quarta-feira, 3 de julho de 2024
Luiz Gonzaga - O Reino do Baião (1957)
Review: Baroness - Yellow & Green (2012)
Produzido por John Congleton (Modest Mouse, Okkervil River, The Polyphonic Spree), Yellow & Green é um trabalho repleto de detalhes. Pesado, psicodélico, atmosférico e experimental, tudo ao mesmo tempo, o disco coloca os holofotes da música pesada focados no grupo. Resumindo em palavras: em seu terceiro disco, o Baroness soa como se o Radiohead tocasse heavy metal. Não há limites, a criatividade é onipresente, não existem preconceitos, os medos e receios foram todos embora. Isso faz com que cada faixa seja imprevisível, cada composição seja um choque. E é justamente essa sensação que faz Yellow & Green ser um disco tão impressionante.
Review: Europe - The Final Countdown 30th Anniversary Show – Live at the Roundhouse (2017)
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Review: Maestrick – Espresso Della Vita: Solare (2018)
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Review: Iron Fire – Beyond the Void (2019)
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Kikagaku Moyo – Masana Temples (2018)
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Em Masana Temples, os japoneses Kikagaku Moyo dão-nos a mão para uma viagem a várias latitudes sonoras com o rock psicadélico como fio condutor.
Os Kikagaku Moyo (qualquer coisa como padrões geométricos, em português) são uma banda de Tóquio formada em 2012 e já com quatro álbuns e dois EP’s editados. O seu último trabalho, Masana Temples, foi gravado em Lisboa e produzido por Bruno Pernadas, e sim, japoneses psicadélicos na capital portuguesa vai ter sempre um toque bizarro e é mesmo isso que se espera.
Fruto desta relação, à partida improvável, ou das várias influências e viagens dos membros da banda, este disco vai além do psicadélico, prog ou rock, abraçando novas abordagens e criando uma viagem emocional com altos e baixos, desde o animado wah-wah com toques dos anos 60 em “Dripping Sun”, que abre num rock cheio de pratos de choque, ao dançável e sincopado “Nana”.
O facto de não entendermos as letras leva-nos a apreciar a música por si, e isso ajuda a salientar a qualidade das composições e da gravação, que convida a um bom sistema de som ou um par de auscultadores de qualidade, para perceber as várias camadas de sons que a banda criou neste álbum.
Comparando este Masana Temples com algumas canções anteriores de Kikagaku Moyo, a banda está mais polida e consistente. As influências culturais sempre lá estiveram, como em “Streets of Calcutta” de 2014 e os vários estilos também, como comprovam várias canções no disco House In The Tall Grass de 2016. Neste novo trabalho, “Gatherings” talvez seja a música que mais soa aos anteriores trabalhos, com o fuzz psicadélico e a composição em crescendo mas de uma forma geral, estes Kikagaku Moyo são mais fáceis no ouvido, a lembrar por vezes a luminosidade de uns Boogarins, na contemplativa “Orange Peel”, ou os também japoneses Sour, nos atrevimentos jazzísticos em algumas faixas (e muitos outros do estilo mas por ser cantado em japonês fez saltar esta memória musical), especialmente a extremamente bem conseguida “Dripping Sun”.
Este é o trabalho mais completo destes japoneses psicadélicos com ligação a Lisboa, um bom disco para descobrir e ouvir sem pressas.
Medeiros/Lucas – Sol de Março (2018)
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Em Sol de Março, o terceiro disco da dupla Medeiros/Lucas, a voz de Medeiros está ainda mais quente e os instrumentais de Lucas mais cheios do que nos dois antecessores. E as letras de João Pedro Porto continuam a reflectir uma açorianidade das quais os principais mentores do projecto não desejam – nem devem – abdicar.
E apesar de continuarem a cantar a tradição açoriana, desta vez há piscares de olhos a África e à Europa, porque cantar e experimentar continua a não incomodar Pedro Lucas e Carlos Medeiros. E se no disco Terra do Corpo (2016), Tó Trips Dead Combo foi convidado especial (bem como Carlos Barreto e Rui de Carvalho – Filho da Mãe), continua a sentir-se a influência do guitarrista em temas como “Os Pássaros”.
Sol de Março tem momentos de tremenda beleza – a faixa título, “Obscurantismo” e “Podre Poder”, para nomear alguns – e outros menos bem conseguidos, como “Em Condicional”, em que a dupla se atira para águas demasiado profundas e perde as ligações ao cancioneiro açoriano.
Ouvir as canções de Medeiros/Lucas não substitui uma ida aos Açores (na verdade, poucas experiências podem substituir a sensação de chegar às ilhas), mas serve como um bom complemento ao cancioneiro português. Porque, tal como Zeca Afonso fez com o Cante Alentejano, Fausto Bordalo Dias com as tradições populares, ou Zé Mário Branco com os grandes poetas, ou mesmo Zeca Medeiros com a música dos Açores, esta dupla foi essencial para tornar mais “comercial” a sonoridade das ilhas. E, quando um dia se fizer uma recolha sobre a música açoriana, os Medeiros/Lucas merecem, pelo menos, uma nota de rodapé.
Jacco Gardner – Somnium (2018)
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Ao terceiro disco, Jacco Gardner esquece as palavras e dá-nos uma viagem pelo seu mundo em modo ambiente. O percurso é satisfatório mas sabe a pouco.
O pequeno holandês, actualmente a viver em Portugal (quem não está nos dias de hoje?), já mostrou ser um nome a ter em conta na mais recente vaga psicadélica do início da década. O seu imaginário, bastante influenciado por Syd Barrett, fez-se sentir no seu disco de estreia, Cabinet of Curiosities, um dos discos do ano para o Altamont, no qual fizemos uma grande viagem pelo surreal e onírico. Dois anos após o seu primeiro trabalho, seguiu-se Hypnophobia, uma boa continuação daquilo que Jacco nos havia mostrado, tendo começado a explorar mais o lado instrumental.
No entanto, a grande surpresa veio este ano com Somnium, um disco totalmente instrumental e, acrescentamos, experimental. Mais que viagens surrealistas por florestas ou lagos, Jacco leva-nos a um mundo mais futurista e maquinal, onde se nota a influência do krautrock, especialmente de Tangerine Dream (“Rising”), Neu! (“Eclipse”) ou até de Mike Oldfield (“Privolva”). A falta de letras nas músicas faz com que este disco perca em comparação com os trabalhos anteriores. É um bom álbum de experimentação mas faz muita falta a voz de Jacco a guiar-nos por viagens que nos faziam lembrar os nossos tempos de criança.
Ao contrário de Endless River dos Pink Floyd, praticamente todo instrumental, onde a música e os arranjos fazem o necessário para nos sentirmos no universo Floyd e não precisarmos propriamente da música cantada, em Somnium sentimos um certo abandono de Jacco. Esperamos que da próxima vez não nos abandone num chalé na floresta apenas com os instrumentos ligados…
Morphine – Cure for Pain (1993)
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Um falso jazz que é, na verdade, rock sem guitarras. À originalidade dos timbres junta-se a grandeza das canções.
No primeiro álbum, os Morphine já tinham inventado a sua imagem de marca: a única banda no sistema solar a ter apenas um saxofone, uma bateria e um baixo de duas cordas. Mas Good era demasiado delicado para que o mundo lhe prestasse atenção. Tudo mudou com o roqueiro Cure For Pain. No centro estão os riffs musculados do baixo e do saxofone, tresandando a blues e a poeira da estrada. O baixo é agora distorcido, lançando chispas com o seu slide feroz. O saxofone é mais rítmico e groovy, e o novo baterista – mais enérgico e possante. Conseguir ser tão inequivocamente rock’n’roll sem uma única guitarra é a sua grande proeza e blasfémia.
Não se deixem ludibriar pelo saxofone. Do jazz, vão buscar apenas o imaginário e não a linguagem. Tudo neles nos transporta para os clubes de bebop dos livros do Kerouac: fumarentos, noctívagos, ensopados em whisky e transgressão. A aura beatnick de Mark Sandman também ajuda, orgulhosamente anacrónica, mais próxima da North Beach dos anos 50 do que da flanela grungy dos anos 90. Uma pitada de sensibilidade noir faz o resto: a sensualidade do saxofone traz o perfume inebriante de uma mulher fatal.
Toda a grandeza dos Morphine decorre das limitações que eles se impuseram a si próprios. Fazer um instrumento com apenas duas cordas soar cheio e relevante não é um desafio fácil, como também não o é rockar sem uma única guitarra. A escassez aguça sempre o engenho.
A malta mais arty preferirá os mais experimentais Good e The Night. Quem, contudo, der primazia à beleza e eficácia pop das canções, terá aqui o seu álbum favorito. Na dúvida, ouçam todos, pois a memória desta grande banda dos nineties está a desvanecer-se. Não deixem Mark Sandman morrer outra vez.
The Jesus and Mary Chain – Psychocandy (1985)
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É pop. É ruído. É Psychocandy.
A noise pop não foi inventada pelos Jesus and Mary Chain – os Velvet e os Ramones já o faziam muito antes – mas os escoceses apuraram o conceito, acentuando o contraste entre a “popalhice” das melodias e o ruído e feedback das guitarras. E foi logo no álbum de estreia que levaram essa estética da oposição ao limite. Imaginem Scarlett Johansson a salpicar o seu corpo com ácido. Isso é Psychocandy.
O que os movia era um desdém profundo pelo mainstream dos anos 80. Onde os eighties são limpinhos, artificiais e “modernaços”, os Jesus and Mary Chain são sujos, orgânicos e revivalistas. O ruído da guitarra soa a interferências electrostáticas, chaleiras a apitar e brocas de dentistas. Os microfones são colocados a quilómetros, de tal maneira que o disco soa sempre como se estivesse a ser tocado no andar do vizinho. O baixo – vários anos antes dos Morphine – tem apenas duas cordas. A voz é blasé e anti-sentimental, cheia de reverberação. A bateria, escandalosamente simples, é roubada a Phil Spector. As melodias evocam a pop cândida anterior aos Beatles, especialmente a das girl groups, como as Ronettes e as Shangri-Las. As letras, pelo contrário, são perversas, tresandando a sexo, drogas e rock’n’roll. A mais pura inocência manchada pela mais degenerada depravação.
No seu tempo, eram a banda mais cool do planeta. A sua coolness era toda ela baseada na indiferença arrogante. Eram os maiores porque odiavam agradar. Eram vaidosos e provocadores nas entrevistas. Tocavam de costas voltadas para o público. Faziam concertos de 10 minutos, alimentando motins. Usavam sempre óculos escuros, fizesse sol, fizesse chuva.
O legado de Psychocandy é gigante. Sem este disco não haveria Pixies, Spiritualized ou My Bloody Valentine. O shoegazing deve-lhe tudo: a obsessão pelo reverb e pelos pedais de distorção, a postura em palco distante e misantropa, o melodismo sonhador. Onde o açúcar da pop se encontrar com o limão do ruído, Psychocandy não será esquecido.
António Variações “Estou Além” (1982)
A notícia chegou numa manhã de Santo António. Com apenas 39 anos de idade, e uma obra discográfica editada então feita de dois álbuns e dois singles, António Variações deixava-nos a 13 de junho de 1984. Em apenas dois anos os seus discos tinham ajudado a definir uma das páginas mais marcantes e únicas da história da música portuguesa, não só estabelecendo pontes entre Braga e Nova Iorque (como ele mesmo disse) como entre gerações, num raro caso de transversalidade que ainda hoje não teve igual.
A assinalar, hoje, os 38 anos passados sobre essa manhã de junho de 1984 (numa altura em que começávamos todos a escutar as canções do álbum Dar e Receber), recordamos um dos dois temas que, apenas dois anos antes, tinham assegurado a sua estreia com um primeiro single, e que agora faz 40 anos de vida e que representou uma muito desejada estreia em disco para o músico (e barbeiro) que há muito estava ligado à Valentim de Carvalho, porém sem obra ainda editada.
Nesse 45 rotações (que tanto saiu em single de sete polegadas como em máxi) surgia uma versão – nada canónica – de “Povo Que Lavas no Rio”, canção que havido sido imortalizada na voz de Amália mas que, com ele, ganhava outra das interpretações de referência.
Na outra face do vinil, a visão pop de “Estou Além” revelava, além da música, da voz e da imagem, uma personalidade muito peculiar na escrita. E, depois, um trabalho de diálogo com outros músicos e produtores que o ajudaram a moldar as ideias.
Reinventada por outros ou na versão original, “Estou Além” na verdade nunca nos deixou. E, 40 anos depois de surgir pela primeira vez em disco, a canção transformou-se, de facto, num ‘standard’ do cancioneiro pop português.
Bananarama “Cruel Summer” (1983)
Editado em 1983 “Cruel Summer” deu às Bananarama e à pop dos anos 80 não só uma canção com sabor a verão mas também um clássico maior da música pop.
Apesar de ser hoje reconhecido como um dos clássicos maiores das Bananarama (e da pop dos oitentas), esta canção – que, editada em junho de 1983, representava a primeira manifestação do que poderia ser a música do grupo depois de um belo álbum de estreia, foi inicialmente apenas um caso de popularidade no Reino Unido, conhecendo depois, através da banda sonora de Karate Kid, uma plataforma de maior exposição global.
Depois das Supremes ou de Martha and The Vandellas, e bem antes das Spice Girls, houve uma girl band a dar que falar entre o panorama da música pop dos oitentas. Formadas em 1979 em Londres entre três antigas colegas (e amigas) dos dias de escola que eram claras seguidoras dos acontecimentos em clima punk, as Bananarama começaram por contribuir com coros ou participações especiais em concertos de nomes como os The Jam, Monochrome Set ou Iggy Pop. Viviam então por cima da sala de ensaio de antigos membros dos Sex Pistols e com a sua ajuda gravaram a maquete de Aie a Mwana, canção em swahili que levaram à ronda das editoras, de lá regressando com um acordo editorial (e um primeiro single, lançado em 1981). O arranque de carreira conheceu ainda uma colaboração no single de 1982 T’ain’t What You Do (It’s the Way That You Do It) dos Fun Boy Three, uma banda entretanto nascida da separação dos The Specials.
Em 1983, depois de mais um single de sucesso – Really Saying Something (onde os Fun Boy Three participaram em jeito de retribuição) e Shy Boy – o álbum de estreia Deep Sea Skiving, com capa com sabor a maresia, confirmava as potencialidades de uma visão pop que, nos anos seguintes se afastaria de terrenos pós-punk para rumar a uma carreira de sucesso mainstream. Este disco que cruzava uma certa dose de maresia tropical com os espaços da canção pop, é como uma pérola algo esquecida (porque ofuscada) pelo brilho mais polido de criações posteriores, nomeadamente os êxitos pop que a as projetaram globalmente depois do impacte da sua versão de Venus, editada em 1986. Cruel Summer nasceu ainda nesse mesmo 1983 como o passo imediatamente a seguir a Deep Sea Skiving e ainda transporta ecos do que ali acontecia. Contudo, à luminosidade com maresia que a própria capa do álbum de estreia sugeria, este novo single cantava o verão, mas de uma forma diferente das mais frequentes celebrações para praia, calor e mar…
Cruel Summer é, na verdade, uma visão atípica do modelo temático da canção de verão já que, mesmo sob calor e a luz do sol, aqui se fala antes de perda e do vazio que fica depois de uma separação. A canção traduz, como a própria banda reconheceu, a face mais assombrada da música que retrata o verão, sublinha o sufoco do calor extremo e lança metáforas que depois transportam o clima para uma dimensão mais pessoal.
Para acompanhar o lançamento do single as Bananarama rumaram a Nova Iorque (e quem lá passou dias de verão sabe que é tudo menos cenário ameno), representando essa a sua primeira viagem à “big apple”. A meteorologia estava pelos vistos atenta à canção a cenografar e os momentos da rodagem fizeram-se sob um sol intenso, como que a captar um sentido de verdade para as imagens que assim materializaram esta canção.
Cruel Summer teve depois outras vidas, umas delas em remakes pelas próprias Bananarama, outras em versões que vão das visões pop dos Ace of Base ao rock dos Superchunk.
terça-feira, 2 de julho de 2024
Wham! “Club Tropicana” (1983)
Editado em 1983 “Club Tropicana” foi o quarto single extraído do álbum de estreia dos Wham!. O teledisco em tons de veraneio e o sabor mais suave da canção abriu caminho para o rumo que, em 1984, levaria o grupo a um maior patamar de popularidade.
Olhares críticos tinham habitado algumas das primeiras canções da dupla que em 1982 colocara discograficamente em cena George Michael e Andrew Ridgley. Wham Rap falava sobre sobre o desemprego (sobretudo dos mais jovens) e Bad Boys tecia retratos sobre o conflito de gerações. Coube ao quarto (e último) single extraído do alinhamento do seu álbum de estreia – Fantastic! (1983) – abrir espaço à expressão de uma visão mais festiva, e podemos mesmo dizer hedonista, que carecterizaria a etapa seguinte na vida dos Wham! e que faria do álbum Make It Big (1984) um sério fenómeno de popularidade global, chegando mesmo a fazer deles a primeira banda pop ocidental a fazer uma pequena digressão na China, três anos depois de uma primeira abertura de portas com a música eletrónica instrumental de Jean Michel Jarre.
Club Tropicana correspondeu à segunda canção composta por George Michael e Andrew Ridgley para os Wham!. Logo depois de Wham Rap, a ideia original tinha sido lançada em 1981 e deixada inacabada por algum tempo até que a necessidade de entregar uma maquete com alguns temas a várias editoras os levou a terminar a canção, sendo por isso uma das responsáveis pelo acordo inicial com a Innervision que assinaram em 1982. Gravada nas sessões que conduziram à criação do álbum Fantastic, Club Tropicana nasceu com um arranjo distinto dos olhares com tempero de costela funk que alimentavam a alma de parte das canções do álbum. Pelo contrário aqui havia uma exuberância diferente, buscando o requinte de quem, pela música e pelas palavras, sugeria um retrato de dias de férias. Na verdade, nas entrelinhas da canção podemos ler um possível olhar crítico aos modelos de “escapadelas” rápidas e mais baratas para jovens solteiros que então ganhavam espaço nas agendas turísticas, tendo por destino rotas de calor e festa.
The Beatles “Love Me Do” (1962)
Passam amanhã 60 anos sobre o momento em que chegou às lojas “Love Me Do”, o single que inaugurou a discografia dos Beatles, episódio maior num ano que começara bem mal para a banda nascida em Liverpool.
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Quem diria que 1962, o ano que acolheu a estreia em disco dos Beatles, tinha começado da pior maneira possível para o grupo? Pois uns dez meses antes de “Love Me Do” ter chegado às lojas de discos, os quatro elementos do grupo e o seu manager, Brian Epstein, entravam num estúdio londrino para uma sessão que lhes poderia valer o tão desejado acordo com uma editora. E não era uma qualquer editora. Era a Decca… Foi logo a 1 de janeiro, isto numa altura em que o primeiro disco do ano não era feriado. Tal como conta o biógrafo Hunter Davies, a marcação da sessão era fruto de um tipo de “pressão” que Epstein podia fazer sobre editoras, já que era dono de uma importante loja de discos em Liverpool.
Os quatro músicos tinham viajado até Londres numa carrinha maior especialmente alugada para a ocasião. Eram, então, John Lennon, George Harrison, Paul McCartney e, ainda por aqueles dias, o baterista Pete Best. Ao volante ia Neil Aspinall. Perderam-se pelo caminho, mas chegaram a Londres ainda antes das 12 badaladas. Ficaram num hotel na zona de Russell Square e contam-se histórias de terem tentado comer uma sopa ali perto, em Charing Cross Rd, e de terem protestado pelo preço…
Na manhã seguinte Brian Epstein, que tinha viajado de comboio, foi o primeiro a chegar ao estúdio. Depois chegaram os músicos, que ligaram eles mesmos os seus amplificadores e começaram a tocar. Hunter Davies conta no seu livro memórias desse episódio: “Brian aconselhou-os a tocar apenas standards, pelo que não apresentaram canções suas. (…) Estavam assustados. O Paul não conseguiu cantar uma das canções. Estava muito nervoso e a sua voz não aguentou. Estavam meio assustados com a luz vermelha”. Na biografia oral “Anthology” George Harrsison recorda que por aqueles dias “muitas das canções de rock’n’roll eram temas antigos dos anos 40 e 50, ou lá o que fosse, que tinham sido arrocalhados. Era o que se fazia se não se tinha temas próprios: arrocalhar um tema antigo. Joe Brown tinha gravado uma versão rock’n’roll de The Sheik Of Araby”. George cantou Sheik Of Araby. Paul cantou September in The Rain… Ao todo a sessão durou cerca de duas horas e, depois, fez-se silêncio…
Passou algum tempo até que finalmente chegasse uma resposta da Decca. Um “não” que na verdade não esperavam, como de resto se pode deduzir a partir das memórias que Lennon e McCartney partilham em “Antology”. McCartney explica ali que consegue compreender porque fracassaram nessa ocasião e acrescenta até que, naqueles dias, os Beatles não eram então “assim tão bons, apesar de haver ali algumas coisas interessantes e originais”. John Lennon, por seu lado, afirma ali que não teria respondido aos Beatles com um “não” com base naquela sessão: “Soava bem. Especialmente a segunda metade (…) Não havia muita gente a tocar música daquela maneira, então. Acho que a Decca esperava que fossemos mais polidos, mas estávamos apenas a gravar uma maquete! Deviam ter visto o nosso potencial”.
Matinham-se assim sem editora, mas gozavam d um estatuto em franca afirmação (sobretudo em casa, ou seja, em Liverpool), pelo que logo regressaram aos palcos, tendo surgido então por várias ocasiões no cartaz do Cavern logo nas primeiras semanas do ano. E logo em janeiro desse ano surgem em disco como banda de acompanhamento de Tony Sheridan (apesar de indicados na capa do disco como The Beat Brothers).
Ao “não” da Decca juntaram-se depois outras respostas semelhantes em várias editoras. Fizeram mesmo uma coleção de “nãos”… Mas Brian Epstein não desistia. E continuava à procura de alguém que se interessasse pelos Beatles. E para facilitar o trabalho pegou nas fitas das sessões de 1 de janeiro e levou-as à loja da HMV em Oxford Street (em Londres), com o intuito de as registar em disco. E foi aí que a sorte começou a mudar. O técnico que o recebeu escutou a gravação, gostou do que ouviu, chamou a atenção de um Publisher que trabalhava no andar de cima, acrescentando que ia falar a um amigo seu sobre o que ali estava a ouvir. O amigo não era mais do que George Martin, com quem Brian Epstein acabou então por falar, enviando logo depois aos Beatles (entretanto a passar nova temporada de trabalho em Hamburgo) um telegrama onde os avisava que a EMI lhes pedia uma sessão, pelo que era preciso ensaiar novas canções.
E é por esses dias que os Beatles tinham começado a integrar canções de sua autoria no alinhamento dos seus concertos. E entre essas primeiras canções estava Love Me Do, que na verdade tinha já uma história antiga, lembrando Lennon, em “Anthology”, que Paul a tocava desde os 15 anos. A sessão para a EMI (via Parlophone, etiqueta à qual George Martin estava ligado) teve lugar a 6 de junho de 1962. Brian Epstein tinha já informado o produtor sobre a lista de canções que poderiam tocar, entre as quais estavam Love Me Do, PS I Love You, Ask Me Why e Hello Little Girl. Todavia, como explica Hunter Davis na sua biografia dos Beatles, as “sugestões principais” eram ainda versões de standards como, por exemplo, Besame Mucho”. A sessão, pelos vistos, correu bem e foi um momento bem humorado que selou desde logo um bom relacionamento futuro com o produtor. Mesmo assim a resposta não foi imediata, tendo chegado apenas semanas mais tarde, já em julho. É aí que o produtor fala do interesse da Parlophone em assinar um contrato com os Beates. O momento de felicidade foi total mas, como descreve Hunter Davis, “não disseram nada a Pete Best”… Paul McCartney descreveria mais tarde que George Martin os chamou para vincar que estava insatisfeito com o baterista, perguntando se admitiam a hipótese de o trocar. Podemos ler em “Anthology” observações de Lennon e McCartney sobre o baterista, usando expressões como “inofensivo” ou “limitado” ou uma observação que nota que “não era rápido”, notando-se, como contraponto, que a chegada de Ringo Starr lhes trouxe “outro impulso”, alguns “breaks mais imaginativos”, uma “batida sólida”, além de observações sobre uma “inteligência lacónica” e até o “charme à Buster Keaton”.
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Já com Ringo a bordo, os Beatles tinham finalmente pela frente a sessão oficial para a gravação de um primeiro single. E para a ocasião foi escolhido Love Me Do, uma canção que, segundo George Martin (como descreve Hunter Davies) tinha a sua alma na harmónica tocada por John Lennon. A sessão teve lugar a 4 de Setembro de 1962. Os músicos (incluindo Pete Best) chegaram a estúdio às dez em ponto e montaram o seu equipamento, estando prontos, meia hora depois, para começar a gravar as quatro canções que tinham ensaiado, entre as quais estava também Please Please Me. Pararam para almoçar no Alma Club, mesmo na esquina das traseiras de St John’s Wood. E voltaram a gravar durante a tardem, até às 17.30. Uma semana depois, a 11 de setembro, quando regressam para completar as sessões, encontram um outro baterista à espera dos Beatles… Era Andy White, um músico habituado a tocar em sessões de estúdio que George Martin tinha chamado para, a seu ver, garantir que tudo corresse bem… O produtor, como recorda Ringo em “Anthology” usou o “profissional”. Ringo acrescenta que White estava já de sobreaviso “por causa do Pete Best”, pelo que o produtor “não queria correr riscos”. Mas, nas suas palavras, Ringo ficou “ali apanhado no meio” e acabou “devastado” pelo facto de George Martin ter duvidas sobre as suas capacidades. Não faltaram depois, nos anos seguintes, muitas ocasiões em que George Martin pediu desculpa a Ringo pelo que ali aconteceu na segunda sessão de gravação. E essa troca é a razão pela qual, no single, não escutamos Ringo em Love Me Do, facto que seria depois corrigido na versão usada depois no álbum Please Please Me, lançado no início de 1963.
Entre aquelas sessões, em setembro de 1962, gravaram ao todo 17 takes de Love Me Do. No lado B do single surgia P.S. I Love You, tema que chegou a ser ponderado para o lado A, perdendo a escolha em favor de Love Me Do. Na verdade George Martin chegou a ponderar ainda editar no lado A uma versão de um tema de Mitch Murray, acabando por optar por um original dos Beatles.
A 5 de outubro chegava às lojas um sete polegadas com capa genérica mostrando as cores então usadas em lançamentos da Parlophone a 45 rotações (as capas ilustradas correspondem a reedições posteriores). Ainda longe dos êxitos maiores que chegariam em 1963, o single de estreia dos Beatles alcançou o número 17 no Reino Unido. Hoje podemos escutar as versões gravadas com os três bateristas (surgindo a de Pete Best, registada na sessão de audição para a EMI, na compilação Anthology 1).
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Destaque
Luiz Gonzaga - O Reino do Baião (1957)
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