaitinha de boca de “Estou na Mão”, enlouqueça com “Ratiação” e grite com força para sua ex o título de “Não Quero Mais Te Ver”. Disco seminal na história do rock nacional, no qual todas as canções são composições de Flávio e Charles. A capa é inspirada em Power, Corruption & Lies, lançado pelo New Order em 1983, apesar de o som ser totalmente distinto. O desafio para o segundo disco, sem Flávio para auxiliar, foi grande. Mas os guris conseguiram superar o mesmo no ano seguinte.
TNT II [1988]
A parceria “Tchê” Gomes e Charles Master apresenta um som mais maduro em relação ao álbum anterior. Logo na primeira faixa, “Não Vai Mais Sorrir (Pra Mim)”, com a participação especial de Lulu Santos, podemos ver que o grupo está afim de crescer, com a inclusão do slide guitar em evidência. O slide também surge no leve country “Ela Me Deu O Bolo”. Outro ponto que chama a atenção nesse crescimento são os solos de guitarra, que ficaram mais elaborados e profissionais, vide “Baby (Eu Vou Morar N´outro Planeta)”, essa inclusive com um pequeno solo de bateria, “Dentro Do Meu Carro”, com o wah-wah comendo solto, e “Muito Cuidado”. O baixo de Master é uma das grandes atrações, com “Gata Maluca” e a ótima “Tempo No Inferno” sendo exemplos de como colocar o baixo na cara do ouvinte, sem extrapolar. Sem dúvidas, é uma marca registrada no som do TNT, assim como seu vocal escrachado. Das lembranças do primeiro álbum, temos o rock “Charles Master”, destacando o piano e as vocalizações femininas, e o jazz rock “Veja Amor”. Os grandes sucessos de TNT II ficaram para o rockabilly “Alazão”, com sua letra engraçada pacas, a balada “Irmã do Dr. Robert”, que inclusive levaram-os a apresentarem-se no programa global Globo de Ouro, e o mega-sucesso dos pampas “Não Sei”, inspirada nos riffs de “Sweet Jane” (Velvet Underground) e única composição do quarteto em conjunto, a qual é cantada até hoje nas diversas festas realizadas por jovens, adolescentes e adultos que viveram o final dos anos 80 no Rio Grande do Sul. Tão fundamental quanto TNT, TNT II é o álbum de maior sucesso dos gaúchos.
Noite Vem, Noite Vai [1991]
Depois de algumas brigas internas. uma reformulação na formação, com a saída de Felipe e a entrada de Paulo Arcari, uma breve pausa para se recuperar do estrondoso sucesso dos dois primeiros discos é necessária. O TNT volta à ativa em 1990, agora como um quinteto, tendo João Maldonado nos teclados. Assim, lançam Noite Vem, Noite Vai, em 1991. Com letras mais reflexivas, sem a alegria infantil de TNT e TNT II, temos aqui uma visão forte do pop que Master desejava seguir dali em diante. Faixas como “Amigo Meu”, o blues da faixa-título, “Paz no Seu Coração” e “Quem Procura Acha”, a primeira com um belo solo de slide, e as duas últimas com a participação destacada do órgão hammond de Maldonando, fogem do padrão de dois/três minutos que tínhamos até então, mas são boas canções. Curto mesmo o embalo setentista de “Daqui Pra Frente”, o solo de guitarra em “Não Tenho Medo Da Vida”, e o ritmo roqueiro de “Vacilou”, uma das raras lembranças do passado festivo do TNT. A banda conseguiu emplacar mais um grande sucesso nas rádios gaúchas, a bela “Nunca Mais Voltar”, com o riff sensacional do slide de Marcio, e o sensacional blues “Deus Quis”, faixa que considero a melhor de Noite Vem, Noite Vai. Por outro lado, “Estou Louco Por Você” parece saída de ensaios de alguma banda obscura do BRock oitentista, e não faria falta no track list final. Trocando em miúdos, é um álbum aquém de seus antecessores, mas ainda assim, importante para a geração roqueira do sul do país.
Em 1992, “Tchê” deixa o TNT. Na mesma época, Flávio sai dos Cascavelletes e volta para o seu grupo de origem, mas infelizmente, a tentativa de reviver os primórdios do TNT é frustrada devido a brigas e divergências musicais. Ficou como registro o single “Você Me Deixa Insano”/”Tá Na Lona”, sendo a primeira incluída também na coletânea As 15 mais da Ipanema, da rádio Ipanema de Porto Alegre, e que tornou-se outro pequeno sucesso do TNT no sul. A banda encerra as atividades em 1994, com Charles e Flávio, agora rebatizado de Júpiter Maçã, seguindo em carreira solo, enquanto Marcio fundou o Cowboys Espirituais, ao lado de outros grandes nomes do rock gaúcho (Frank Jorge e Julio Reny), e Luiz Henrique seguiu tocando em diversas bandas de Porto Alegre e região. Em 1999, é lançada a coletânea Hot 20, com 20 canções do grupo e que apresentou-os para a geração dos anos 90.
Em 2002, o TNT voltou a fazer shows em Porto Alegre, tendo na formação Charles, Luiz Henrique, Márcio e Fábio Ly na bateria. Esses shows culminaram com o CD e DVD Ao Vivo (2004), gravado no bar Electric Circus, em Portão, Rio Grande do Sul, no dia 13 de setembro de 2003, e com a participação de Luciano Albo (violão de 12 cordas, vocais), Alexandre Papel Loureiro (percussão, backing vocals), Roberto Scopel (trompete) e Carlos Mallman: (trombone). Na sequência, Marcio sai da banda, e como um trio, mais um novo álbum de estúdio do TNT vem em 2005.
Um Por Todos Ou Todos Por Um [2005]
O derradeiro disco do TNT é uma tentativa interessante de reviver o passado. Há a participação de Henrique Portugal nos teclados de “Contigo”, “Bicho Esquisito” e “Mais Menos”. Logo no início, as vocalizações e o riff de “Por Enquanto” nos remetem ao primeiro álbum. Gosto do blues arrastado de “Mais Menos”, e de “Ao Redor”, “Contigo” e a bela “O Quanto Antes”, as duas últimas com a participação de Luciano Albo no baixo, pela pegada mais oitentista e as letras de amor que fazem sentido para os já adultos “guris do TNT”, do suingue de “Bicho Esquisito” e do slide no rockabilly “Se Quer Saber”. No mais, o som é um tanto cru, faltando uma produção mais rica. Isso pode ser percebido seja nas canções já citadas, e em faixas como “Quando A Noite Vem”, “Ondas Legais” e a regravação de “Tá Na Lona” , que apesar de serem legais para curtir, faltam de um certo “tempero” para vingar no paladar do ouvinte, como se tudo tivesse sido gravado em um estúdio caseiro. “Ondas Legais” inclusive tocou um pouco nas rádios, mas não deu certo. “A Chuva”, “Histórias Felizes” e “Juro Que Não”, apesar da boa participação da guitarra de “Tchê” Gomes, não são das mais agradáveis. Ao encerrar a audição de Um Por Todos Ou Todos Por Um, fica uma sensação de que o TNT viajava nas ondas de outros nomes em voga no rock gaúcho da época, como Bidê O Balde, Acústicos e Valvulados ou Cachorro Grande. É um disco interessante, que fecha com dignidade uma carreira brilhante e meteórica.
Em 2012, Charles, Luis Henrique e João Maldonado, juntos de Régis Sam (baixo) e Bruno Suman (bateria e percussão) gravaram a faixa “Do Teu Sorriso Vou Lembrar, Porto Alegre”. A expectativa de que o TNT fosse voltar não ficou além disso. Charles Master ainda faz shows pelo Rio Grande do Sul. Márcio Petralha e “Tchê” Gomes são músicos em Porto Alegre, e Flávio “Júpiter Maçã”Basso foi viver em outra galáxia espiritual em dezembro de 2015.
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