O álbum charneira da carreira a solo de Reed fica para a história do rock como uma peça vital.
Neste momento, em que escrevemos estas palavras, no ano da santa graça de dois mil e vinte, a imagem que reside na memória colectiva de Lou Reed é consensual – um dos grandes que passou e deixou marca na música do século XX. Mas em 1972 estávamos ainda muito muito longe desse reconhecimento. Reed tinha destruído os Velvet Underground por dentro, correndo com Warhol, Nico e mesmo Cale depois do monumental The Velvet Underground & Nico (1967) e de White Light/White Heat (1968), para fazer dois discos (o ainda excelente The Velvet Underground e o já mais difícil Loaded) e depois ele próprio abandonar o barco, com uma mão à frente e outra atrás. Porque, convém também relembrar, o sucesso comercial dos Velvet por essa altura era praticamente nulo e portanto Reed acabou a trabalhar na empresa de contabilidade do pai.
Mas não foi, naturalmente, o final da sua carreira como músico. Lançou-se a solo em 1971, com um disco de canções escritas na altura dos Velvet, que não deu em nada. Eis que em sua ajuda veio uma onda do outro lado do Atlântico (mais precisamente de terras de Sua Majestade) chamada glam rock, com David Bowie e seu comparsa Mick Ronson para o ajudar na produção do que seria a sua bóia de salvação. Bowie e Ronson conseguiram retirar o melhor lado de Reed, a sua capacidade de fazer canções que nos Velvet estava debaixo do efeito dos desvarios de Cale e de uma produção roufenha e assim se viu a luz de Transformer.
O disco arranca com “Vicious”, uma batalha de guitarra rítmica com guitarra solo que teria de ser parte da cadeira Rock 101 se a mesma fosse ensinada nas escolas (e devia…), com Reed a dar-lhe um lado ultra catchy com a sua letra simples mas aditiva. Lá para o meio do disco há “Satellite of Love”, que mostra o talento nato que Reed tinha pela melodia, o duplo formato que se pode tirar do título (e principal verso) da música é arrebatador. “Andy’s Chest” foi enchida com coros, o que lhe dá uma aura transcendental, dentro de uma música pop tão simples que dói. O mesmo truque foi usado em “I’m So Free”, mas nesta o riff da guitarra transporta-nos mais para os tempos dos Velvet. “Perfect Day” é a balada da praxe, das que Reed tão bem escrevia e Nico tão bem cantava, mas não havendo Nico também não ficamos mal. E por fim, há “Walk on the Wild Side”, que merece um parágrafo só para si.
Pois aqui está ele – o parágrafo de uma das canções maiores que a vida que Lou Reed nos deu. A magistral linha de baixo, aquele tu, turu, turu, tu tu turu inesquecível, o cenário da Nova Iorque das drag queens e travestis, a realidade em que Reed viveu nos seus anos de convivência com Warhol, contando histórias reais de pessoas reais, suas conhecidas, o saxofone no final tocado pelo professor de Bowie, tudo junto deu em “Walk on the Wild Side”. Um clássico intemporal.
Quase cinquenta anos se passaram e Transformer ainda soa incrivelmente bem. Bowie e Ronson foram peças decisivas para sacar o melhor de Lou Reed e fazer um disco sem alguns clichês que marcariam a sonoridade glam rock e a mataram pouco tempo depois, e criando uma peça unica que não precisa de ficar em museu para se eternizar, antes fá-lo pela audição que ainda hoje pode ser feita como se de um disco novo se tratasse. Também foi sol de pouca dura, já que Bowie e Reed desentenderam-se (Reed não era claramente uma pessoa fácil) e a colaboração ficou por aqui. Quantas boas histórias têm finais assim abruptos?
Sem comentários:
Enviar um comentário