Som Ambiente foi uma amostra de quem eram Bertrami, Malheiros e Conti e uma confirmação da elasticidade musical de Marcos Valle.
Rio de Janeiro, 1968.
O período preto e dourado da bossa-nova estava a chegar ao fim quando, em 1968, José Roberto Bertrami, Alex Malheiros e Ivan Conti colaboravam com a gravadora Equipe. Nesse ambiente puramente musical, os então jovens músicos estabeleceram contacto com as maiores personalidades brasileiras da área, até porque esse era ‘simplesmente’ o trabalho deles: trabalhavam em estúdios e faziam música, com o objetivo de auxiliar as joias da música brasileira na produção dos seus trabalhos. Foi nesse contexto, por exemplo, que se cruzaram com o ‘moderno’ Deodato e a sua inovadora banda (Os Catedráticos), pioneira do jazz fusion no país sul-americano.
(É verdade que o grande tesouro musical brasileiro é a bossa-nova mas, ainda assim, a música que os brasileiros produziram ao longo da década de 70 tem uma palavra a dizer.)
A vida de músico é apaixonante, sim, mas é difícil e está, como qualquer outra vida, dependente das oportunidades que possam surgir. Na mesma altura em que Bertrami, Malheiros e Conti formavam o grupo Seleções, integram a estrutura da aclamada Phonogram, quando decorria o ano de 1973. Eles precisavam de sustento, por isso, formaram esse conjunto para, num primeiro momento, subirem aos palcos de bares e de boates. Mas o que começou por ser uma ‘mera’ banda de diversão noturna, tornou-se, a pouco e pouco, num projeto sério e estruturado. Estando agora a colaborar com a Phonogram, os músicos, que por si já tinham toda a qualidade do mundo, estabeleciam agora contactos criativos ainda mais próximos com a monarquia musical brasileira (nesta fase, auxiliaram, por exemplo, na produção de Em Pleno Verão, de Elis – é preciso dizer o apelido?).
Em 1973, o conjunto, inspirado por uma referência extraída de uma canção dos irmãos Valle, muda de nome. E, três anos depois, em 1976, lançariam o seu primeiro LP, também batizado como Azymuth – que é ainda hoje, para as pessoas que não se ‘esqueceram’ dele, um dos trabalhos mais bem conseguidos da cena musical brasileira da década de 70.
Este artigo, porém, é dedicado ao trabalho Som Ambiente, ainda gravado numa fase em que o grupo respondia por Seleções. O LP viria então a contar com a entrada dos irmãos Valle que, depois de conhecerem o trio, quiseram colaborar com ele. E assim nasceria este EP, datado de 1972. Som Ambiente é um trabalho de instrumentais eletrizantes, de tons púrpura e cor de rosa, dotados de uma simplicidade complexa apenas conseguida por músicos de qualidade superior e de influências inacabáveis – mas bem definidas.
Som Ambiente foi uma amostra de quem eram (ou do que queriam ser) Bertrami, Malheiros e Conti e uma confirmação da elasticidade musical de Marcos Valle, que, a partir deste período, ‘provou’ a sua capacidade em interagir com os demais ambientes musicais. (Neste período, Marcos ainda era um ‘garoto’ da suposta segunda geração da bossa-nova; hoje – e ainda hoje… – é um perito na arte de fazer as pessoas dançar e fá-lo um pouco por todo o mundo.)
Por razões de direitos de autor e contratos com companhias discográficas, Marcos e Paulo Sérgio Valle, não surgiram, à data do lançamento do LP, como assinantes do mesmo, apesar de a figura de Marcos surgir na capa do trabalho.
Som Ambiente é um conjunto de 11 faixas cheias de cor e calor, onde o jazz avista, conhece e se apaixona com a bossa-nova. Há órgão – há mesmo muito órgão – e grandes momentos de percussão (a “O Bode”, que abre o trabalho, é bem demonstrativa disso). E há espaço para medleys: na faixa número quatro, ouvimos partes da “(They Long To Be) Close To You” de Burt Bacharach, ao mesmo tempo que reconhecemos a “People (Funny Girl)” de B. Merril. E, na faixa seguinte, há até uma versão do famoso tema que Nino Rota criou para a trilogia Padrinho.
Som Ambiente é um álbum que só faz bem aos nossos ouvidos. É um projeto leve, animado e, de certa forma, musicalmente divertido. Mas, mais do que isso, é um marco importante na carreira de quem o produziu – tanto na carreira dos Azymuth, como também na de Marcos Valle. Na dos Azymuth porque é o projeto iniciático da banda que, apesar de ter ficado durante muito tempo esquecida nas décadas seguintes, tem recuperado a sua popularidade através do mundo mágico que é a internet, na sua dimensão de streaming. E para Marcos Valle porque serve de ponte para a carreira do artista que, depois de ter começado a sua vida na primeira linha de sucessão na estrutura da bossa-nova, fugiu para outros caminhos, mais elétricos e inesperados, onde até aos dias de hoje tem estado.
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