terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Franco Battiato “L’Arca di Noe” (1982)


 Um dos nomes maiores da canção italiana, Franco Battiato (1945-2021) não esgotou na música um talento que fez questão de levar também ao cinema (como realizador) e, sob pseudónimo (Süphan Barzani), à pintura. Na música, em linha com esta postura de vistas largas, abriu horizontes a diversos caminhos e possibilidades, tendo abordado tanto formas mais elaboradas do rock como as electrónicas, explorando vários rumos possíveis com a canção pop frequentemente como ponto de partida, não fechando as portas ainda a experiências na criação de bandas sonoras ou mesmo a ópera. Com um primeiro single editado em 1965 e uma sucessão de álbuns a partir de 1970, Franco Battiato era já um nome com expressão e reconhecimento no panorama da música italiana quando, em 1981, o álbum “La voce del padrone” o elevou a um patamar de popularidade maior do que nunca, traduzindo uma focagem das suas atenções num interesse renovado (graças às emergentes electrónicas), pela canção pop. Um ano depois, já com 1983 na linha do horizonte, apresentou um sucessor que, embora sem repetir os números do disco anterior, representou mesmo assim o seu segundo maior sucesso de sempre, revelando contudo um dos mais inspirados episódios com alma pop de toda a sua discografia

Com o título “L’Arca di Noe”, o álbum aceita pistas já antes lançadas em na reta final do alinhamento do anterior “La voce del padrone” (entre as canções “Centro di Gravità Permanente” e “Sentimento Nuevo”), mas agora aprofundando num arco que cruza todo o disco, uma proposta de pop eletrónica que vive de contrastes entre a exuberância dos sons e temáticas mais sombrias, num ciclo de oito temas que se desenha em diálogo com ecos clássicos, manifestando-se estes últimos não apenas em arranjos que aceitam heranças de uma lógica orquestral mas em piscares de olho mais evidentes por coros de alma inspirada pela ópera (que vinham também já de experiências anteriores mas aqui ganham corpo mais evidente). Estes flirts com o bel canto e a ópera, que o alinhamento de “L’Arca di Noe” visita em alguns instantes, antecipando assim o mais mediatizado “Fans” de Malcolm McLaren (1985), antecedem de resto o modelo de cruzamento de linguagens que o próprio Franco Battiato levaria à Eurovisão em 1984 em “I treni di Tozeur”, um dueto com Alice. Três anos depois chegaria a sua primeira ópera, “Genesi” (1987) que abriu uma frente de trabalho que juntou outras quatro mais até “Telesio”, de 2011. 

“L’Arca di Noe”, que em “Clamori” e “L’esodo” usa textos do francês Henri Thomasson (embora sob o pseudónimo Tommaso Tramonti). O alinhamento tem depois a cereja sobre o bolo na canção que encerra o alinhamento, “Voglio Vederte Danzare” que o cineasta Nanni Moretto recupera em 2023 numa das cenas do filme “O Sol do Futuro”. O realizador já antes havia usado “Scalo a Grado”, deste mesmo disco, no filme “Bianca” (1984). Ainda deste álbum Luca Guadagnino levara já ao cinema “Radio Varsavia”, que escutamos em “Chama-me Pelo Teu Nome”, de 2017. Esta última canção gerou, na época do lançamento do disco, um debate na imprensa (sobretudo nas páginas do “La Stampa”), episódio que traduz um dos vários momentos em que o pensamento político de Battiato passou pela sua música.




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