quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Review: Beto Bruno – Depois do Fim (2019)

 


Beto Bruno liderou a Cachorro Grande por vinte anos. A parceria com o guitarrista Marcelo Gross transformou a banda gaúcha em um dos últimos ícones do rock brasileiro, com discos que marcaram época. Nessas duas décadas ouvimos as explosões de fúria e espontaneidade da auto intitulada estréia (2001) e As Próximas Horas Serão Muito Boas (2004), a nítida evolução e o refinamento melódico apresentado em Pista Livre (2005), a maturidade de Todos os Tempos (2007), a solidez de Cinema (2009) e Baixo Augusta (2011), a criatividade e o experimentalismo de Costa do Marfim (2015) e o confuso flerte com a eletrônica em Electromod (2016).

Uma história repleta de excessos, refletidos na mudança física percebida claramente em todos os integrantes, e que também deixou faixas que se transformaram em clássicos como “Lunático”, “Sexperienced”, “Debaixo do Chapéu”, “Hey, Amigo!”, “Você Não Sabe o Que Perdeu”, “Bem Brasileiro” (minha música favorita em toda a história da banda), “Sinceramente”, “Roda-Gigante”, “Na Sua Solidão” e muitas outras.  Ou seja, valeu a pena.

Assim como sua cara metade – Marcelo Gross saiu da banda em 2018 devido a problemas pessoais e já lançou dois discos, Use o Assento para Flutuar (2013) e o ótimo duplo Chumbo & Pluma (2017) -, Beto Bruno agora experimenta a vida pós-Cachorro Grande com Depois do Fim, seu primeiro álbum solo, e vai surpreender os fãs.

Beto montou uma nova banda com parceiros das antigas e novos brothers. Gustavo X, substituto de Gross na Cachorro, e Pedro Pelotas, tecladista e pianista da banda, fazem parte do novo combo. Henrique Cabreira e Rodrigo Tavares vêm nas guitarras, Sebastião Reis (filho de Nando Reis, ex-Titãs) assume os violões e mandolin e Eduardo Schuler senta na bateria. Cabreira e Schuler vem direto da Doris Encrenqueira, uma das revelações do rock gaúcho.

O resultado é um disco que trilha por sonoridades bastante distintas. Depois do Fim apresenta dez faixas e transita pelas diferentes influências que Beto explorou ao longo de sua carreira, algumas de maneira mais clara e outras de forma mais sutil. Há os rocks ferozes e com pegada clássica de “Por Isso Meu Samba é Diferente”, “Não é Todo Mundo Que Tá de Boa Contigo” (cuja letra parece soltar umas alfinetadas em Gross) e “Digby, O Maior Cão do Mundo”, mas também o lado mais psicodélico e lisérgico de Bruno. “Porque Eu Te Amo Muito e Há Tanto Tempo” une The Byrds a Júpiter Maçã, e a música que batiza o disco é a mais pop do trabalho, com um certo tempero do Skank de Cosmotron (2003). “Porco Garrafa” revisita o universo de Electromod, porém com resultados muito superiores, enquanto “A Mais Linda do Verão” é uma balada agreste e bucólica. 

No meio disso tudo, a chapada “Marlon Brando, Beatles e Pelé” mostra a banda brincando com sonoridades vindas diretamente da San Francisco do final dos anos 1960 e início dos 1970, em uma canção que só não é instrumental porque o vocalista fala o título da faixa em seu final. A abertura e o encerramento com as vinhetas siamesas e psicodélicas “A Ruptura da Linearidade do Tempo” e “... Ou Provavelmente Estarei Dormindo” intensificam o sentimento de mudança, afastando o disco de tudo que a Cachorro Grande fez antes.

Depois do Fim mostra, ao mesmo tempo, aspectos familiares da personalidade musical de Beto Bruno e outros nem tanto. E essa pluralidade funciona muito bem, pois revela que o vocalista, já com duas décadas de estrada nas costas, ainda tem cartas na manga para entregar boas canções e surpresas agradáveis pelo caminho.

O resultado é um belo disco e um ótimo recomeço para uma das vozes mais marcantes do rock brasieiro.



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