A espera foi longa e desesperante. Entretido a explorar múltiplos caminhos musicais, Julian Cope regressa agora ao formato que o tornou uma estrela planetária. Self Civil War é o back to basics há muito desejado.
Já muito se escreveu sobre Julian Cope, mas por ser um clássico, será possível ainda e sempre dizer-se mais alguma coisa a propósito dele. A lenda britânica começou a surgir com os míticos The Teardrop Explodes, banda que se revela nos finais de 79. Antes ainda, Cope fez parte dos Crucial Three, banda que durou pouco mais de meio ano, e que tinha como integrantes Ian McCulloch (Echo & The Bunnymen) e Pete Wylie (The Mighty Wah), isto já para não mencionar outras formações igualmente efémeras e sem significado como UH?, A Shallow Madness e Nova Mob. Desde esses distantes tempos até hoje, Julian H Cope foi mais camaleónico do que o saudoso David Bowie, surgindo em nome próprio, mas também como Queen Elizabeth, L.A.M.F., Brain Donor, Black Sheep e Dope, isto se a nossa memória não nos estiver a pregar uma partida, deixando algum outro seu projeto para trás. Para que conste, e o número é de facto impressionante, Julian Cope tem um registo discográfico que ultrapassa largamente as seis dezenas de álbuns.
No entanto, 2020 abriu com a boa e tão esperada notícia: novo álbum de Julian Cope com 13 esplendorosas canções. Isso mesmo, canções, algo que Cope não nos oferecia de forma tão boa desde Black Sheep (magnífico álbum de 2008), embora Psychedelic Revolution (2012), Revolutionary Suicide (2013), Drunken Songs (2017) e Skellington 3 (2018) tenham alguns momentos de interesse. O que faz deste Self Civil War um grande retorno à desejada forma artística, é exatamente ser composto por um ótimo conjunto de temas que ficam no ouvido e que fazem lembrar os bons velhos tempos de Peggy Suicide (1991), Jehovahkill (1992), Autogeddon (1994), 20 Mothers (1995) ou Interpreter (1996).
O álbum começa morno com “That Ain’t No Way To Make a Million”, tema de pulsação forte e com algumas estridentes guitarras a abrir terreno. Segue-se a mais orelhuda “A Cosmic Flash” e que, como a anterior, dá espaço a algum balanço instrumental muito bem conseguido. É rock, o que aqui se ouve. Já em “You Will Be Mist” (bela brincadeira fonética no título, tendo em conta que o tema é sobre o fim, a morte, o desaparecimento), é a balada à maneira de Cope que se apresenta, irregular, com alterações substanciais ao ritmo e à melodia. “The Great Heaven” parece jazz, no seu início. Enganador, claro. Cedo se transforma noutra coisa. A vertente mitológica do good old drude não lhe sai da ordem do dia e por isso há sempre Odin ao virar da esquina do seu imaginário. Outra bonita balada, portanto. Em Julian Cope, como sabemos, a crítica ao estado de coisas é assunto fértil, e a atualidade tem hora marcada. “Berlin Facelift” é uma canção de protesto (não serão quase todas?) sobre as batotas das emissões poluentes da Volkswagen, à qual se segue a muito bonita e copeana “Immortal”, espécie de declaração de amor que se revela em versos como “I will smoke all the pot in the land / Just to show you that I am your man”. Segue-se “Einstein”, canção-homenagem ao génio que teorizou sobre a relatividade. Mais uma balada (o emprego desta palavra, seja em que ocasião for, tem sempre como premissa que a sua utilização é relativa a Julian Cope, e com Cope nada é o que poderia ser). Depois segue-se “Billy”, um tema curto, meio motorika, delicioso, bem disposto (“na-na-na-na-na-na-na-na-na!”) e logo a seguir “A Dope On Drugs”, mais tranquilo, provavelmente autobiográfico. “Your Facebook, My Laptop” parece retirada dos distantes 20 Mothers ou Interpreter, todo ele poppy, saltitão, exuberante. O início da Phase 4 do álbum (outro tique que Julian Cope nunca perdeu, essa divisão fatiada de alguns dos seus discos) dá-se com “Requiem For a Dead Horse”, talvez o menos interessante dos 13 temas de Self Civil War. Para o fim, “Self Civil War”, a canção-título que tem como base um poema de 1638, do reverendo Roger Brearley. Finalmente, um rasgo de luz chamado “A Victory Dance” fecha o álbum e é bem bonita, cheia de brilho, contrastando com “our troubled times”, ideia base de todo este trabalho de Julian Cope.
Self Civil War não é a quinta-essência da discografia de Julian Cope, mas é um louvável regresso ao formato que o imortalizou. O espírito inquieto e fervilhante do músico inglês continua intacto, e o que menos se espera dele é provavelmente o que fará a seguir, embora à sua destemperada e inusitada maneira. Isso, com a história discográfica que tem, é muito digno de registo. Ouvir Self Civil War é o melhor tributo que podemos dar a um homem que já nos deu tanto e de forma tão generosa. É uma quase-obrigação. E nós, da nossa parte, cumprimos bem o nosso papel. O mais recente disco do arch–drude vai ficar connosco durante uns largos meses.
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