Parece impossível mas é verdade: a obra prima de D’Angelo tem já vinte anos e não perdeu nenhuma da sua frescura.

Poucos artistas gozarão da influência que D’Angelo teve na música contemporânea com tão pouco material para mostrar. Ao longo de uma carreira de quase trinta anos, o Black Messiah lançou apenas três discos e Voodoo, lançado há vinte, é a jóia da coroa. Ao longo das sessões que originaram o disco, nomes como Erykah Badu, que gravava o seu próprio Mama’s Gun, Lauryn Hill, Q-Tip, J Dilla e Questlove (que dividia o seu tempo entre D’Angelo e os The Roots), foram deixando um bocadinho da sua magia que nem sempre era creditada ou gravada.

É curioso que, no meio de tantas canções tão boas, a memória mais duradoura de Voodoo seja a sua atmosfera, muita dela graças J Dilla. As vinhetas sonoras, como a que começa “Playa Playa” e as performances desajeitadas e descontraídas, foram sugeridas pelo produtor de Detroit, ideias que complementavam a visão de D’Angelo de fazer um álbum com uma sonoridade orgânica e analógica. Para isso nos estúdios Electric Lady, construídos por Jimi Hendrix e onde Stevie Wonder gravou alguns dos seus discos mais emblemáticos.

E as canções? “Send It On”, dedicada ao seu recém-nascido filho, foi a primeira música feita para o álbum e nela ouvem-se as harmonias precisas, a guitarra viscosa e funky simultaneamente, a bateria recatada mas assertiva de Questlove que, segundo D’Angelo foi o co-piloto do projeto. O cover de “Feel Like Makin’ Love” de Roberta Flack é um exercício de contenção, desenvolvendo-se lentamente ao longo dos seus seis minutos sem nunca explodir, uma masterclass de atmosfera. “Untitled (How Does It Feel)” é um crescendo de emoção, culminando num clímax que gerou ondas de controvérsia quando este foi representado no famoso teledisco.

Foi uma estrela que brilhou intensamente antes de se eclipsar. Depois da digressão de promoção de Voodoo, D’Angelo tornar-se-ia um recluso durante mais de dez anos, período no qual o seu estatuto mitológico aumentou exponencialmente até ao lançamento de Black Messiah, que consolidou o seu compositor como um mestre da sua arte.