Cantor, compositor, instrumentista, empresário, filantropo, há décadas um dos artistas mais influentes do showbiz. Acima de tudo, um verdadeiro rockstar, que atrai para si opiniões e sentimentos os mais contraditórios. Na mesma proporção que muitos o amam, alguns sequer podem ouvir seu nome sem esboçar uma careta de desdém. Há 33 anos liderando uma das bandas de maior sucesso no planeta, Jon Bon Jovi não recebeu nada de graça. Foi com muito trabalho, começando de baixo, que Jon consolidou uma carreira de sucesso, e não foi com menos empenho que conseguiu manter o nome do Bon Jovi em evidência apesar das mudanças profundas pelas quais o mercado fonográfico passou desde 1983, ano em que o grupo foi fundado. Ao lado de Richie Sambora (guitarra), David Bryan (teclados), Tico Torres (bateria) e Alec John Such (baixo), Jon conquistou o mundo. Com eles, no auge do sucesso de Slippery When Wet (1986) e New Jersey (1988), foram cerca de 460 shows em pouco mais de três anos e meio. Todo esse excesso pesou e a banda quase teve seu fim. Buscando refrescar os ânimos, foi dada uma pausa consciente para que os músicos pudessem descansar e cada um tocasse quaisquer projetos que tivesse em mente. Para Jon Bon Jovi, as férias não foram longas, como vocês podem acompanhar mais abaixo.
Blaze of Glory [1990]
Emplacar uma música na trilha sonora de um filme de sucesso tem sido, há décadas, um atalho para multiplicar vendas e mostrar seu trabalho a diferentes públicos. Na década de 1980, isso foi levado mais a sério do que nunca. Todavia, ao contrário da prática preguiçosa de apenas compilar sucessos já consagrados, que atualmente repete-se à exaustão, muitos artistas em ascenção ou já bem-sucedidos na época compuseram e/ou interpretaram canções-tema que se tornaram ícones da cultura popular tanto quanto ou até mais que os filmes que as inspiraram. Músicas como “Eye of the Tiger” (Survivor), “Up Where We Belong” (Joe Cocker e Jennifer Warnes), “Against All Odds” (Phil Collins), “Take My Breath Away” (Berlin) e “(I’ve Had) the Time of My Life” (Bill Medley e Jennifer Warnes) não me deixam mentir. Outra que talvez seja digna de pertencer a esse time é “Blaze of Glory”. Protagonista do western “Young Guns” (1988), o ator Emilio Estevez entrou em contato com Jon Bon Jovi na esperança de conseguir que “Wanted Dead or Alive”, presente em Slippery When Wet, fosse a música-tema de sua sequência, “Young Guns II” (1990). Levando em consideração o fato de que a canção versa muito mais sobre a vida de uma banda na estrada do que a de um fora-da-lei no Velho Oeste norte-americano, Jon compôs uma nova música, que julgou mais adequada à história contada no filme. O resultado foi “Blaze of Glory”, que não apenas deu início à sua carreira solo, mas atingiu o primeiro posto da principal parada da Billboard, levou um Globo de Ouro como melhor canção original e foi indicada ao Oscar na mesma categoria. Segundo o ator Kiefer Sutherland, que também atua no filme, a faixa foi escrita em cerca de seis minutos, usando o guardanapo de um restaurante, posteriormente oferecido como presente a Emilio. “Nos fez parecer estúpidos”, disse Kiefer sobre a situação, em entrevista à revista Uncut. O que era para ser apenas uma música-tema acabou se transformando em um álbum completo, não uma trilha sonora, mas uma obra, segundo sua própria capa, “inspirada” por “Young Guns II”. Levando adiante a temática western, mesclada a sentimentos de culpa, coragem e redenção, Jon criou uma série de canções que fazem referência à história presente no filme, mas não chegam a formar um disco estritamente conceitual. Mais importante que isso: cada uma delas funciona muito bem individualmente e cada single lançado tem personalidade própria. “Blaze of Glory”, a música, é a sucessora perfeita para “Wanted Dead or Alive”: a narrativa em primeira pessoa transporta o ouvinte para outra época, em um ambiente inóspito no qual a vida é dura e pode ser breve. A lei do mais rápido no gatilho prevalece e não há chance para perdão, então é melhor morrer atirando do que se entregar. Musicalmente, a faixa mescla guitarras elétricas e violão com maestria, contando inclusive com a participação de Jeff Beck, que registra um belíssimo solo nesta e em várias outras músicas. Além de um refrão bombástico digno daquilo de melhor que Jon vinha fazendo com o Bon Jovi, a canção traz um interlúdio vocal magnífico no qual o personagem conversa com Deus e entrega sua alma, antes do derradeiro e mais explosivo refrão. Jeff Beck não é o único artista de grosso calibre que participa de Blaze of Glory: Little Richard empresta sua voz e piano a “You Really Got Me”, em ritmo de brincadeira de estúdio que mais parece uma jam em um bar. Outro famoso a registrar seu piano é Elton John. O inglês pode ser ouvido na faixa de abertura, “Billy Get Your Guns”, um rock diferente da linha do Bon Jovi, mas ainda assim muito divertido, com mais um solo de Beck. Outra que conta com o talento de Elton, tanto nas teclas quanto nos vocais de apoio, é a ótima balada “Dyin’ Ain’t Much of a Livin'”, último single oficialmente lançado. O line-up que registrou o álbum é grande, e os músicos que mais se repetem são o baixista Randy Jackson, famoso por substituir Ross Valory no Journey e por ser um profissional de estúdio respeitadísimo; o baterista Kenny Aronoff, que fez fama ao lado de John Cougar Mellencamp e se tornou um solicitado músico de estúdio; o organista Benmont Tench, membro fundador do Tom Petty and the Heartbreakers; e os guitarristas Aldo Nova, Waddy Wachtel e Danny Kortchmar, sendo este último também produtor do álbum ao lado de Jon. Robbin Crosby, que na época ainda era guitarrista do Ratt, toca violão em “Never Say Die”, a música mais direta do disco, um rock com mais uma boa performance de Beck na guitarra solo, ao lado de Aldo e Danny. O segundo single, “Miracle”, é um dos seus grandes destaques. Uma balada bem mais descontraída que “Dyin’ Ain’t Much of a Livin'”, “Miracle” é melódica e conta com um toque especial graças a um acordeão e a vocais de apoio femininos, que ajudaram a empurrá-la para o 12º posto da Billboard. Em “Bang a Drum”, um coro gospel dá o tom desse pop rock leve, que seria gravado anos depois pelo cantor country Chris LeDoux, com participação de Jon. “Blood Money” é uma faixa acústica, guiada por violão e acordeão, que remete imediatamente à história narrada pelo filme, enquanto “Justice in the Barrel” é a mais ambiciosa, contando com cantos indígenas em sua introdução, além de mais uma boa performance de Jeff Beck. “Blaze of Glory” pode ser o maior sucesso de Jon em carreira solo e a preferida da maioria dos fãs, tanto que já foi tocada ao vivo pelo Bon Jovi quase 500 vezes e foi incluída na multiplatinada coletânea da banda, Cross Road (1994), mas, para mim, ela ocupa um honrosíssimo segundo lugar. O primeiro posto pertence a “Santa Fe”, que não apenas é uma das obras mais bombásticas na carreira de um artista famoso por escrever canções com essa característica, mas entrega minha performance vocal favorita de Jon, que rasga a voz sem medo ao cantar sob a perspectiva de um fora-da-lei consciente de seus erros e de que não merece o paraíso, mas que está pronto para encarar seu último duelo e sabe que seu nome viverá para sempre. Os arranjos de cordas, de autoria de Aldo Nova e do maestro Alan Silvestri, são soberbos, e emprestam uma aura ainda mais épica à canção, que conta com o próprio Jon na guitarra, além de Bob Glaub (outro ex-Journey) no baixo. É possível, inclusive, ver reflexos de “Santa Fe” em “Dry County”, longa faixa presente no disco seguinte do Bon Jovi, Keep the Faith (1992). Aliás, Blaze of Glory preenche bem a lacuna estilística entre New Jersey e Keep the Faith, investindo em um material mais maduro que indica o que o quinteto faria na década de 1990. Seu envolvimento em “Young Guns II” não ficou apenas no âmbito musical: uma breve participação especial como ator abriu as portas para o cinema em sua vida. De 1995 em diante, Jon atuaria em ao menos 13 filmes, construindo uma carreira à parte de suas empreitadas musicais.
Destination Anywhere [1997]
Sete anos separam Blaze of Glory de Destination Anywhere. Se isso é muito ou pouco, depende do ponto de vista. O Metallica, por exemplo, demorou mais que isso entre o lançamento de Death Magnetic (2008) e Hardwired… to Self-Destruct (2016). Só que, ao contrário do Metallica desses dois discos, Destination Anywhere mostra um Jon Bon Jovi muito diferente daquele de Blaze of Glory, em um ponto bastante distinto de sua carreira. Estilisticamente, os álbuns têm pouco em comum: músicas e letras caminham rumo a algo bem mais contemporâneo, assim como a produção do disco e as parcerias com David Stewart (Eurythmics) e Eric Bazilian (The Hooters) indicam. Para Jon, inclusive, Destination Anywhere é seu primeiro e único disco solo, uma vez que Blaze of Glory não representou sua personalidade como artista, mas uma perspectiva sobre um filme e seus personagens. Independentemente disso, soa como um álbum verdadeiramente solo. Se Blaze of Glory fez a ponte entre New Jersey e Keep the Faith, o mesmo não pode ser dito sobre Destination Anywhere em relação a These Days (1995) e Crush (2000). Pouco das faixas presentes no disco assemelha-se ao que foi feito nesses lançamentos do Bon Jovi. O mais próximo disso talvez sejam as baladas “Ugly” e “Janie Don’t You Take Your Love to Town”, mais melódicas que a maior parte do tracklist. A primeira, composta em parceria com Eric Bazilian (autor do hit “One of Us”, de Joan Osborne), é um pop rock simples e cativante, enquanto a segunda é um misto de elétrico e acústico de refrão forte, que pegou nas rádios brasileiras e tornou-se carro-chefe do álbum por aqui. Há bem pouco do lado mais hard de Jon em Destination Anywhere: um dos raros momentos em que a guitarra ronca mais forte, com um timbre bem pouco habitual, é em “Queen of New Orleans”, uma canção da qual já gostei muito, mas que hoje em dia soa um pouco repetitiva. Outra mais puxada para esse lado é a irada “August 7, 4:15”, reflexo de sua triste inspiração: o assassinato de Katherine Korzilius, filha de 6 anos do tour manager do Bon Jovi. O restante do álbum, em geral, tem um tom mais melancólico, a começar pelo primeiro single, “Midnight in Chelsea”, ótima canção que evidencia bem a produção mais contemporânea levada a cabo em Destination Anywhere, com o uso de loops e muitos vocais de apoio femininos. É entre essas faixas mais melancólicas, inclusive, que se encontram alguns fillers, caso de “It’s Just Me”, “Little City” e “Cold Hard Heart”. “Staring at Your Window With a Suitcase in My Hand” e “Learning How to Fall” representam bem a proposta do disco e cumprem tabela com saldo positivo, enquanto “Naked” é menos memorável e a faixa-título traz um bom refrão. O mais fino de Destination Anywhere encontra-se na faixa 6 e não saiu em single: refiro-me a “Every Word Was a Piece of My Heart”, canção melodicamente bem resolvida que poderia receber o “tratamento Bon Jovi” e ser destaque em algum disco da banda, mas já funciona perfeitamente da maneira que se apresenta. É um testamento da maturidade do artista e de sua capacidade de compor grandes canções sob circunstâncias diferentes em épocas diferentes, mas com ótimos resultados. Em comparação a Blaze of Glory, o sucesso não foi tão grande. O mercado musical em 1997 era bem mais hostil para um artista como Jon Bon Jovi, mas pode-se dizer que os resultados foram satisfatórios, especialmente no Reino Unido. Um média-metragem protagonizado por Jon, Demi Moore e outros atores famosos foi rodado, incorporando canções e tópicos abordados no disco, mas não chegou a fazer muito barulho. Isso não intimidou Jon, que seguiu sua carreira cinematográfica e ainda atuaria em vários filmes.
The Power Station Years [1997 – 2001]
Lançado em diferentes edições, anos e com capas, tracklists e títulos variáveis, sendo The Power Station Years o mais popular, este álbum não faz parte da discografia oficial de Jon Bon Jovi. Entretanto, é interessante mencioná-lo junto a Blaze of Glory e Destination Anywhere não apenas por ter se tornado uma obra significativamente popular, mas por preencher uma lacuna importante na carreira de Jon, mais especificamente entre 1980 e 1983. The Power Station Years remete a uma época em que, atendendo ainda por John Bongiovi e trabalhando como faxineiro no estúdio The Power Station, de propriedade de seu primo Tony Bongiovi, Jon deu os primeiros passos de sua carreira como músico profissional e registrou suas primeiras composições, ainda em caráter demo, que culminariam naquela que seria responsável pela gênese do Bon Jovi, “Runaway”. A edição mais completa do disco, que conta com 20 faixas, inclusive é finalizada com uma versão instrumental dessa canção. No geral, a sonoridade do álbum não tem tanto a ver com aquilo que o Bon Jovi faria a partir de seu primeiro disco. Enquanto Bon Jovi (1984) possui uma evidente tendência maior para o hard rock/glam metal, a maioria das faixas presentes em The Power Station Years tem muito mais a ver com aquilo conhecido como Jersey Shore sound, de artistas como Bruce Springsteen e Southside Johnny and the Asbury Jukes, mesclando o heartland rock tipicamente norte-americano com influências rhythm ‘n’ blues, que se traduzem em muitos arranjos de instrumentos de sopro e teclados. Isso fica bem evidente em músicas como “Open Your Heart”, “Head Over Heels” e “More Than We Bargained For”, que podem não ser exatamente grandes canções, mas soam bem e mostram que Jon já possuía tino para composição. Fossem um pouco mais trabalhadas, talvez obtivessem algum destaque, assim como “Hollywood Dreams” e “Don’t Do that to Me Anymore”, esta última já mais puxada para o hard rock. Alguns casos, no entanto, são bem mais interessantes e indicam um caminho realmente promissor. Além do cover de “Stringin’ a Line”, do cantor canadense Ian Thomas, “Don’t Leave Me Tonight” não faria feio em um dos primeiros discos do Bon Jovi. Mas o verdadeiro destaque é “Talkin’ in Your Sleep”, escrita junto a George Karak, responsável pela parceria que originou “Runaway”. Recebendo uma roupagem mais hard pelas mãos de Richie Sambora e dos outros integrantes do grupo, facilmente se encaixaria no contexto de Bon Jovi e 7800º Fahrenheit (1985), inclusive soando melhor que algumas daquelas que entraram nos tracklists originais. Apesar dos meus quase 20 anos como fã de Jon, não tenho certeza quanto ao line-up que registrou as faixas presentes em The Power Station Years. Músicos como Bill Frank (guitarra), Mick Seeley (baixo), Charlie Mills (bateria), Jim McGrath (bateria) e o amigo David Rashbaum (teclados), que seria conhecido após o segundo álbum do Bon Jovi como David Bryan, são creditados como responsáveis pelas gravações, mas considerando o período relativamente longo entre o registro de todas as faixas, essas informações podem não estar 100% corretas. À parte de seu caráter não-oficial, da qualidade de áudio digna apenas de uma (boa) demo e de algumas informações discutíveis, trata-se de um lançamento obrigatório para quem admira o trabalho de Jon e quer conhecer melhor suas origens.
Muito tem se especulado nos últimos anos, após a saída de Richie Sambora do Bon Jovi, que Jon deve encerrar as atividades do grupo e dar sequência à sua carreira solo. Sua resposta veio na forma de This House Is Not for Sale (2016), um álbum que, embora não seja mais que mediano, deixa um claro recado: não importa o que se abater sobre a banda, sua solidez e integridade permanecerá intacta, como a irmandade que há 33 anos é mantida forte à base de muito trabalho no palco e no estúdio. Não é segredo que o líder dessa irmandade chama-se Jon Bon Jovi e é dele que partem as decisões que indicam os rumos a serem seguidos. Isso tem ficado claro ao longo dos anos e ficou ainda mais evidente no documentário “When We Were Beautiful” (2009). Duvido muito que Jon aceite deixar de lado o grupo que o fez um dos maiores rockstars de todos os tempos, acumulando vendas de mais de 130 milhões de discos e subindo ao palco cerca de 1,8 mil vezes, em ao menos 56 países. Por mais que o sucesso de seus álbuns recentes não seja páreo perante a insanidade da era Slippery/Jersey, o Bon Jovi tem se mantido em alta por 30 anos, movimentando milhões de fãs a cada turnê e mostrando que não pretende tirar o pé do acelerador, girando quase todo o mundo e oferecendo grandes (e longas) performances noite após noite.
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