quarta-feira, 3 de julho de 2024

Luiz Gonzaga - O Reino do Baião (1957)

 


Disco lançado em 1957 pela RCA, destaque para as canções "Forró no escuro" e "O delegado do coco''.

Faixas do álbum:
01. Forrô No Escuro
02. Moça De Feira
03. Sertão Sofredor
04. Xote das Moças
05. O Delegado No Coco
06. Gibão de Couro
07. Comício de Mato
08. Meu Pajeú




Review: Baroness - Yellow & Green (2012)

 


Yellow & Green é o melhor e mais importante álbum do Baroness. A virada de chave da banda norte-americana. Pretencioso até a alma e bom até dizer chega, o terceiro trabalho do grupo - um CD duplo com 18 faixas - mostra o quarteto investindo em uma sonoridade mais ampla, muito além do sludge com elementos progressivos dos trabalhos anteriores, Red Album (2007) e Blue Record (2009).

John Baizley (vocal e guitarra), Peter Adams (guitarra), Matt Maggioni (baixo) e Allen Bickle (bateria) deram um passo decisivo em Yellow & Green. Se antes a banda já era um dos mais cultuados nomes do metal ianque, aqui o Baroness extrapola e quebra barreiras, tanto estilíscas quanto de público.

Produzido por John Congleton (Modest Mouse, Okkervil River, The Polyphonic Spree), Yellow & Green é um trabalho repleto de detalhes. Pesado, psicodélico, atmosférico e experimental, tudo ao mesmo tempo, o disco coloca os holofotes da música pesada focados no grupo. Resumindo em palavras: em seu terceiro disco, o Baroness soa como se o Radiohead tocasse heavy metal. Não há limites, a criatividade é onipresente, não existem preconceitos, os medos e receios foram todos embora. Isso faz com que cada faixa seja imprevisível, cada composição seja um choque. E é justamente essa sensação que faz Yellow & Green ser um disco tão impressionante.

Indo muito além do padrão e fugindo das conveniências, o Baroness arrebata. Baizley e Adams derramam guitarras gêmeas inspiradas em diversos momentos, enquanto Maggioni e Bickle trabalham como um ser único de duas cabeças, quatro braços e um mesmo objetivo. 

A principal qualidade de Yellow & Green é que trata-se de um álbum que tem como ingrediente principal algo cada vez mais em falta na música: a alma, o coração. As canções emocionam, as melodias são simples. O sentimento é palpável e contagia o ouvinte.

É estranho uma banda atual lançar um álbum duplo com 18 faixas inéditas. Soa fora de moda e deslocado no tempo. Mas mais surpreendente que isso é o fato de essas faixas serem todas pertinentes, fazendo com que os pouco mais de 70 minutos do disco passem rápido e sem traumas. Há reminiscências de Pink Floyd, Mastodon e Radiohead aos montes durante todo o play, em uma tapeçaria sonora precisa e tocante.

“Take My Bones Away”, primeiro single, é uma das melhores músicas da carreira dos caras e do metal dos anos 2000. “Eula”, o segundo, é o tipo de música com poder para conquistar uma pessoa por anos. “Cocainium” soa como se o Mastodon tivesse gravado Ok Computer. A beleza e a melancolia são onipresentes em Yellow & Green.

Quando se é um consumidor, um colecionador de discos e um ouvinte de música há um certo tempo - no meu caso, quase há 35 anos já -, a gente aprende a identificar, de imediato, aqueles trabalhos que são mais que simples CDs ou LPs e irão nos acompanhar por toda a vida. Yellow & Green é um deles. Um novo parceiro, que chega e já encontra o seu lugar confortável na vida de quem curte um som inovador, original e sem medo de experimentar novos caminhos. 

Música com vida e com alma, capaz de deixar qualquer um com o coração na boca: assim é Yellow & Green, não só o melhor disco do Baroness como também um dos grandes álbuns lançados nos últimos anos.



Review: Europe - The Final Countdown 30th Anniversary Show – Live at the Roundhouse (2017)

 


Lançado em maio de 1986, The Final Countdown, terceiro disco do Europe, é um dos mais emblemáticos álbuns do glam/hair metal. Apesar de sueca, a banda conseguiu traduzir com perfeição o clima do hard californiano, imprimiu a sua identidade e deu ao mundo um dos maiores hinos do estilo, a mais do que clássica e altamente reconhecível música título.

Celebrando os trinta anos do disco, o Europe realizou uma turnê em 2016 e 2017 apresentando o álbum na íntegra, além de diversas outras músicas de sua extensa carreira. É o registro dessa tour que temos em The Final Countdown 30th Anniversary Show – Live at the Roundhouse, box que a Hellion Records acaba de lançar no Brasil. A caixa, que contém 2 CDs e 1 DVD, saiu lá fora em 2017 e é um verdadeiro presente para os fãs. O quinteto formado por Joey Tempest (vocal), John Norum (guitarra), Mic Michaeli (teclado), John Levén (baixo) e Ian Haugland (bateria), todos excelentes músicos, entrega uma performance irretocável.

O primeiro disco traz músicas que atestam a mudança de sonoridade pela qual o Europe passou desde que retornou à atividade no início dos anos 2000, fase iniciada com Start from the Dark (2004). Ou seja: um hard rock mais clássico e que não esconde a influência de grandes ícones dos anos 1970, em contraste com o clima mais festivo presente nos discos registrados na primeira metade da carreira do grupo. O tracklist privilegia músicas de War of Kings (2015), que estava sendo promovido na época, e traz uma pegada que colocará um sorriso no rosto de quem curte um hard com bela interação entre guitarra e teclados, na linha do Deep Purple. Ao mesmo tempo, o clima oriental de “Rainbow Bridge” alinha-se com as com as experimentações de Jimmy Page e Robert Plant pela música do outro lado do mundo.

Já o disco dois vem o álbum The Final Countdown na íntegra, para delírio do público. A interação com a plateia é nitidamente maior, com vários trechos onde a audiência entoa melodias e canta os refrãos a plenos pulmões. Um fato interessante é que a banda atualiza a pegada dessas faixas para a sua proposta atual, tocando-as com mais maturidade e inserindo nuances instrumentais que as tornam ainda mais fortes. Isso sem falar de Tempest, que nos anos recentes passou a explorar os timbres mais graves de sua voz e canta dessa maneira.

O material conta também com um DVD com as 23 músicas presentes nos dois CDs gravadas no palco do The Roundhouse, com direção, produção e edição de Patric Ullaeus, um dos principais diretores de videoclipes de metal e hard rock da atualidade. Não consegui avaliar essa parte porque não tenho mais player de DVD/Blu-ray, mas vendo os clipes desse show no YouTube percebe-se que a qualidade sentida no áudio foi mantida também na parte de vídeo.

A edição da Hellion vem em um box digipack dobrável e produzido em papel de alta qualidade, além de um belo encarte com vinte e cinco páginas cheio de fotos e informações.

The Final Countdown 30th Anniversary Show – Live at the Roudhouse é um item obrigatório para fãs do Europe e uma belíssima aquisição para a coleção de quem gosta de hard rock. Vale demais!



Review: Maestrick – Espresso Della Vita: Solare (2018)

 


Sou um cara fora de moda. Pra começar, ainda compro CDs. E, veja só: costumo ouvi-los em casa, ao invés de deixá-los apenas expostos na estante. Tem outra coisa que também faço e não vejo muito por aí: não elogio uma banda brasileira só por ela ser brasileira. Não acredito que o corporativismo e o relativismo sejam o caminho para a construção de uma cena cada vez mais criativa, relevante e forte aqui no Brasil. No meu modo de ver, isso deve ser feito de outra maneira: com bandas criativas, que pensem fora da caixa e que, por isso mesmo, merecem todo espaço possível para divulgação de seus trabalhos.

Esse é o caso do Maestrick. Formado em 2004 em São José do Rio Preto, o grupo – que conta atualmente com Fabio Caldeira (vocal, teclado e piano), Renato Somera (baixo e voz gutural) e Heitor Matos (bateria) -, lançou no final de 2018 o seu segundo álbum, Espresso Della Vita: Solare, que acabou de chegar em minhas mãos. O disco é o sucessor de Unpuzzle! (2011) e mostra uma clara evolução em relação à estreia. Adair Daufembach responde pela guitarra (e também pela produção, ao lado da banda) e Rubinho Silva pelos violões, em participações especiais.

O Maestrick abriu o leque em Espresso Della Vita: Solare. A sonoridade, que já dava pistas de querer romper os limites do prog metal, aqui faz isso sem cerimônias. A inclusão de elementos de música brasileira, como a viola que introduz “Rooster Race”, ganha a companhia de uma melodia que é o mais puro som de Liverpool na deliciosa “Daily View”. E as experimentações seguem por todo o trabalho, mostrando uma inquietação criativa muito positiva. Orquestrações e camas de teclados discretas pontuam a maioria das músicas, enquanto melodias e pontes que não escondem a influência do Queen aparecem aqui e acolá, como demonstra “Keep Trying”.

A veia prog surge forte na grandiosa “The Seed”, com rupturas de dinâmicas e andamentos quebrados bem na escola mais ortodoxa do gênero. Os belos coros que introduzem e encerram a canção são outro destaque naquela que é, provavelmente, a música mais progressiva do disco, superando os 15 minutos de duração e com lindas passagens instrumentais (aliás, a melodia de piano que surge na parte final me lembrou de maneira sutil a arrepiante “Tubular Bells”, de Mike Oldfield, presente na trilha do filme O Exorcista, de 1973). Este é o alicerce central do disco.

A grandiosidade de “The Seed” é quebrada por “Far West”, bem mais direta e com um trecho central em que a banda traz a música circense para a ordem do dia. Em “Penitência” o grupo canta em português uma espécie de repente prog metal sensacional, mostrando mais uma vez o quanto a presença de ritmos regionais e de um tempero étnico são caminhos sempre bem-vindos para destacar uma banda. Uma música linda! Essa abordagem é retomada em “Hijos De La Tierra”, com a letra trazendo trechos em espanhol e inglês.

O CD vem em um belo digipack feito da maneira que deve ser feito, e não como algumas gravadoras brasileiras tem produzido ultimamente, como a vergonhosa edição nacional do último álbum do Ghost, Prequelle, por exemplo, cujo digipack parece feito de papel sulfite. Aqui a coisa é outra, com papel de alta qualidade, impressão excelente e um longo encarte de 23 páginas com todas as letras e ilustrações exclusivas para cada uma delas. Vale mencionar que a Som do Darma (empresa de agenciamento e assessoria de imprensa) e a Die Hard (loja de discos de São Paulo) ajudaram a viabilizar o projeto.

Espresso Della Vita: Solare é um trabalho riquíssimo, com uma pluralidade musical desconcertante e onde o Maestrick faz questão de mostrar que consegue trilhar pelos mais variados caminhos, porém sem nunca fazer essas escolhas soarem pedantes ou desnecessárias. Um álbum muito bonito e acima da maioria do que se produz aqui no Brasil, com um resultado final que mais uma vez impressiona e mostra o quanto essa banda é incrível.

Um disco assim dá vontade de elogiar por dias e merece todos os aplausos possíveis, tendo ele sido gravado por uma banda brasileira ou não.





Review: Iron Fire – Beyond the Void (2019)

 


Formado em 1995, o trio Iron Fire chega ao seu décimo disco em Beyond the Void, lançado na Europa em março e disponibilizado no Brasil pela Hellion Records. O trabalho traz a banda de Martin Steene (vocal e baixo), Kirk Backarach (guitarra) e Gunnar Olsen (bateria) em doze músicas de puro power metal.

A pegada do Iron Fire é muito mais agressiva do que a visão que o público em geral possui do gênero, que aqui no Brasil é chamado também de metal melódico. Os dinamarqueses tem muito foco no “power” do termo, e isso se traduz em uma agressividade sempre presente, riffs pesados e vocais mais graves. A influência principal é o Judas Priest, sem dúvida, com a devida modernização para uma pegada mais atual.

As faixas são bem feitas, e mesmo não trazendo grandes inovações ou abordagens diferenciadas para o estilo, agradam o fã do gênero pela entrega que a banda demonstra. A melodia aliada ao peso é uma fórmula que sempre funciona, e em Beyond the Void o Iron Fire usa essa receita com precisão, resultando em um CD que agradará quem curte um metal mais tradicional.

Vale destacar o belo trabalho gráfico da edição nacional, tanto pela impressão quanto pela qualidade do papel, com direito a um encarte de 20 páginas com todas as letras e informações sobre a banda.

Beyond the Void é um disco extremamente agradável para quem é fã das nuances mais tradicionais do heavy metal, e agradará em cheio quem curte nomes como Primal Fear e assemelhados.



Kikagaku Moyo – Masana Temples (2018)

 

Medeiros/Lucas – Sol de Março (2018)

 

Jacco Gardner – Somnium (2018)


Morphine – Cure for Pain (1993)

 

The Jesus and Mary Chain – Psychocandy (1985)

 

António Variações “Estou Além” (1982)

 

A notícia chegou numa manhã de Santo António. Com apenas 39 anos de idade, e uma obra discográfica editada então feita de dois álbuns e dois singles, António Variações deixava-nos a 13 de junho de 1984. Em apenas dois anos os seus discos tinham ajudado a definir uma das páginas mais marcantes e únicas da história da música portuguesa, não só estabelecendo pontes entre Braga e Nova Iorque (como ele mesmo disse) como entre gerações, num raro caso de transversalidade que ainda hoje não teve igual.

A assinalar, hoje, os 38 anos passados sobre essa manhã de junho de 1984 (numa altura em que começávamos todos a escutar as canções do álbum Dar e Receber), recordamos um dos dois temas que, apenas dois anos antes, tinham assegurado a sua estreia com um primeiro single, e que agora faz 40 anos de vida e que representou uma muito desejada estreia em disco para o músico (e barbeiro) que há muito estava ligado à Valentim de Carvalho, porém sem obra ainda editada.

Nesse 45 rotações (que tanto saiu em single de sete polegadas como em máxi) surgia uma versão – nada canónica – de “Povo Que Lavas no Rio”, canção que havido sido imortalizada na voz de Amália mas que, com ele, ganhava outra das interpretações de referência.

Na outra face do vinil, a visão pop de “Estou Além” revelava, além da música, da voz e da imagem, uma personalidade muito peculiar na escrita. E, depois, um trabalho de diálogo com outros músicos e produtores que o ajudaram a moldar as ideias.

Reinventada por outros ou na versão original, “Estou Além” na verdade nunca nos deixou. E, 40 anos depois de surgir pela primeira vez em disco, a canção transformou-se, de facto, num ‘standard’ do cancioneiro pop português.




Bananarama “Cruel Summer” (1983)

 Editado em 1983 “Cruel Summer” deu às Bananarama e à pop dos anos 80 não só uma canção com sabor a verão mas também um clássico maior da música pop. 

Apesar de ser hoje reconhecido como um dos clássicos maiores das Bananarama (e da pop dos oitentas), esta canção – que, editada em junho de 1983, representava a primeira manifestação do que poderia ser a música do grupo depois de um belo álbum de estreia, foi inicialmente apenas um caso de popularidade no Reino Unido, conhecendo depois, através da banda sonora de Karate Kid, uma plataforma de maior exposição global. 

Depois das Supremes ou de Martha and The Vandellas, e bem antes das Spice Girls, houve uma girl band a dar que falar entre o panorama da música pop dos oitentas. Formadas em 1979 em Londres entre três antigas colegas (e amigas) dos dias de escola que eram claras seguidoras dos acontecimentos em clima punk, as Bananarama começaram por contribuir com coros ou participações especiais em concertos de nomes como os The Jam, Monochrome Set ou Iggy Pop. Viviam então por cima da sala de ensaio de antigos membros dos Sex Pistols e com a sua ajuda gravaram a maquete de Aie a Mwana, canção em swahili que levaram à ronda das editoras, de lá regressando com um acordo editorial (e um primeiro single, lançado em 1981). O arranque de carreira conheceu ainda uma colaboração no single de 1982 T’ain’t What You Do (It’s the Way That You Do It) dos Fun Boy Three, uma banda entretanto nascida da separação dos The Specials.

Em 1983, depois de mais um single de sucesso – Really Saying Something (onde os Fun Boy Three participaram em jeito de retribuição) e Shy Boy – o álbum de estreia Deep Sea Skiving, com capa com sabor a maresia, confirmava as potencialidades de uma visão pop que, nos anos seguintes se afastaria de terrenos pós-punk para rumar a uma carreira de sucesso mainstream. Este disco que cruzava uma certa dose de maresia tropical com os espaços da canção pop, é como uma pérola algo esquecida (porque ofuscada) pelo brilho mais polido de criações posteriores, nomeadamente os êxitos pop que a as projetaram globalmente depois do impacte da sua versão de Venus, editada em 1986. Cruel Summer nasceu ainda nesse mesmo 1983 como o passo imediatamente a seguir a  Deep Sea Skiving e ainda transporta ecos do que ali acontecia. Contudo, à luminosidade com maresia que a própria capa do álbum de estreia sugeria, este novo single cantava o verão, mas de uma forma diferente das mais frequentes celebrações para praia, calor e mar…

Cruel Summer é, na verdade, uma visão atípica do modelo temático da canção de verão já que, mesmo sob calor e a luz do sol, aqui se fala antes de perda e do vazio que fica depois de uma separação. A canção traduz, como a própria banda reconheceu, a face mais assombrada da música que retrata o verão, sublinha o sufoco do calor extremo e lança metáforas que depois transportam o clima para uma dimensão mais pessoal. 


Para acompanhar o lançamento do single as Bananarama rumaram a Nova Iorque (e quem lá passou dias de verão sabe que é tudo menos cenário ameno), representando essa a sua primeira viagem à “big apple”. A meteorologia estava pelos vistos atenta à canção a cenografar e os momentos da rodagem fizeram-se sob um sol intenso, como que a captar um sentido de verdade para as imagens que assim materializaram esta canção.

Cruel Summer teve depois outras vidas, umas delas em remakes pelas próprias Bananarama, outras em versões que vão das visões pop dos Ace of Base ao rock dos Superchunk.

terça-feira, 2 de julho de 2024

Wham! “Club Tropicana” (1983)

 Editado em 1983 “Club Tropicana” foi o quarto single extraído do álbum de estreia dos Wham!. O teledisco em tons de veraneio e o sabor mais suave da canção abriu caminho para o rumo que, em 1984, levaria o grupo a um maior patamar de popularidade. 

Olhares críticos tinham habitado algumas das primeiras canções da dupla que em 1982 colocara discograficamente em cena George Michael e Andrew Ridgley. Wham Rap falava sobre sobre o desemprego (sobretudo dos mais jovens) e Bad Boys tecia  retratos sobre o conflito de gerações. Coube ao quarto (e último) single extraído do alinhamento do seu álbum de estreia – Fantastic! (1983) – abrir espaço à expressão de uma visão mais festiva, e podemos mesmo dizer hedonista, que carecterizaria a etapa seguinte na vida dos Wham! e que faria do álbum Make It Big (1984) um sério fenómeno de popularidade global, chegando mesmo a fazer deles a primeira banda pop ocidental a fazer uma pequena digressão na China, três anos depois de uma primeira abertura de portas com a música eletrónica instrumental de Jean Michel Jarre.

Club Tropicana correspondeu à segunda canção composta por George Michael e Andrew Ridgley para os Wham!. Logo depois de Wham Rap, a ideia original tinha sido lançada em 1981 e deixada inacabada por algum tempo até que a necessidade de entregar uma maquete com alguns temas a várias editoras os levou a terminar a canção, sendo por isso uma das responsáveis pelo acordo inicial com a Innervision que assinaram em 1982. Gravada nas sessões que conduziram à criação do álbum Fantastic, Club Tropicana nasceu com um arranjo distinto dos olhares com tempero de costela funk que alimentavam a alma de parte das canções do álbum. Pelo contrário aqui havia uma exuberância diferente, buscando o requinte de quem, pela música e pelas palavras, sugeria um retrato de dias de férias. Na verdade, nas entrelinhas da canção podemos ler um possível olhar crítico aos modelos de “escapadelas” rápidas e mais baratas para jovens solteiros que então ganhavam espaço nas agendas turísticas, tendo por destino rotas de calor e festa.





The Beatles “Love Me Do” (1962)

 Passam amanhã 60 anos sobre o momento em que chegou às lojas “Love Me Do”, o single que inaugurou a discografia dos Beatles, episódio maior num ano que começara bem mal para a banda nascida em Liverpool. 

Quem diria que 1962, o ano que acolheu a estreia em disco dos Beatles, tinha começado da pior maneira possível para o grupo? Pois uns dez meses antes de “Love Me Do” ter chegado às lojas de discos, os quatro elementos do grupo e o seu manager, Brian Epstein, entravam num estúdio londrino para uma sessão que lhes poderia valer o tão desejado acordo com uma editora. E não era uma qualquer editora. Era a Decca… Foi logo a 1 de janeiro, isto numa altura em que o primeiro disco do ano não era feriado. Tal como conta o biógrafo Hunter Davies, a marcação da sessão era fruto de um tipo de “pressão” que Epstein podia fazer sobre editoras, já que era dono de uma importante loja de discos em Liverpool.

Os quatro músicos tinham viajado até Londres numa carrinha maior especialmente alugada para a ocasião. Eram, então, John Lennon, George Harrison, Paul McCartney e, ainda por aqueles dias, o baterista Pete Best. Ao volante ia Neil Aspinall. Perderam-se pelo caminho, mas chegaram a Londres ainda antes das 12 badaladas. Ficaram num hotel na zona de Russell Square e contam-se histórias de terem tentado comer uma sopa ali perto, em Charing Cross Rd, e de terem protestado pelo preço… 

Na manhã seguinte Brian Epstein, que tinha viajado de comboio, foi o primeiro a chegar ao estúdio. Depois chegaram os músicos, que ligaram eles mesmos os seus amplificadores e começaram a tocar. Hunter Davies conta  no seu livro memórias desse episódio: “Brian aconselhou-os a tocar apenas standards, pelo que não apresentaram canções suas. (…) Estavam assustados. O Paul não conseguiu cantar uma das canções. Estava muito nervoso e a sua voz não aguentou. Estavam meio assustados com a luz vermelha”. Na biografia oral “Anthology” George Harrsison recorda que por aqueles dias “muitas das canções de rock’n’roll eram temas antigos dos anos 40 e 50, ou lá o que fosse, que tinham sido arrocalhados. Era o que se fazia se não se tinha temas próprios: arrocalhar um tema antigo. Joe Brown tinha gravado uma versão rock’n’roll de The Sheik Of Araby”. George cantou Sheik Of Araby. Paul cantou September in The Rain… Ao todo a sessão durou cerca de duas horas e, depois, fez-se silêncio… 

Passou algum tempo até que finalmente chegasse uma resposta da Decca. Um “não” que na verdade não esperavam, como de resto se pode deduzir a partir das memórias que Lennon e McCartney partilham em “Antology”. McCartney explica ali que consegue compreender porque fracassaram nessa ocasião e acrescenta até que, naqueles dias, os Beatles não eram então “assim tão bons, apesar de haver ali algumas coisas interessantes e originais”. John Lennon, por seu lado, afirma ali que não teria respondido aos  Beatles com um “não” com base naquela sessão: “Soava bem. Especialmente a segunda metade (…) Não havia muita gente a tocar música daquela maneira, então. Acho que a Decca esperava que fossemos mais polidos, mas estávamos apenas a gravar uma maquete! Deviam ter visto o nosso potencial”.

Matinham-se assim sem editora, mas gozavam d um estatuto em franca afirmação (sobretudo em casa, ou seja, em Liverpool), pelo que logo regressaram aos palcos, tendo surgido então por várias ocasiões no cartaz do Cavern logo nas primeiras semanas do ano. E logo em janeiro desse ano surgem em disco como banda de acompanhamento de Tony Sheridan (apesar de indicados na capa do disco como The Beat Brothers).

Ao “não” da Decca juntaram-se depois outras respostas semelhantes em várias editoras. Fizeram mesmo uma coleção de “nãos”… Mas Brian Epstein não desistia. E continuava à procura de alguém que se interessasse pelos Beatles. E para facilitar o trabalho pegou nas fitas das sessões de 1 de janeiro e levou-as à loja da HMV em Oxford Street (em Londres), com o intuito de as registar em disco. E foi aí que a sorte começou a mudar. O técnico que o recebeu escutou a gravação, gostou do que ouviu, chamou a atenção de um Publisher que trabalhava no andar de cima, acrescentando que ia falar a um amigo seu sobre o que ali estava a ouvir. O amigo não era mais do que George Martin, com quem Brian Epstein acabou então por falar, enviando logo depois aos Beatles (entretanto a passar nova temporada de trabalho em Hamburgo) um telegrama onde os avisava que a EMI lhes pedia uma sessão, pelo que era preciso ensaiar novas canções.

E é por esses dias que os Beatles tinham começado a integrar canções de sua autoria no alinhamento dos seus concertos. E entre essas primeiras canções estava Love Me Do, que na verdade tinha já uma história antiga, lembrando Lennon, em “Anthology”, que Paul a tocava desde os 15 anos. A sessão para a EMI (via Parlophone, etiqueta à qual George Martin estava ligado) teve lugar a 6 de junho de 1962. Brian Epstein tinha já informado o produtor sobre a lista de canções que poderiam tocar, entre as quais estavam Love Me Do, PS I Love You, Ask Me Why e Hello Little Girl. Todavia, como explica Hunter Davis na sua biografia dos Beatles, as “sugestões principais” eram ainda versões de standards como, por exemplo, Besame Mucho”. A sessão, pelos vistos, correu bem e foi um momento bem humorado que selou desde logo um bom relacionamento futuro com o produtor. Mesmo assim a resposta não foi imediata, tendo chegado apenas semanas mais tarde, já em julho. É aí que o produtor fala do interesse da Parlophone em assinar um contrato com os Beates. O momento de felicidade foi total mas, como descreve Hunter Davis, “não disseram nada a Pete Best”… Paul McCartney descreveria mais tarde que George Martin os chamou para vincar que estava insatisfeito com o baterista, perguntando se admitiam a hipótese de o trocar. Podemos ler em “Anthology” observações de Lennon e McCartney sobre o baterista, usando expressões como “inofensivo” ou “limitado” ou uma observação que nota que “não era rápido”, notando-se, como contraponto, que a chegada de Ringo Starr lhes trouxe “outro impulso”, alguns “breaks mais imaginativos”, uma “batida sólida”, além de observações sobre uma “inteligência lacónica” e até o “charme à Buster Keaton”.

Já com Ringo a bordo, os Beatles tinham finalmente pela frente a sessão oficial para a gravação de um primeiro single. E para a ocasião foi escolhido Love Me Do, uma canção que, segundo George Martin (como descreve Hunter Davies) tinha a sua alma na harmónica tocada por John Lennon. A sessão teve lugar a 4 de Setembro de 1962. Os músicos (incluindo Pete Best) chegaram a estúdio às dez em ponto e montaram o seu equipamento, estando prontos, meia hora depois, para começar a gravar as quatro canções que tinham ensaiado, entre as quais estava também Please Please Me. Pararam para almoçar no Alma Club, mesmo na esquina das traseiras de St John’s Wood. E voltaram a gravar durante a tardem, até às 17.30. Uma semana depois, a 11 de setembro, quando regressam para completar as sessões, encontram um outro baterista à espera dos Beatles… Era Andy White, um músico habituado a tocar em sessões de estúdio que George Martin tinha chamado para, a seu ver, garantir que tudo corresse bem… O produtor, como recorda Ringo em “Anthology” usou o “profissional”. Ringo acrescenta que White estava já de sobreaviso “por causa do Pete Best”, pelo que o produtor “não queria correr riscos”. Mas, nas suas palavras, Ringo ficou “ali apanhado no meio” e acabou “devastado” pelo facto de George Martin ter duvidas sobre as suas capacidades. Não faltaram depois, nos anos seguintes, muitas ocasiões em que George Martin pediu desculpa a Ringo pelo que ali aconteceu na segunda sessão de gravação. E essa troca é a razão pela qual, no single, não escutamos Ringo em Love Me Do, facto que seria depois corrigido na versão usada depois no álbum Please Please Me, lançado no início de 1963.

Entre aquelas sessões, em setembro de 1962, gravaram ao todo 17 takes de Love Me Do. No lado B do single surgia P.S. I Love You, tema que chegou a ser ponderado para o lado A, perdendo a escolha em favor de Love Me Do. Na verdade George Martin chegou a ponderar ainda editar no lado A uma versão de um tema de Mitch Murray, acabando por optar por um original dos Beatles. 

A 5 de outubro chegava às lojas um sete polegadas com capa genérica mostrando as cores então usadas em lançamentos da Parlophone a 45 rotações (as capas ilustradas correspondem a reedições posteriores). Ainda longe dos êxitos maiores que chegariam em 1963, o single de estreia dos Beatles alcançou o número 17 no Reino Unido. Hoje podemos escutar as versões gravadas com os três bateristas (surgindo a de Pete Best, registada na sessão de audição para a EMI, na compilação Anthology 1). 


Destaque

Luiz Gonzaga - O Reino do Baião (1957)

  Disco lançado em 1957 pela RCA, destaque para as canções "Forró no escuro" e "O delegado do coco''. Faixas do álbum...