domingo, 24 de dezembro de 2023

Crítica ao disco de Vespero - 'Shum-Shir' (2017)

 

Véspero - Shum-Shir

Hoje temos o prazer de apresentar e resenhar o álbum do VESPERO : “Shum-Shir”. Gravado em diversas sessões em 2015 e 2016, o álbum foi finalmente publicado em novembro de 2017 para deleite de todos os conhecedores e seguidores desta prolífica banda que tem conseguido dar um novo frescor ao padrão do space-rock contemporâneo. ao longo dos anos. Este novo álbum é uma continuação do conceito de “Abyssinian Tales”, cuja primeira parte foi concretizada no álbum “Lique Mekwas”, publicado pela editora RAIG no ano passado de 2016. Agora, o novo álbum foi publicado pela Tonzonen gravadora.Grava em formato CD e vinil. O título de “Shum-Shir” corresponde a uma cerimónia religiosa no Antigo Egipto que se realizava de 10 em 10 anos com vista à eleição de um novo rei, evento que era organizado pelos xamãs e anciãos de todas as tribos. Como resultado da queima de folhas de eucalipto e da inalação de alucinógenos secretos durante toda a noite, foram invocados os espíritos de todas as tribos (Isidora, Gully e Gaya), que finalmente indicaram quem deveria ser ungido como o novo rei. Ao amanhecer, o escolhido vestiu-se de branco enquanto um ritmo místico tocava o tambor Hapi, dando início a uma nova vida para as tribos. A carreira fonográfica de VESPERO permanece consistente e interessante em seus próprios termos, bem como à luz da tradição inspirada em OZRIC TENTACLES que a precede. A formação do grupo é composta por Ivan Fedotov [bateria, percussão e programação rítmica], Arkady Fedotov [baixo, sintetizadores e flauta], Alexander Kuzovlev [guitarras], Alexey Klabukov [teclados e sintetizadores] e Vitaly Borodin [violino]. Para a primeira música deste novo álbum, o coletivo contou com as participações de Alexander Timakov na percussão e Rasul Shugaipov nos vocais. Vejamos agora os detalhes do disco em questão.

'Shum-Shir' abre o repertório dando-nos cerca de 10 minutos de gloriosas musicalidades de space-rock culminadas com inspiradas estilizações progressivas e alimentadas pelo barulho telúrico da fusão folk contemporânea. A forma como as sequências electrónicas do sintetizador se conjugam com o esquema rítmico (uma confluência de recursos acústicos e cibernéticos) estabelece uma base muito eficaz para que os floreios das guitarras e do violino orientem o rumo da engenharia melódica. Em todo o caso, a meio do caminho começa a esculpir um interlúdio exorcista onde um discurso se impõe à estrutura organizada pela batida tribal e pelos efeitos espaciais do sintetizador; Passado esse interlúdio, o violão assume o protagonismo para dar uma renovada polenta ao assunto enquanto o conglomerado de instrumentistas funciona como um bloco para retomar o fio condutor. Fazer isso significa aproveitar bem o dinamismo energético que se instaurou no esquema sonoro ainda em andamento, e o grupo sabe atuar maravilhosamente no cumprimento desta missão. Segue-se então 'Isidore's Dance', ligando-se aos últimos momentos da peça inicial através de um prelúdio etéreo onde a guitarra flutua graciosamente sobre as camadas sintetizadas do fundo. Esse clima etéreo é efêmero, pois a bateria logo entra em ação para impor um swing forte e voraz, mas não particularmente agressivo: na verdade, suas vibrações jazz-rock o tornam mais comemorativo do que agressivo. Nesta engenharia, a guitarra, o teclado e o violino alternam momentos de brilho específico onde o regime legislativo é a primazia das texturas; o vigor e a desenvoltura estão exclusivamente nas mãos da dupla rítmica, que por vezes recorrem a truques de vitalidade cuidadosamente subtil em certas passagens estratégicas. As duas partes de 'Gaya's Dance' ocupam um total de 14 ¾ minutos e na primeira parte temos uma demonstração de total desenvoltura extrovertida dentro da linha de trabalho já consagrada. Os diálogos entre violino e violão tornam-se mais intensos, com este último adquirindo certas conotações frippianas em vários de seus fraseados. No geral, a vitalidade colorida que marcou a essência expressiva da 'Dança de Isidoro' é impulsionada para um novo nível de incandescência comemorativa. Há um breve interlúdio onde o grupo assume um clima cerimonioso, como se contemplasse o que já foi feito até aquele momento para calcular o tipo de dinamismo que se deseja para o clímax sonoro que em breve chegará.

A segunda parte de 'Gaya's Dance' começa com um groove um pouco mais contido, sustentado por uma cadência elegante e sóbria que, longe de se distanciar da predominância do extrovertido como tem sido apresentado até agora no repertório, estabelece um jazz- engenharia progressiva ao bloco instrumental para criar um recurso de calor renovador. Assim, o elemento fusionesco sempre presente no cosmos musical do VESPERO goza de um maior campo de expansão. Aliás, temos aqui os solos de violino mais impressionantes de todo o álbum. Enquanto o groove acelera ligeiramente na secção final, chega um momento em que somos confrontados com um clima cósmico flutuante: aqui surge a peça que se encarrega de fechar o repertório, que se intitula 'Hapi'. Para esta última parte do álbum, o grupo decide regressar a um dinamismo mais leve do que o habitualmente utilizado no repertório anterior: a base rítmica é sóbria no manejo das sempre mágicas possibilidades da etno-fusão. Aqui o etéreo não é um elemento da paleta sonora que coexiste com outros, mas sim a cor base para orientar a elaboração das intervenções dos instrumentos encarregados de desenvolver os motivos (guitarras bem ao estilo STEVE HILLAGE, aliás). Desta forma, o ritual de várias danças que se tem projetado do início ao fim neste requintado ritual espacial-rock-progressivo orquestrado por VESPERO chega ao fim com uma aura de reflexão repousante, uma aura adequada para receber o novo dia com a devida disposição da espiritualidade lúcida. A verdade é que o pessoal do VESPERO brilhou muito com “Shum-Shir”, mas claro, quem acompanhou de perto a sua carreira sabe muito bem que este conjunto russo tem mantido um nível muito elevado em termos de criatividade e intensidade expressiva no cenário progressista das últimas décadas. Desfrutar deste álbum não é apenas ouvi-lo, é também deixar que as nossas almas realizem uma dança comemorativa ao ritmo dos temas nele contidos.

- Amostras de 'Shum-Shir':


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