Editado em 1979, “Odes” juntou Vangelis e Irene Papas a uma coleção de memórias da música folk e da história e cultura gregas. Ainda não se falava de ‘world music’ por aqueles dias, mas este é um belo exemplo de diálogos possíveis entre tempos e culturas.
Um encontro entre ecos da história e a modernidade emergiu de uma série de sessões de trabalho partilhadas entre dois gregos cujas obras tinham já alcançado há muito uma dimensão internacional. Ela, Irene Papas, uma atriz com um percurso feito não apenas no teatro mas também no cinema, tendo chamado atenção pelos papéis em filmes de visibilidade maior como Os Canhões de Navarone ou Zorba, o Grego. Ele, Vangelis Papathanassiou, era já um dos músicos gregos com maior dimensão global, alcançada não apenas por uma obra a solo que dele fazia um dos mais bem-sucedidos pioneiros da música instrumental eletrónica, mas também pela memória do grupo em que antes militara, os Aprodite’s Child, referência aclamada nos universos do rock progressivo. E foi precisamente num tema do mítico 666, álbum duplo que o grupo editou em 1972, que Vangelis e Irene Papas se cruzaram pela primeira vez num estúdio de gravação (quando a atriz foi juntar a sua voz a Infinity, uma das faixas do disco). O reencontro, passados uns anos, ganhou forma num projeto que devolveu Vangelis a uma relação de maior protagonismo com a canção, e que depois continuaria a manifestar-se num trio de álbuns criados em conjunto com Jon Anderson entre 1980 e 1983. É certo que ainda pouco tempo antes, em 1977, Vangelis tinha colaborado em Magic, de Demis Roussos (o antigo vocalista dos Aprodite’s Child). Mas em Odes (1979), o disco que criou juntamente com Irene Papas, a sua assinatura na composição e visão cénica são bem mais evidentes. O disco, contudo, é uma experiência de protagonismo partilhado. E a presença de Irene Papas é aqui igualmente fulcral.
Odes é, na essência, uma “ode” à projeção, na reta final do século XX, ecos da história e cultura gregas. O disco é na sua maioria criado a partir de peças de música da tradição folk grega, com arranjos de Vangelis, cabendo a este a composição de dois temas inéditos: os instrumentais La Danse du Feu e o ainda mais lírico Racines, aqui destapando sinais de proximidade da cultura magrebina. Os textos cantados são assinados por Irene Papas, escritos em colaboração com a escritora Ariana Stassinopoulos. Ali cantam-se, em Les Quarante Braves, memórias, em tom heroico, da guerra da independência no século XIX e, em Neranzoula, uma pequena tangerineira, imagem que serve de metáfora para a Grécia nos tempos em que integrava o Império Otomano, reforçando assim a pulsão heroica e resistente da faixa de abertura do disco, tema que ainda se estende a Les Kolokotronei, canção que evoca uma das mais célebres famílias da resistência grega. Já o lado B é mais focado em ecos das paisagens gregas (Le Fleuve e Racines) ou de retratos da alma de um povo e da sua diáspora (Lamento), fechando o alinhamento com Menousis, um conto tradicional sobre infidelidade conjugal.
O trabalho de Vangelis capta não só heranças culturais e geográficas, juntando cores a uma certa austeridade das linhas de referências originais ostensivamente mediterrânicas, como adiciona ainda – como se escuta por exemplo em Le Fleuve – um labor cenográfico que trata estas memórias quase como acontecimentos com um poder cinematográfico. Gravado em Londres em 1978, Odes não representou um desfecho para as colaborações entre Vangelis e Irene Papas. Em 1986 editaram o mais açucarado Rapsodies, um segundo álbum criado em parceria. E foram ainda várias as ocasiões, sobretudo em produções de teatro, em que a música de Vangelis se cruzou novamente com os caminhos de Irene Papas.
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