sábado, 4 de janeiro de 2025

“Crosby, Stills & Nash” (Atlantic, 1969), Crosby, Stills & Nash

 



Crosby, Stills & Nash foi formado em 1968, reunindo três vozes distintas da cena do rock americano: David Crosby (1941-2023), Stephen Stills e Graham Nash. A formação do trio marcou uma virada na história do rock, pois eles combinaram seus talentos únicos para criar uma mistura harmoniosa de folk, rock e pop, que ressoou profundamente com o movimento contracultural da época. 

Em 1967, David Crosby havia deixado o The Byrds, banda que cofundou e ajudou a moldar como um dos grupos mais influentes da década de 1960. Sua saída ocorreu após tensões dentro da banda, particularmente sobre sua direção artística e visões políticas, que frequentemente estavam em desacordo com os outros membros. Stephen Stills, por outro lado, era um membro-chave do Buffalo Springfield, uma banda californiana conhecida por sua mistura inovadora de rock, folk e country. No entanto, conflitos internos e a saída de Neil Young levaram à dissolução do Buffalo Springfield. Graham Nash, vindo da Inglaterra, fazia parte do The Hollies, uma banda de sucesso da Invasão Britânica conhecida por suas harmonias firmes e sensibilidades pop. Nash, no entanto, ficou desiludido com a direção comercial do The Hollies e buscou novos desafios artísticos. 

Os três músicos já se conheciam das turnês quando suas antigas bandas se cruzavam, mas foi em julho de 1968, numa festa na casa da cantora Joni Mitchell, que Crosby, Stills e Nash cantaram juntos pela primeira vez. Tudo ocorreu de forma improvisada, nada foi planejado. Porém, foi ali que os três perceberam que suas vozes se misturavam de maneira poderosa e única. 

A química entre eles era inegável, e rapidamente decidiram trabalhar juntos. Embora ainda fosse membro oficial do The Hollies, Graham Nash já se mostrava pouco estimulado em permanecer na banda. Em dezembro de 1968, deixou o grupo para dedicar-se com mais afinco ao novo projeto ao lado de Crosby e Stills. 

No início de 1969, o trio foi a Londres para uma audição na Apple Records, selo dos Beatles, numa tentativa de conseguir um contrato para a gravação de um disco, mas não tiveram sucesso. Ao retornarem para Los Angeles, Crosby, Stills e Nash assinaram contrato com a Atlantic Records, graças ao apoio de Ahmet Ertegun (1923-2006), presidente da gravadora, que tinha grande estima pelo Buffalo Springfield e ficou desapontado com a saída de Stills da banda. 

Para evitar ficarem presos à estrutura de um grupo tradicional, decidiram usar os sobrenomes dos três para nomear o trio, garantindo sua independência. 

Crosby, Stills & Nash gravaram seu álbum de estreia entre fevereiro e março de 1969, no Wally Heider Studios, em Los Angeles, com Bill Halverson como produtor. Apesar de recém-formado, o trio conseguiu criar um som tão coeso que parecia que tocavam juntos há muito tempo. Stephen Stills, em particular, assumiu grande parte das funções instrumentais, tocando guitarra, baixo, teclado e até percussão, o que adicionou uma camada de consistência ao som do álbum. O trio contou com o apoio de Dallas Taylor, baterista de estúdio que se tornaria intimamente associado ao grupo, fornecendo a base rítmica que permitiu que as harmonias do trio fluíssem. 

Intitulado simplesmente Crosby, Stills & Nash, o álbum de estreia do trio californiano é uma obra seminal que combina folk rock, pop e elementos de psicodelia, destacando as harmonias vocais complexas e a instrumentação acústica do grupo. As músicas exploram temas variados, desde amor e relacionamentos, como em "Suite: Judy Blue Eyes" e "Helplessly Hoping," até comentários sociais e políticos, evidentes em "Wooden Ships" e "Long Time Gone." Além disso, algumas faixas abordam a autorreflexão e o misticismo, como "Guinnevere," reforçando a qualidade introspectiva e quase mítica do álbum. 

David Crosby contribuiu para o álbum com uma qualidade introspectiva e mística, usando composições poéticas que combinam reflexão pessoal com temas sociais, além de utilizar afinações de guitarra abertas, empregando um tom quente e ressonante nas harmonias vocais do trio. Stephen Stills foi o principal instrumentista, demonstrando sua versatilidade ao tocar a maioria dos instrumentos, e seus vocais poderosos adicionam um toque de soul às harmonias. Graham Nash trouxe uma sensibilidade pop ao grupo, com composições diretas e acessíveis como "Marrakesh Express" e "Lady Of The Island", proporcionando leveza e otimismo ao álbum. Sua voz de tenor alto é crucial para as harmonias do trio, dando brilho e clareza ao som. 

"Suite: Judy Blue Eyes" é a faixa de abertura do disco e uma das mais icônicas do trio. Escrita por Stephen Stills sobre seu relacionamento com a cantora Judy Collins, a canção é uma suíte dividida em quatro seções distintas, cada uma com seu próprio ritmo e atmosfera. A primeira seção é uma melodia folk-rock otimista, que se transforma em uma parte mais lenta e introspectiva, focada nas harmonias vocais características da banda. Na segunda seção, a harmonia é dividida em três partes, com um solo vocal de Stills. A terceira seção é poética, com frases cantadas por Stills, Nash e Crosby, intercaladas por pausas instrumentais. O clímax da canção chega na quarta e última seção, com vocais em espanhol, encerrando com o famoso refrão "doo-doo-doo-da-doo". 

Stephen Stillls, Graham Nash e David Crosby no Wally Heider Studios, na sessão
de gravação do primeiro álbum do trio, em fevereiro de 1969.


Composta por Graham Nash, "Marrakesh Express" é uma canção pop vibrante, que originalmente foi rejeitada pelos Hollies. É um exemplo da influência psicodélica que dominava a música pop no final dos anos 1960, com uma letra que reflete a experiência de Nash em uma viagem de trem pelo Marrocos. A guitarra de Stills se destaca, trazendo um som exótico que remete ao sitar, característico do rock psicodélico da época. 

David Crosby, por sua vez, nos oferece "Guinnevere", uma canção etérea e introspectiva que mergulha nas profundezas da poesia e da mitologia. Os versos tratam de uma figura feminina misteriosa e encantadora, comparada a uma dama da realeza, com olhos verdes e cabelos dourados. A canção possui uma estrutura incomum e afinações alternativas, destacando-se pela ausência de percussão e pela delicada interação das guitarras. É uma pausa contemplativa que convida o ouvinte à reflexão, uma característica que permeia boa parte do álbum. 

"You Don’t Have to Cry", outra contribuição de Stills, é uma balada folk que se destaca pelas harmonias vocais perfeitas do trio. A simplicidade da melodia, combinada com letras sobre amizade e apoio emocional, cria uma faixa que é tanto acessível quanto tocante, capturando a essência do som do grupo em sua forma mais pura. 

O lado mais roqueiro e experimental do álbum é revelado em "Pre-Road Downs", onde Nash conduz uma faixa energizada por guitarras com efeitos de pedal e um baixo funky. Essa música adiciona uma camada de diversidade ao álbum, mostrando que o grupo não se limitava a baladas suaves, mas também era capaz de entregar uma performance mais vigorosa e intensa. A letra reflete sobre a ansiedade e os desafios que surgem antes de uma turnê, como a saudade antecipada e o desejo de voltar para casa após as viagens. Uma curiosidade é a participação de Cass Elliot (1941-1974), do Mamas & The Papas, nos vocais de apoio. 

"Wooden Ships", uma colaboração entre Crosby, Stills e Paul Kantner (1941-2016), do Jefferson Airplane, é talvez a faixa mais sombria e evocativa do álbum. Com uma narrativa pós-apocalíptica, a música mistura um arranjo instrumental complexo com letras que falam de sobrevivência e esperança em um mundo devastado pela guerra. É uma das faixas que melhor exemplifica a capacidade do grupo de tratar de temas profundos e pertinentes. 

No outro extremo do espectro emocional, "Lady Of The Island", de Nash, é uma balada suave e íntima que lembra o estilo de Simon & Garfunkel, com harmonias delicadas e uma abordagem lírica pessoal. É um momento de pausa e reflexão que equilibra o álbum, mostrando a habilidade do grupo em criar tanto momentos grandiosos quanto intimistas. Dedicada a Joni Mitchell, então namorada de Nash, a canção retrata um momento íntimo e sereno entre dois amantes, celebrando a conexão emocional e física em um ambiente de paz e amor. 

"Helplessly Hoping", outra joia de Stills, brilha pela simplicidade de seu arranjo e pela beleza das harmonias vocais. Stills canta acompanhado de Crosby e Nash nesta balada folk essencialmente acústica, apoiada apenas em vocais e no violão dedilhado por Stills. É mais uma canção de Stills inspirada em Judy Collins, presente no álbum após o fim do relacionamento do casal. Os versos tratam da complexidade e da incerteza em um relacionamento conjugal, explorando sentimentos de desamparo, confusão e a busca por uma conexão emocional entre dois amantes que lutam para se entender. 

A carga emocional e a profundidade lírica continuam com "Long Time Gone", uma composição de Crosby, escrita logo após o assassinato de Robert F. Kennedy (1925-1968) em junho de 1968. É uma das canções mais políticas do álbum, expressando a frustração e o desejo por mudanças em um mundo tumultuado. A combinação das harmonias vocais com o groove de Stills no baixo e no órgão cria uma atmosfera que é ao mesmo tempo reflexiva e esperançosa. A letra poderosa é um reflexo dos tempos turbulentos da década de 1960, tocando na luta pela paz e na desilusão com os líderes políticos. 

Para encerrar, "49 Bye-Byes", de Stills, é uma faixa que mistura rock, folk e jazz, explorando temas como a perda, a mudança e o adeus. É uma das músicas mais complexas do álbum, tanto em termos de estrutura quanto de arranjo, e exemplifica a ambição artística do grupo. As harmonias vocais são, como de costume, o destaque, e a instrumentação é rica e diversificada, mostrando a habilidade do grupo em mesclar diferentes estilos e influências em uma obra coesa. 

Após seu lançamento, Crosby, Stills & Nash foi um sucesso imediato, atingindo a sexta posição na Billboard 200 e eventualmente alcançando a certificação de platina quádrupla nos Estados Unidos. O álbum também foi aclamado pela crítica, que elogiou as harmonias do trio e a fusão única de folk, rock e pop. O sucesso do álbum estabeleceu Crosby, Stills & Nash como uma das forças mais influentes da música americana, e sua influência pode ser vista em inúmeras bandas e artistas que seguiram seus passos. 

O legado de Crosby, Stills & Nash é inegável. É um álbum que não apenas capturou o espírito de uma época, mas também ajudou a moldar o som do folk rock nas décadas seguintes. Suas harmonias intrincadas, letras poéticas e arranjos sofisticados continuam a inspirar músicos e ouvintes em todo o mundo, consolidando o trio como um dos pilares da música popular.

 

Faixas 

Lado 1

  1. “Suite: Judy Blue Eyes” (Stephen Stills)
  2. “Marrakesh Express” (Graham Nash)
  3. “Guinnevere” (David Crosby)
  4. “You Don't Have to Cry” (Stephen Stills)
  5. “Pre-Road Downs” (Graham Nash)

Lado 2

  1. “Wooden Ships” (David Crosby, Stephen Stills)
  2. “Lady of the Island” (Graham Nash)
  3. “Helplessly Hoping” (Stephen Stills)
  4. “Long Time Gone” (David Crosby)
  5. “49 Bye-Byes” (Stephen Stills)

 

Crosby, Stills & Nash: David Crosby (vocais e guitarra), Stephen Stills (vocais, guitarra, baixo, teclado e percussão), Graham Nash (vocais, percussão e violão).

Outros músicos: Dallas Taylor (bateria e percussão), Jim Gordon (bateria em “Marrakesh Express”) e Cass Elliot (vocais de apoio em “Pre-Road Downs”).


Ouça na íntegra o álbum 
Crosby Stills & Nash


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