terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Crítica cabezadenego, Leyblack & Mbé: “Mimosa”

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Crítica

cabezadenego / Leyblack / Mbé

 : "Mimosa"

Ano: 2023

Selo: QTV

Gênero: Experimental, Eletrônica

Para quem gosta de: Tantão e os Fita e Saskia

Ouça: Taca, Quinta e DFB

“Disco-manifesto”, “estudo” ou “experiência”. Termos não faltam para definir o tipo de som produzido por cabezadenegoLeyblack e Mbé dentro do colaborativo Mimosa (2023, QTV). Entretanto, as interpretações são muitas e o caminho percorrido pelo trio ao longo da obra está longe de qualquer traço de linearidade. Fruto da parceria entre o multiartista mineiro e a dupla de produtores cariocas, o trabalho parte de uma reinterpretação totalmente particular do funk dos anos 1990 e 2000, porém, se estende a outros ritmos afrobrasileiros historicamente perseguidos e criminalizados, entre eles o samba, o rap e o drum and bass.

Concebido a partir de um intenso processo de colaboração entre os três artistas na Convocatória Aberta Permanente do Etopia Centro de Arte e Tecnologia, em Zaragoza, na Espanha, Mimosa é uma dessas obras que se revela aos poucos. São investigações sonoras, sobreposições e retalhos que partem de onde Mbé parou há dois anos, durante o lançamento do introdutório Rocinha (2021). Entretanto, enquanto o disco que apresentou o produtor carioca utiliza de uma abordagem quase contemplativa, com o presente álbum o trio segue o caminho oposto, concentrando na força das batidas um componente de movimento e ruptura.

Exemplo disso fica bastante evidente em músicas como Toque. São pouco mais de quatro minutos em que o trio vai do ambiente ritualístico de um terreiro para alcançar um baile funk afrofuturista e industrial. É como se os três artistas partissem de um permanente atravessamentos de informações, ritmos e vozes que muda de direção a todo instante. Décadas de história e música resgatadas, fatiadas, diluídas e remontadas de forma a favorecer o insano repertório proposto pelo grupo. Canções que encontram ordem no caos, fazendo desse delirante cruzamento de informações o estímulo para uma obra curiosamente homogênea.

Parte desse resultado vem do meticuloso processo de pesquisa e escolha do trio em fazer de Mimosa uma espécie de personagem que representa a negritude e a música preta em suas múltiplas formas. A própria fotografia de capa do trabalho, com cabezadenego flutuando como uma entidade, funciona como uma representação desse direcionamento adotado pelo grupo. Dessa forma, cada composição soa como um acumulo natural das ideias e vivências dos próprios realizadores, mas, acima de tudo, um estudo sobre o movimento dos corpos negros que vai das rodas de samba às rinhas de MCs, do terreiro às pistas de dança.

Claro que nem tudo parece funcionar de maneira tão eficiente durante toda a execução da obra. Quando próximo do encerramento, muitas das composições que integram o repertório do disco se projetam como ideias repetitivas, insistindo em conceitos previamente explorados com maior esmero pelo trio em outros momentos ao longo do trabalho. Perfeita representação desse resultado pode ser percebida na sequência entre Matuta e Tik Tik. Enquanto a primeira soa como o remix genérico de um funk 150 bpm, com a canção seguinte o grupo propõe uma brilhante estudo satírico sobre os principais sucessos do gênero no TikTok. São pequenos excessos, mas que parecem perfeitamente alinhados aos exageros estilísticos do registro.

Todo esse cruzamento de estilos, diferentes propostas criativas e estéticas resulta ainda no aparecimento de faixas orientadas pelo caráter rítmico, mas que sustentam no lirismo provocativo o estímulo para alguns dos momentos mais interessantes do material. Da pertinente discussão sobre ISTs em Taca, passando pela divertida reflexão sobre o prazer anal em Quinta e DFB, sobram momentos em que o grupo parece testar os próprios limites em estúdio, tensionando sempre que possível a experiência do ouvinte. Composições que vão de um canto a outro de maneira totalmente imprevisível, porém, de forma consistente e dinâmica, como se o trio soubesse exatamente onde quer chegar mesmo nos momentos de maior delírio do trabalho.



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