Com aquele habitual halo de obscurantismo e anonimato que sempre acompanha as produções ditas de “sintetizadores de masmorras” (ou o mesmo cachorro com coleira diferente), temos Drifting Dots. E eles fazem isso em Kiev, na Ucrânia. Tudo muito sinistro, sim. Não tive nenhuma dúvida sobre isso porque o cara por trás desse pseudônimo gentilmente se presta à comunicação via YouTube. Sei que não é uma garantia suficiente, mas aqui a minha intuição já entrou em jogo. Porque o que ouço tem alma. Definitivamente.
E um título inicial como “Atropos” (5'17) já me conquistou. Traz lembranças felizes de outra época em que o editorial era impresso em papel e tendia a ter mais importância. Sua música poderia ser colocada entre "Force Majeure", "Logos" ou "Pergamon". Sonho de Tangerina, claro. Como não. Cuide muito bem da sensação, do sentimento romântico. E isso o torna muito froesiano.
Continua naquela bela textura em "Acedia" (10'56), quase invocando o melhor Klaus Schulze dos anos 70 na sua transcendência espiritual metafísica. Talvez com um toque de melodia ingênua que lhe confere conotações sinceras e humanas. Sequenciamento de Berlim de cepa pura em um fundo de ARPs celestiais. Com dívida com "Timewind", mas... isso importa? É um pedaço da velha escola.
A introdução de "Gabes" (5'54) poderia refletir a capa plástica que adorna o álbum. Tem alguma coisa, aquela pintura. Pode-se dizer que seu desenvolvimento sequencial é obra do próprio Peter Baumann, num ensaio de Sleepy Tangerine, em 1977. Mais uma vez apresenta uma solenidade melódica que prende a atenção do ouvinte. Uma virtude notável em Drifting Dots. Quase sem silêncio, continua com "Chiaroscuro" (5'11), em mais uma homenagem dedicada a Schulze. Seu ambiente cosmos é de absoluta convicção. E isso porque não usa muitas dicas. Dando aquela sensação de sobra dos anos 70 que tanto falta neste tipo de produções. Parece que foi quase feito ao vivo, ou possivelmente uma execução real. Outro belo exemplo de modéstia e genialidade.
"Le Palais de Cristal" (5'13) soa como o mais lisonjeiro Heldon. Descritivo e fascinante, com um certo sinfonismo romântico inerente ao estilo.
"A Well for the Thirsty" (5'49) é uma ode à desolação interior. Porém, acompanhado de um certo tom de esperança que equilibra a exposição eletrónica. Nunca histriônico ou excessivamente turvo.
“Duskveiled” foi uma grande e refinada surpresa para mim.
Verdadeiramente, um excelente exercício de estilo.
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