quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Os 50 Melhores Discos Brasileiros de 2024


Em um ano movimentadíssimo para a música brasileira, é hora de olhar para trás e relembrar alguns dos principais lançamentos de 2024. São 50 lançamentos que vão do jazz ao funk, do rap ao pop em uma colorida combinação de estilos, diferentes ritmos e propostas criativas que evidenciam a força de veteranos da cena nacional, porém, destacando sempre o trabalho de novos artistas.


#50. Samuel Rosa
Rosa (2024, Sam Music)

Durante as mais de três décadas em que esteve à frente do grupo mineiro SkankSamuel Rosa embalou casais de namorados, consolou corações partidos e criou personagens musicais que permanecem vivos nas cabeças de milhões de brasileiros. Satisfatório perceber em Rosa, primeiro álbum do cantor e compositor belo-horizontino em carreira solo, um repertório que não apenas segue de onde o instrumentista parou com sua antiga banda no último ano, como serve de reforço a esse mesmo resultado. Talvez decepcionante para quem esperava por uma profunda ruptura na obra do artista, o álbum de dez faixas é um trabalho que conforta sem necessariamente parecer preguiçoso. Acompanhado do produtor Renato Cipriano e os músicos Doca Rolim (violão e guitarra), Alexandre Mourão (contrabaixo), Marcelo Dai (bateria e percussão) e Pedro Kremer (teclados), Rosa traz de volta as mesmas temáticas que fizeram dele conhecido no início da década de 1990, porém, partindo de um processo de simplificação que preserva a ideia central e sentimentos detalhados dentro de cada canção para estreitar laços com o próprio ouvinte. Leia o texto completo.


#49. Zopelar
Ritmo Freak (2024, Tartelet Records)

Zopelar sempre manteve uma forte relação com as pistas, porém, nunca de maneira tão explícita quanto em Ritmo Freak. Menos voltado aos estudos elaborados no antecessor Charme (2022), o trabalho de oito faixas chama a atenção pela simplificação dos elementos, como se o produtor se distanciasse de possíveis exageros estéticos para focar apenas no essencial: a construção das batidas. São pouco mais de 30 minutos em que o paulistano faz o que sabe de melhor, convidando o ouvinte a dançar. Com a própria faixa-título como canção de abertura, o produtor apresenta parte dos elementos que serão incorporados ao longo do trabalho, como as camadas de sintetizadores, fragmentos de vozes e samples que se entrelaçam em uma estrutura rítmica totalmente hipnótica. São estruturas que a todo momento dialogam com estrangeiros como Todd Terje e Lindstrøm, porém, preservando o caráter abrasivo do som de Zopelar, direcionamento reforçado com a entrega da posterior Beat Me, música que parece pronta para as pistas. Leia o texto completo.


#48. Deize Tigrona
Não Tem Rolê Tranquilo (2024, Independente)

Deize Tigrona vive hoje a melhor fase da carreira. Depois de ser revelada à uma nova parcela do público com o lançamento de Foi Eu Que Fiz (2022), primeiro disco de inéditas após um longo período longe dos estúdios, a artista retorna agora com Não Tem Rolê Tranquilo. São sete faixas que não apenas destacam a capacidade da cantora carioca em transitar por entre estilos de forma totalmente inventiva, como estreitam laços com outros parceiros e levam o ouvinte a percorrer direções inimagináveis. Logo de cara, em Vilão, a artista acena para o próprio passado, lembrando o estilo de produção dos anos 2000, porém, estabelece nas batidas de Iasmin Turbininha um diálogo com o presente. Menos de três minutos em que a funkeira garante ao público uma faixa deliciosamente picante e que parece feita para grudar na cabeça do ouvinte. Um eufórico jogo de batidas e vozes que contrasta com a posterior LSD, um rap em marcha lenta produzido por LARINHX e que revela o lado mais sensível, mas não menos humorado da cantora. “Abri meu coração / Minha xota pra tu / Em troca eu queria / Poder comer seu cu“, rima Deize. Leia o texto completo.


#47. Varanda
Beirada (2024, Independente)

Beirada, primeiro trabalho de estúdio do quarteto mineiro Varanda, cumpre todas as funções de um disco de estreia. Produto da parceria entre Mario Lorenzi (guitarra), Amélia do Carmo (voz), Augusto Vargas (baixo e voz) e Bernardo Merhy (bateria), o registro de onze canções deixa de lado a busca por um repertório consistente para garantir ao público uma obra marcada pelas possibilidades. É como um colorido inventário de ideias e referências, conceito que vai da imagem de capa a cada nova composição. Com P.Q.P.Q. como música de abertura, o quarteto de Juíz de Fora diz a que veio logo nos primeiros minutos. Enquanto os versos destacam a poesia afiada da banda (“Na sua pose ignorante / Fotografa o seu fracasso e só”), camadas de guitarras encolhem e crescem a todo instante. É como um ensaio para o que se revela de forma ainda mais interessante na posterior Barcos no Mar, música que avança aos poucos e explode nos momentos finais, destacando o experimentalismo sutil que, vez ou outra, orienta as composições do grupo. Leia o texto completo.


#46. Slipmami
Até Aqui, Slip Nos Ajudou (2024, Independente)

Hedonista, violento e difícil de ser ignorado. Assim é o trabalho de Slipmami em Até Aqui, Slip Nos Ajudou. Sequência ao material entregue em Malvatrem (2023), o registro segue de onde a artista de Duque de Caxias parou no último ano, porém destaca a crueza das rimas. São composições que servem de passagem para um universo particular da rapper, exaltando suas conquistas e desejos, mas que em nenhum momento deixam de dialogar com o ouvinte, prontamente seduzido pelo repertório do álbum. Inaugurado por Vai, Slip, o trabalho diz a que veio logo nos minutos iniciais. “Eu só queria o dinheiro, mas deram a fama também / Sou uma nerdola, mas a escola não entendeu bem / Corrente sobre corrente, meu pescoço pesa bem / Minha naturalidade fez eu chegar muito além”, dispara a artista fluminense que agora colhe os frutos do registro anterior, porém, anseia por mais. “Eu nasci pra gozar e ter prazer como se eu fosse um rei”, rima em Sacríficios de Sangue, composição que sintetiza pare desse direcionamento criativo. Leia o texto completo.


#45. Ale Sater
Tudo Tão Certo (2024, Balaclava Records)

Como vocalista e um dos principais compositores da Terno ReiAle Sater sempre manteve o forte aspecto confessional na elaboração dos versos. Entretanto, é com a chegada de Tudo Tão Certo, primeiro álbum em carreira solo, que o músico se expõe por completo. De conflitos pessoais a relacionamentos incertos, cada composição montada em colaboração com o produtor Gustavo Schirmer destaca a sensibilidade do artista que usa das próprias experiências para estreitar laços com o ouvinte. “Estou meio bêbado aqui / Alguém me diz quando parar / Há alguma chance de ficar? / Ah, eu sei que não dá”, canta em Final de Mim, composição que evidencia parte das angústias partilhadas por Sater, porém se encerra de maneira sóbria, evidenciando o equilíbrio que embala o registro. “A tristeza pode rir / Mas não passa do portão”, conclui o artista. São versos que alternam entre a dor e a libertação, como um acúmulo natural das experiências coletadas pelo músico ao longo da vida e agora moldadas em formato de canção. Leia o texto completo.


#44. Tuyo
Paisagem (2024, BMG)

Nas mãos erradas, Paisagem é um trabalho que dificilmente daria certo. Em um intervalo de poucos minutos, incontáveis variações rítmicas se entrelaçam em uma abordagem que parte do R&B, mas em nenhum momento busca conforto em um gênero específico. Composições que alternam entre o canto e a rima, detalham experimentações sutis com a música eletrônica e ainda usam de elementos orquestrais. O princípio de uma verdadeira confusão estética, mas que dá muito certo nas mãos dos integrantes da Tuyo. Tendo no uso quase instrumental das vozes um precioso elemento de amarra, as irmãs Lio e Lay Soares e o músico Jean Machado se aventuram na construção de um repertório essencialmente diverso, mas que em nenhum momento rompe com o que parece ser um limite pré-estabelecido pelo trio. São composições que deixam de lado parte do acabamento acústico que marca os primeiros registros autorais, como Pra Curar (2018), destacando o uso dos sintetizadores, batidas e demais componentes voltados à produção eletrônica. Leia o texto completo.


#43. Vitor Milagres
Vontade de Beleza (2024, Independente)

Se você já teve qualquer contato com o trabalho do Rosabege ou mesmo as criações de cada integrante em carreira solo, como tttigo e Dadá Joãozinho, sabe que os membros da banda original da cidade de Niterói, no Rio de Janeiro, costumam jogar com regras próprias e seguem um caminho nada linear. Dessa forma, ao mergulhar no repertório de Vontade de Beleza, primeiro registro autoral do músico Vitor Milagres, esteja aberto a ser confrontado por estruturas, sonoridades, temas e formas pouco usuais. A exemplo do que testou Dadá Joãozinho no ainda recente Tds Bem Global (2023), Vontade de Beleza é um trabalho que parte da intensa relação do artista com a música brasileira e o repertório de veteranos como Gilberto Gil e Jorge Ben Jor, contudo muda de direção e passa a explorar um território marcado pelo uso de processamentos e experimentações com a produção eletrônica. São incontáveis texturas, ruídos sintéticos e quebras instrumentais que concedem ao material uma sensação de obra viva, em permanente expansão. Leia o texto completo.


#42. Nina Maia
Inteira (2024, Seloki Records)

Verdadeiro exercício de autodescoberta e construção da própria identidade artística, Inteira cumpre com louvor a tarefa de apresentar o trabalho de Nina Maia. Feito para ser absorvido aos poucos, sem pressa, o álbum foi gestado da mesma maneira, a partir de experimentações ao vivo, diálogos com o coprodutor Yann Dardenne e certezas acumuladas pela musicista durante a escolha do repertório. Com Caricatura como faixa de abertura, Maia apresenta parte das regras que irão nortear o trabalho. São composições marcadas pelo reducionismo dos elementos, porém, sempre precisas, destacando a força das vozes que alternam entre temas existenciais e momentos de maior vulnerabilidade emocional. “Se ergueu sobre dor/ E espera o amor / Que ninguém soube lhe dar”, canta a artista. É como um lento desvendar de sensações e possibilidades, direcionamento reforçado na posterior Kaô, música que não apenas evoca o Radiohead em All I Need, como ainda evidencia a força da banda de apoio formada pelos músicos Thalin (bateria), Valentim Frateschi (baixo), Francisca Barreto (violoncelo) e Thales Hashiguti (viola e violino). Leia o texto completo.


#41. Giovani Cidreira
Carnaval Eu Chego Lá (2024, Dobra Discos)

Sempre que você espera uma coisa de Giovani Cidreira, ele entrega o oposto. Primeiro álbum do cantor e compositor baiano como intérprete, Carnaval Eu Chego Lá funciona como uma ótima representação desse resultado. Celebração à obra do conterrâneo Ederaldo Gentil (1947 – 2012), o registro de onze canções pode até partir de uma releitura do músico que teve suas criações gravadas por nomes de peso como Clara Nunes e Alcione, porém pertence tanto a Cidreira quando qualquer um de seus discos. Com Feira do Rolo como composição de abertura, Cidreira diz a que veio logo nos minutos iniciais da obra. Diferente da primeira interpretação da faixa, originalmente gravada por Alcione no final da década de 1970 e totalmente voltada ao samba, como muitas das canções de Gentil, a releitura do baiano leva o disco para outras direções. A própria inserção das rimas do rapper Vandal e a produção eletrônica de Mahal Pita e Filipe Castro torna tudo isso ainda mais explícito, indicando a pluralidade de ideias que move o trabalho. Leia o texto completo.


#40. Curumin
Pedra de Selva (2024, Independente)

Sete anos e uma pandemia separam Curumin do material entregue no antecessor Boca (2017) das canções que embalam o recém-lançado Pedra de Selva. Mesmo bastante ativo durante todo esse período e acumulando colaborações com nomes como Arnaldo AntunesLivia NeryBaianaSystem e Rashid, sobrevive nas composições do presente álbum uma melhor organização das ideias e experiências vividas pelo cantor, compositor e produtor paulistano durante essa jornada particular e também coletiva. Fortemente inspirado pelo período de isolamento social, ainda que nunca limitado a ele, o registro de 17 canções funciona como um passeio pela mente e alma do artista paulistano. São composições que tratam sobre temas existenciais, buscam pelo distanciamento dos centros urbanos e a reconexão com a natureza. “Eu vou aprender com a pedra / E deixar ir com o rio”, canta em Água Fria Em Pedra Quente, música que trata sobre esse estado de transformação que rege o disco e sutilmente embala a experiência do ouvinte. Leia o texto completo.


#39. Malu Maria
Nave Pássaro (2024, Independente)

Nave Pássaro é uma obra diferente de tudo aquilo que Malu Maria havia revelado anteriormente. Embora partilhe do mesmo refinamento técnico explícito nos antecessores Diamantes na Pista (2018) e Ella Terra (2020), o que se percebe no registro de nove faixas é a passagem para um novo território criativo. Canções que partem de uma poética onírica e talvez escapista, porém, estabelecem na firmeza das batidas e íntima relação com as pistas um forte diálogo com a realidade e o próprio ouvinte. Parte desse resultado vem da clara aproximação gerada entre a cantora e o produtor Dustan Gallas, com quem havia colaborado no ainda recente Boate Invisível (2023), último trabalho de Tatá Aeroplano e uma espécie de álbum-irmão de Nave Pássaro. Dessa forma, enquanto Mallu se concentra na formação dos versos, sempre guiada por um pássaro que lhe apareceu em um sonho, Gallas investe na construção das batidas e bases, lembrando as colaborações entre Giorgio Moroder e Donna Summer na década de 1970. Leia o texto completo.


#38. Digestivo
Mofo (2024, Acta)

Multiartista de Belém, no Pará, Digestivo parece ter encontrado no que há de mais abjeto a principal fonte inspiração para o provocativo repertório de Mofo. Sequência ao material apresentado há três anos, em Visceral (2021), o registro marcado pela corrupção das formas instrumentais e rítmicas parece jogar com a interpretação do ouvinte durante toda a sua execução. Composições que partem de doenças, estranhas formas de vida e fluidos corporais como um importante e sempre mutável componente criativo. Ainda que a estética e a sonoridade instantaneamente remeta aos trabalhos de artistas como Arca e Jesse Kanda, Digestivo tem sua identidade ressaltada e parece jogar com regras próprias. Com Fungi como faixa de abertura, parte dos elementos que compõem o disco são prontamente revelados ao ouvinte. São batidas fragmentadas, incontáveis camadas de sintetizadores e texturas eletrônicas que até buscam dialogar com as pistas, porém, corrompem de maneira bastante decidida qualquer fração de conforto e previsibilidade. Leia o texto completo.


#37. Raça
27 (2024, Balaclava Records)

Às vezes, tudo que uma banda precisa é dar um tempo, deixar que seus integrantes toquem outros projetos e descubram se ainda faz sentido seguir em frente. No caso do Raça, grupo paulistano formado por Novato Calmon (baixo, voz), Popoto Martins (guitarra, voz), Thiago Barros (bateria), João Viegas (sintetizador, voz) e Santiago Obejero Paz (guitarra, voz), cinco anos foram necessários para que o quinteto pudesse entender que direção explorar após o lançamento de Saúde (2019) e o que se consolida com a chegada de 27 (2024). E como essa espera valeu a pena. Quarto e mais recente trabalho de estúdio da banda que contabiliza uma década de carreira, 27 diz a que veio logo nos momentos iniciais, em 144. Enquanto guitarras melódicas e a bateria avançam aos poucos, culminando em um fechamento grandioso, versos agridoces funcionam como uma delicada reflexão sobre as relações vividas entre os próprios integrantes. “Eu já não me lembro por que tanto tempo passou”, confessa Martins, evidenciando o forte aspecto sentimental que move o registro. Leia o texto completo.


#36. Hermeto Pascoal
Pra Você, Ilza (2024, Rocinante)

Entre o final da década de 1990 e início dos anos 2000, o compositor alagoano Hermeto Pascoal escreveu um total de 198 partituras registradas em um caderno dedicado à esposa, Ilza, com quem foi casado por 46 anos e teve seis filhos. Agora, mais de duas décadas após a partida da mulher amada, o “bruxo” retorna com Pra Você, Ilza, trabalho em que resgata parte dessas canções, porém, substitui o tom fúnebre de outros exemplares do gênero por um repertório que funciona como uma celebração à vida. Acompanhado pelos músicos André Marques (piano), Jota P (saxofone), Fábio Pascoal (percussão), Itiberê Zwarg (baixo) e Ajurinã Zwarg (bateria), o artista estabelece logo na introdutória Passeando pelo Jardim parte dos temas que serão explorados ao longo da obra. São delicadas paisagens instrumentais, sempre orientadas por antigas memórias e experiências vividas entre o compositor e a mulher amada, mas que a todo instante rompem com o comum, possibilitando o surgimento de momentos de maior experimentação. Leia o texto completo.


#35. Charm Mone
Corre (2024, Joint)

A impactante imagem de capa de Corre funciona como um aviso: Charm Mone está pronta para o ataque. Estreia da cantora, compositora, rapper e DJ, o registro que conta com produção assinada em parceria com Carlos do Complexo diz a que veio logo nos primeiros minutos, em X. Partindo de uma combinação de canto e rima que se completa pela intensa construção das batidas, a artista atravessa um território marcado por conflitos e conquistas pessoais, mas que instantaneamente se conectam ao ouvinte. São músicas que se resolvem em um intervalo de dois minutos, porém destacam a riqueza e ideias e fina sobreposição dos versos, conceito reforçado na já conhecida Mob, um rap delicioso que ainda se completa pela presença de EVYLiN. É como se cada faixa transportasse o ouvinte para um novo território criativo, vide a completa mudança de direção em Temporada de Caça, canção que materializa poeticamente a imagem de capa do disco e ainda desemboca no R&B eletrônico de Lies, parceria com Muse Maya e THS. Leia o texto completo.


#34. Dora Morelenbaum
Pique (2024, Coala Records)

Elegante, a estreia em carreira solo de Dora Morelenbaum com Pique é um desses trabalhos que se revelam ao público em pequenas doses. E não poderia ser diferente. Depois de uma série de composições apresentadas no início da presente década e de se aventurar no paralelo Bala Desejo, com quem deu vida ao álbum Sim Sim Sim (2022), a cantora, compositora e produtora carioca avança em uma medida particular de tempo, como se saboreasse os arranjos e versos elaborados dentro de cada canção. A própria escolha de Não Vou Te Esquecer como composição de abertura do trabalho funciona como uma boa representação desse resultado. São pinceladas instrumentais que tendem ao jazz, revelando o capricho da musicista e da banda de apoio formada por Alberto Continentino (baixo), Luiz Otávio (teclados), Sérgio Machado (bateria) e Guilherme Lirio (guitarras). É como se Morelenbaum fosse ao encontro da produção brasileira dos anos 1970 e 1980, esbanjando refinamento e delicadeza a cada novo movimento em estúdio. Leia o texto completo.


#33. Taxidermia
Pique (2024, Independente)

Localizada na Ilha de Itaparica, na Bahia, com vista para a capital Salvador, Vera Cruz é um espaço físico e, ao mesmo tempo, um campo aberto às possibilidades sonoras da dupla formada por João Miliet Meireles e Jadsa no Taxidermia. Parceiros de longa data, os dois compositores estabelecem nesse ambiente litorâneo e conceitual o estímulo para o fino repertório de Vera Cruz Island, disco que transita por diferentes estilos e estabelece no intenso caráter exploratório a base para cada uma de suas canções. Inaugurado de forma sutil, partindo das abstrações e vozes eletrônicas de PurezaVera Cruz Island é um trabalho que se revela aos poucos, porém, estabelece na construção dos versos uma clara celebração ao povo baiano e sua herança cultural. “Puro, todo feito ele de matéria nobre / Corpo, preto nascido por pura sorte na Bahia / Sangue, de riqueza homem munido de corre“, canta Jadsa em meio a batidas, camadas de sintetizadores e estruturas irregulares que aos poucos arremessam o ouvinte de um canto a outro do disco. Leia o texto completo.


#32. Kamau
Documentário (2024, Plano Audio)

Dizem que é nos menores frascos que se escondem os melhores perfumes e os piores venenos. No caso de Kamau, as rimas mais impactantes. Em Documentário, primeiro trabalho de estúdio do rapper paulistano após um intervalo de mais de uma década, cada uma das composições que abastecem o disco se resolvem em um intervalo de pouco mais de um minuto de duração. Um repertório essencialmente enxuto e livre de possíveis excessos, porém, tão denso quanto qualquer outro registro revelado pelo artista. Entregue ao público em pequenas doses ao longo do último ano, porém, somente agora organizado pelo rapper, o trabalho naturalmente peca pela ausência de surpresa na mesma medida em que cresce como uma obra única. São composições marcadas pelo reducionismo das batidas, uso de bases atmosféricas e vozes posicionadas em primeiro plano, trazendo uma clareza nas formação dos versos que potencializa a mesma riqueza de ideias e poesia afiada explícita nos antecessores Non Ducor Duco (2008) e Entre (2012). Leia o texto completo.


#31. Crizin da Z.O.
Acelero (2024, QTV)

O ritmo frenético imposto logo no título de Acelero, mais recente trabalho de estúdio de Crizin da Z.O., ajuda a entender parte do direcionamento adotado pelos cariocas Cris Onofre e Danilo Machado em parceria com o paranaense Marcelo Fiedler. É como um insano fluxo de pensamento que atravessa as ruas do Rio de Janeiro enquanto transita por diferentes estilos, ritmos e possibilidades em uma abordagem essencialmente torta. Composições que vão do funk carioca ao punk de forma imprevisível, estímulo para a construção de um repertório consumido pelo caos urbano e afundado em turbulentas crises existenciais. Conceitualmente próximo do ainda recente Mimosa (2023), também lançado pela mesma gravadora, o que diminui a sensação de impacto em relação ao presente disco, Acelero, diferente do trabalho produzido por cabezadenegoLeyblack e Mbé, é uma criação muito mais verbal do que necessariamente rítmica. Assim como os antigos registros entregues por Crizin da Z.O., como Tudo Está Acontecendo Ao Mesmo Tempo Agora (2019), Brasil Buraco Vinte Vinte (2020) e Alma Braba (2022), o novo álbum soa como um passeio pela mente inquieta de Onofre. São tormentos pessoais, cenas e acontecimentos transmutados em música. Leia o texto completo.


#30. Jup Do Bairro
In.Corpo.Ração (2024, Independente)

O corpo ainda é a principal ferramenta de trabalho de Jup do Bairro. Quatro anos após questionar “o que pode um corpo sem juízo?“, a multiartista paulistana está de volta com o provocativo In.corpo.ração, registro em que amplia a própria pesquisa, se debruça em novas temáticas e ainda estreita laços com outros parceiros criativos. São diálogos poéticos e sonoros que vão dos membros da Cyberkills, responsáveis pela produção do material, aos eventuais encontros que acontecem no decorrer das canções. Com Sinfonia do Corpo (In.corpo.ração) como composição de abertura, Jup apresenta para das regras que serão implementadas e conceitualmente ampliadas ao longo do material. Enquanto os versos mais uma vez reforçam o lirismo político da artista (“Cadê o futuro que eu construí? / Olhava meus dedos ralados / Segui no muro que nunca subi“), batidas eletrônicas alternam entre o convite às pistas e a necessidade de seguir em frente, como um complemento direto ao que se projeta na letra (“Mesmo sem me mover, ainda danço“). Leia o texto completo.


#29. Caxtrinho
Queda Livre (2024, QTV)

As diferentes camadas e divisões que formam a imagem de capa de Queda Livre, uma pintura do artista plástico Arjan Martins, ajudam a entender parte dos temas e do processo adotado por Paulo Vitor Castro, o Caxtrinho, no primeiro álbum de estúdio da carreira. Longe de possíveis protagonistas, o músico de Belford Roxo se aprofunda nas histórias que acontecem em paralelo. São olhares passageiros, ainda que bastante pertinentes, sobre as vidas separadas por linhas sociais, econômicas e principalmente raciais. Exemplo disso fica mais do que evidente na introdutória Cria de Bel. “Subiu na condução e vai trabalhar / Chega lá no centro com a pele marrom / Cria da baixada / A brancaiada logo encara“, detalha o artista em um misto de canto e rima. São versos sempre descritivos e fluidos, como se uma narrativa visual fosse aos poucos se formando de maneira cinematográfica na cabeça do ouvinte. Composições que partem do olhar ao redor, por vezes despretensiosas, mas que crescem a partir da interpretação política do próprio artista. Leia o texto completo.


#28. MU540
4X4 (2024, Empire)

Quem há tempos acompanha o trabalho de Murilo Oliveira Santos, o MU540, sabe como o produtor e DJ da baixada santista vem tensionando a relação entre o funk e outros desdobramentos da música eletrônica de forma bastante inventiva. De registros autorais, como o EP No Susto (2023), passando pela colaboração com nomes como UanaMC Tha e Irmãs de Pau, sobram momentos em que o artista deixa sua marca, conceito que ganha novo significado ao mergulhar no repertório montado especialmente para 4X4. Mais recente trabalho de estúdio do produtor paulista, o registro de sete composições parte de um esforço de MU540 em “esconder” o funk em uma obra voltada em essência ao house. Os elementos e a linguagem do gênero estão presentes durante toda a execução do material, porém, partindo de um direcionamento diferente, proposta que vai do uso das vozes ao tratamento dado às batidas e bases dentro de cada canção. Leia o texto completo.


#27. Céu
Novela (2024, Urban Jungle)

Em junho do último ano, quando Arthur Verocai decidiu celebrar os 50 anos do cultuado disco de 1972Céu foi uma das artistas convidadas a subir ao palco para cantar com o arranjador carioca. Rodeada por um vasto time de instrumentistas e a plateia que lotou o Teatro Simon Bolívar, em São Paulo, a cantora e compositora paulistana demonstrou todo seu poderio ao interpretar canções como Caboclo Na Boca do Sol com a mesma exuberância e força das versões em estúdio. Satisfatório perceber essa mesma atmosfera ao vivo e maior fluidez no processo de criação com a chegada do aguardado Novela. Primeiro registro de inéditas de Céu em cinco anos, o sucessor do intimista APKÁ! (2019) funciona com um regresso aos primeiros trabalhos de estúdio da cantora, sempre inclinados ao reggae e ao criativo diálogo com a música brasileira, porém, substituindo o polimento de outrora pela criação de uma obra gravada ao vivo. Parte desse resultado vem da escolha da artista em, além da produção de Pupillo, habitual parceiro de criação, colaborar com o multi-instrumentista norte-americano Adrian Younge, dono do Linear Labs Studio, em Los Angeles, onde o álbum foi gravado, e conhecido por não utilizar de técnicas modernas de captação. Leia o texto completo.


#26. Hoovaranas
Três (2024, Independente)

Sequência ao material entregue pelos paranaenses do Hoovaranas em Poluição Sonora (2019) e Alvorada (2022), Três é um desses discos que não oferecem qualquer chance de escapatória para o ouvinte. Do momento em que tem início, na trama de guitarras que Rehael Martins espalha em Fuga, cada mínimo componente do registro parece trabalhado com uma fluidez, ritmo e precisão poucas vezes antes percebida nas criações da banda que tem feito de cada novo álbum um preparativo para algo maior. Não por acaso, após esse hipnotizante ato de abertura, a sempre destacada linha de baixo de Jorge Bahls convida o ouvinte a mergulhar na composição seguinte, Frenesi. Como o próprio título aponta, são pouco mais de dois minutos em que somos arremessados de um canto a outro do material que corrompe o tom contemplativo de outros exemplares do pós-rock/math rock para destacar a força do trio de Ponta Grossa, no interior do Paraná. Um insano atravessamento de informações, porém, sempre orquestrado pela bateria firme de Eric Santana, também responsável pela produção caprichada que amarra o registro de oito faixas. Leia o texto completo.


#25. Duda Beat
Tara e Tal (2024, Universal)

Perto do fechamento de Tara e TalDuda Beat repete: “eu vou ficar na tua cabeça“. Ainda que fortemente relacionados aos temas românticos que embalam a composição de encerramento do disco, difícil não pensar nos versos detalhados pela pernambucana como uma manifestação do feito consolidado no terceiro álbum de estúdio, afinal, é praticamente impossível passar pelo material produzido em parceria com Tomás Tróia e Lux Ferreira e não sair cantarolando pelo menos uma das canções que integram a obra. E não poderia ser diferente. Depois de dois ótimos trabalhos de estúdio, Sinto Muito (2018) e Te Amo Lá Fora (2021), além de incontáveis colaborações com diferentes nomes da cena brasileira, a artista nascida Eduarda Bittencourt Simões parece ter alcançado o completo domínio sobre a própria criação. São faixas talvez consumidas pela previsibilidade dos temas, quase sempre mergulhadas em conflitos sentimentais, porém, moldadas de forma pouco usual, efeito direto do vasto catálogo de estilos adotados pela cantora. Leia o texto completo.


#24. Mundo Video
Noite De Lua Torta (2024, Balaclava Records)

Noite de Lua Torta é um desses discos que grudam na cabeça do ouvinte logo na primeira audição. E não poderia ser diferente. Com as guitarras em destaque, Gael Sonkin e Vitor Terra não apenas abrem caminho para o primeiro trabalho de estúdio da Mundo Video, como despejam uma seleção de canções altamente cantaroláveis, ampliando consideravelmente o que a dupla carioca havia testado em A Hora das Revelações (2023) e todo o repertório acumulado desde a formação da banda há poucos anos. Direto ao ponto, Noite de Lua Torta traz de volta a essência radiofônica de Lulu Santos e outros nomes do pop rock nacional, porém, preservando a identidade criativa da banda. A própria escolha do timbre das guitarras funciona como uma boa representação desse resultado, possibilitando à dupla a capacidade de transitar pelos mais variados estilos sem necessariamente fazer disso o estímulo para um material confuso. Leia o texto completo.


#23. Teto Preto
Fala (2024, MambaRec)

Seja em cima dos palcos, em sempre espantosas apresentações ao vivo, ou dentro de estúdio, Teto Preto é um projeto que fascina pela capacidade de seus integrantes em continuamente tensionar a experiência do ouvinte e jogar com regras próprias. Segundo e mais recente trabalho de estúdio do grupo que hoje conta com CarneOsso, Entropia e Marian Sarine, Fala não poderia ser diferente. Da urgência das batidas à construção dos versos, tudo parece encaixado de forma a evidenciar a potência do coletivo. Sequência ao material entregue no introdutório Pedra Preta (2018), Fala demonstra toda sua grandeza logo nos minutos iniciais do trabalho, em A Tua Onda. Enquanto as batidas simplesmente partem para cima do ouvinte, evidenciando a postura punk do grupo, versos discutem diferentes formas de violência em uma abordagem tão dançante quanto perturbadora. É como um ensaio para o que se articula de maneira ainda mais interessante na política faixa-título, canção que se engrandece pelas rimas da rapper gaúcha SaskiaLeia o texto completo.


#22. Paira
EP01 (2024, Balaclava Records)

Como pode tamanha carga emocional caber dentro de uma obra tão curta? Em um intervalo de 16 minutos, os integrantes do Paira, dupla mineira formada por Clara Borges e André Pádua, não apenas transitam por diferentes temáticas que se aprofundam em tormentos bastante característicos de qualquer jovem adulto, como ainda utilizam de um amplo catálogo de ritmos, incontáveis referências criativas e outros elementos estéticos que potencializam as experiências sentimentais dissolvidas em EP01. “Sozinha / Eu não sei mais me encontrar“, confessa Borges logos nos minutos iniciais da obra, em Música Lenta, composição que, diferente do apontado no próprio título, avança para cima do ouvinte com uma ferocidade absurda, escancarando as angústias e temas instrumentais que orientam o trabalho da dupla mineira. São batidas fragmentadas e urgentes, como um aceno para o breakcore/drum and bass produzido na década de 1990, porém, sempre acompanhadas pela intensa inserção de guitarras altamente melódicas. Leia o texto completo.


#21. Luê
Brasileira do Norte (2024, Independente)

Luê está certa: “ninguém resiste ao charme da mulher do Norte”. E isso fica ainda mais evidente à medida que avançamos pelo terceiro e mais recente trabalho de estúdio da cantora paraense, Brasileira do Norte. Sequência ao material entregue em Ponto de Mira (2017), o registro gerado ao longo do último ano é tanto uma celebração aos ritmos, à cultura e aos artistas de diferentes gerações do Norte do país, como um diálogo com o presente que transcende limites territoriais e estreita laços com o pop. Acompanhada por algumas das figuras mais importantes da música paraense, Luê potencializa tudo aquilo que vem sendo incorporado desde a estreia com A Fim de Onda (2012), porém, revelando uma segurança e domínio criativo poucas vezes antes percebido no trabalho da cantora. Afinal de contas, não é qualquer uma que pode dividir uma composição com Fafá de Belém, como em Calejei, sem ser engolida pela artista. Leia o texto completo.


#20. Exclusive Os Cabides
Coisas Estranhas (2024, Independente)

Para os indivíduos cronicamente online, o som do grupo catarinense Exclusive Os Cabides está longe de parecer uma novidade. Nos últimos meses, bastava abrir o TikTok para que a canção Lagartixa Tropical fosse entregue ao público como música de fundo em algum vídeo viral dentro da plataforma. Entretanto, longe de parecer uma banda de um sucesso só, o quinteto formado pelos músicos João Paulo Pretto, Jean Lucas, Antônio dos Anjos, Eduardo Possa e Carolina Werutsky reserva ao ouvinte algumas boas surpresas. Exemplo disso pode ser percebido no repertório montado para o segundo e mais recente álbum de estúdio do quinteto de Florianópolis, Coisas Estranhas. Sequência ao material entregue pela banda em Roubaram Tudo (2020), o registro de dez composições preserva o bom humor e fino toque de descompromisso do trabalho que o antecede, porém, substitui lentamente a atmosfera caseira de outrora por uma seleção de faixas musicalmente encorpadas e versos que destacam o amadurecimento do grupo. Leia o texto completo.


#19. Chico Bernardes
Outros Fios (2024, People’s Champ)

Outros Fios é uma obra em expansão. Longe do reducionismo acústico que marca o autointitulado registro de estreia, lançado há cinco anos, Chico Bernardes se aventura na entrega de um repertório que avança aos poucos, sem pressa, porém estabelece na lenta sobreposição de cada elemento a passagem para um universo de pequenos detalhes. São canções que se aprofundam nas transformações vividas pelo compositor nos últimos anos, como um delicado exercício de exposição poética e sentimental. Inaugurado pela já conhecida Motivo, o trabalho produzido e gravado pelo próprio artista estabelece parte dos elementos que serão incorporados no decorrer do material. São delicadas camadas instrumentais que agora se completam pelo uso destacado dos sintetizadores, como um complemento aos versos que servem de passagem direta para a mente do cantor. “E busco sentido / Enquanto preciso / Lidar comigo“, confessa Bernardes, revelando parte do lirismo atormentado e conflitos pessoais que servem de sustento ao registro. Leia o texto completo.


#18. DJ Anderson Do Paraíso
Queridão (2024, Nyege Nyege Tapes)

Longe da urgência historicamente imposta pelo funk produzido no Rio de Janeiro e São Paulo, DJ Anderson do Paraíso segue uma abordagem particular. Original da região de Paraíso, Zona Leste de Belo Horizonte, em Minas Gerais, o produtor encontrou no uso de ambientações soturnas e batidas sempre esqueléticas a passagem para um território que parece pertencer somente a ele. São instantes de maior experimentação, mas que em nenhum momento rompem com a poética suja e elementos bastante característicos do estilo. Primeiro trabalho de estúdio do artista mineiro, Queridão funciona como uma boa representação desse resultado. Embora vendido como um registro de inéditas, efeito direto da série de canções produzidas especialmente para o material, trata-se de uma coletânea montada a partir de faixas originalmente apresentadas ao longo dos últimos anos. É o caso de  Paty Trem Bala, velha conhecida do produtor, mas que ganha novo significado quando observada como parte do repertório do presente disco. Leia o texto completo.


#17. Sofia Freire
Ponta da Língua (2024, Independente)

Quis explodir o teto / Pra que só o céu lhe cobrisse a cabeça“, canta Sofia Freire nos primeiros minutos de Autofagia. Escolhida como composição de abertura em Ponta Da Língua, terceiro e mais recente trabalho de estúdio da cantora, compositora e produtora pernambucana, a faixa adornada pelo uso dos sintetizadores funciona como uma representação do sentimento de liberdade que sutilmente invade o repertório do disco. É como o princípio de uma nova fase na carreira da recifense e, ao mesmo tempo, o encerramento de uma jornada sentimental e criativa que marcou os últimos anos da musicista. Isolada em casa durante o período pandêmico, Freire foi acometida por um bloqueio criativo e uma intensa crise existencial que a distanciou da música por quase um ano. As palavras e sentimentos estavam ali, na ponta da língua, porém, impossíveis de serem articulados. Foi só depois de se reconectar criativamente a partir de outras manifestações artísticas, como o desenho, que a musicista pode enfim dar vida ao sucessor do contemplativo Romã (2017). O resultado desse processe está na entrega de um material que partilha do mesmo lirismo internalizado que marca o lançamento anterior, mas que, aos poucos, joga tudo para fora. Leia o texto completo.


#16. Tássia Reis
Topo da Cabeça (2024, Independente)

A grande beleza da obra de Tássia Reis é que você nunca sabe qual será o próximo movimento da artista. E não importa, afinal, a chance de acerto é sempre grande. Mais recente trabalho de estúdio da cantora e compositora paulistana, Topo da Minha Cabeça é um bom exemplo disso. Sequência ao material entregue em Próspera (2019), o disco deixa as rimas e o contato com o rap em segundo plano para destacar de maneira intensa a relação de Reis com o samba e outros elementos da música brasileira. Inaugurado pela própria canção-título, Topo da Minha Cabeça é um trabalho que se revela aos poucos. São pinceladas instrumentais e rítmicas que se completam pela letra que fala de autoaceitação, direcionamento que volta a se repetir em outros momentos do material. É como se, para além dos triunfos financeiros que marcam o registro anterior, Reis celebrasse conquistas internas, proposta que segue até a música seguinte, Brecha, um samba minimalista que serve de exaltação a ela e outras mulheres negras que conquistaram o próprio espaço. “Mas sou brecha / Porta não fecha / Minha voz é flecha e acertou você”, provoca a artista. Leia o texto completo.


#15. Luiza Brina
Prece (2024, Dobra Discos)

O corpo nu de Luiza Brina sobre o chão de pedra na foto de Daniela Paoliello torna o alegórico bastante explícito: Prece é uma obra sobre conexão. Versos que reverberam como suplicas a Deus, buscam se conectar com a natureza e, principalmente, estabelecem um dialogo do indivíduo com ele próprio. “Pra viver junto é preciso poder viver só / Pra gente se encontrar“, detalha a musicista mineira em Oração 18 (Pra Viver Junto), espécie de canção-síntese do meticuloso repertório que se revela ao ouvinte. Claro que essa autocompreensão e evidente domínio de Brina sobre a própria criação não se dá por acaso. Ainda que finalizado ao longo dos últimos meses, Prece é uma obra que vem sendo montada pela cantora, compositora, produtora e arranjadora mineira há mais de uma década. São composições que ganham contornos de orações, como rezas geradas a partir das observações da artista sobre o cenário ao redor, mas que a todo momento estabelecem um precioso componente de diálogo com qualquer indivíduo. Leia o texto completo.


#14. Nabru
Desenredo (2024, Independente)

A palavra é a principal ferramenta de trabalho para Bruna Helena Fagundes de Olivera, a Nabru. Nascida na cidade de Belo Horizonte e criada na região de Pedreira Prado Lopes, uma das favelas mais antigas da capital mineira, a artista radicada em São Paulo divide suas funções entre as rimas e o estudo na faculdade de Letras, na USP. Dessa rica combinação de elementos vem o estímulo para o primeiro álbum de estúdio da rapper, Desenredo, material que parte de um poema homônimo da conterrânea Adélia Prado, porém, serve de passagem para um universo particular da compositora belo-horizontina. Como indicado na simplicidade da própria imagem de capa, uma fotografia de João MedeirosDesenredo se revela ao público como um trabalho livre de possíveis excessos. Na contramão de grande parte do rap nacional, hoje dominado por vozes maquiadas pelo auto-tune, acenos ao pop e produções cada vez mais grandiosas, Nabru acerta justamente ao investir em uma abordagem reducionista. Canções talvez distantes de grandes atos instrumentais, mas que encantam pela força das narrativas e uso inteligente das rimas. Leia o texto completo.


#13. Zé Manoel
Coral (2024, Independente)

Escolhida como música de abertura em CoralGolden, parceria com Gabriela Riley, é fundamental para estabelecer aquilo que Zé Manoel busca explorar no mais recente trabalho de estúdio da carreira. São pouco mais de cinco minutos em que harmonias de vozes se completam pela riqueza dos arranjos e produção impecável de Bruno Morais. Um espaço de celebração que vai da música brasileira ao soul em uma proposta que potencializa o que o compositor havia iniciado em Do Meu Coração Nu (2020). Com o ouvinte ambientado a esse cenário marcado pelo capricho dos elementos, o músico pernambucano faz de cada composição um delicado exercício criativo. São canções que trilham percursos isolados, porém sempre orientadas pela musicalidade preta que atravessa a região Nordeste do país para desembocar no continente africano. Exemplo disso fica bastante evidente na força avassaladora de Iyá Mesan, colaboração com Alessandra Leão, que destaca a grandeza adotada pelo cantor até os minutos finais da obra, em SiririLeia o texto completo.


#12. Nego Gallo
Yopo (2024, Independente)

Yopo é uma planta medicinal que, há milênios, tem sido usada em práticas xamânicas de povos indígenas espalhados por diferentes regiões da América do Sul, como Colômbia, Venezuela e Brasil. Um remédio de potencial alucinógeno que busca estimular o corpo, a mente e o espírito. Vem justamente do consumo em forma de rapé dessa substância que Carlos Eduardo da Silva, o Nego Gallo, encontrou o estímulo para as canções de essência transcendental que embalam o segundo e mais recente trabalho em carreira solo. Sequência ao material entregue em Veterano (2019), Yopo segue de onde o artista parou há cinco anos, porém, de forma ainda mais complexa e liricamente interessante. São canções que partem de observações atentas sobre o cenário ao redor, mas a todo momento se voltam para a mente do rapper que, nos anos 2000, integrou o Costa a Costa, um dos projetos mais importantes do rap cearense. Leia o texto completo.


#11. Papangu
Lampião Rei (2024, Chumbo Grosso)

As harmonias de vozes e atmosfera bucólica de Acende a Luz: I. Alquimia, música de abertura em Lampião Rei, torna o óbvio bastante explícito: em seu segundo álbum de estúdio, a Papangu segue um caminho completamente distinto em relação ao material entregue no trabalho anterior, Holoceno (2021). Fortemente orientado ao jazz e aos ritmos brasileiros, o disco deixa o metal progressivo em segundo plano, porém expande de maneira significativa os horizontes do grupo original de João Pessoa, na Paraíba. Não por acaso, Oferenda no Alguidar foi justamente a primeira música do disco a ser revelada ao público. Enquanto preserva parte da crueza do trabalho anterior, efeito direto das vozes guturais e a metranca da bateria, guitarras sinuosas que tendem ao jazz, camadas de sintetizadores e um triângulo típico do forró pé-de-serra levam o som da banda para outras direções. É como um insano cruzamento de informações que joga o ouvinte de um canto a outro do material, destacando a versatilidade do grupo paraibano em estúdio. Leia o texto completo.


#10. Bebé
Salve-se! (2024, Coala Records)

Mesmo longe de parecer uma iniciante quando, há três anos, deu vida ao autointitulado registro de estreia, difícil não pensar em Salve-se! como um claro exercício de amadurecimento vivido por Bebé. Da escolha dos temas, que se aprofundam em questões sexuais e conflitos típicos de uma jovem adulta, passando pela maior imposição das vozes e decisão em assumir a coprodução do trabalho, cada mínimo fragmento do material destaca a transformação pessoal e domínio criativo da compositora paulista. “Quem vai me salvar? A não ser eu mesmo”, questiona e responde logo nos minutos iniciais do trabalho, na atmosférica faixa-título, como um indicativo das certezas que movem o registro de dez faixas. São canções que continuam a orbitar um universo particular, sempre intimistas, porém, movidas por um desejo e força poucas vezes antes vista na obra da cantora que foi apresentada ao público durante sua participação no The Voice Kids Brasil, mas há muito parece distante da imagética frágil construída pelo programa da TV. Leia o texto completo.


#9. Boogarins
Bacuri (2024, Urban Jungle)

Primeiro registro de inéditas da Boogarins após um intervalo de cinco anos, Bacuri nasce como um acúmulo natural de tudo aquilo que a banda formada por Dinho Almeida (guitarra e voz), Benke Ferraz (guitarras), Raphael Vaz (baixo) e Ynaiã Benthroldo (bateria) tem explorado em mais de uma década de carreira. São composições que vão da psicodelia brasileira de As Plantas Que Curam (2013) ao experimentalismo iniciado com o curioso Lá Vem a Morte (2017) de maneira sempre consistente e autoral. Se por um lado essa abordagem talvez prive o ouvinte de um material marcado pelo ineditismo, por outro, notamos um domínio criativo poucas vezes antes percebido em qualquer outro trabalho da banda. É como se o grupo que se formou em Goiânia no início da década passada soubesse exatamente que direção seguir em estúdio. Canções que entrelaçam camadas de guitarras, vozes sempre carregadas de efeitos e arranjos psicodélicos que potencializam a robustez explícita pelo quarteto desde a entrega do ótimo Manual (2015). Leia o texto completo.


#8. Febem
Abaixo Do Radar (2024, Brime.Br / Empire)

A verdade sempre fez parte da obra de Febem, porém, nunca de maneira tão explícita quanto em Abaixo do Radar. Mais recente trabalho de estúdio do rapper, o sucessor de Jovem OG (2021) segue a trilha do registro que o antecede, detalhando composições que tratam sobre os percalços e conquistas pessoais do paulistano que já contabiliza mais de uma década de atuação, contudo, estabelece na formação dos versos uma vulnerabilidade pouquíssimas vezes antes percebida no repertório do artista. “Logo eu que julgam ser alguém forte demais pra chorar / Certo demais pra falhar, tipo um cofre / Queria ter a sorte hoje de não pensar demais”, rima em Super Hip-Hop, música que não apenas sintetiza parte dos temas incorporados ao longo do trabalho, como serve de passagem pela mente e inquietações do rapper. São canções que tratam sobre saúde mental e tormentos pessoais, conceito que se reflete até os últimos minutos, em Mais Um Dia, faixa que se encerra com uma mensagem de acolhimento e chamado à terapia. Leia o texto completo.


#7. Pluma
Não Leve a Mal (2024, Rockambole)

Diferente de cardápios com código QR e outras heranças malditas do período pandêmico, Pluma é uma dessas coisas que surgiram durante os meses de isolamento social e que continuam a render bons frutos. Não por acaso, ao mergulhar no fino repertório de Não Leve a Mal, primeiro álbum de estúdio do quarteto formado por Marina Reis (vocal), Diego Vargas (teclados), Guilherme Cunha (baixo) e Lucas Teixeira (bateria), somos agraciados com uma obra que potencializa tudo aquilo que o grupo havia testado nos dois primeiros EPs de inéditas, Mais Do Que Eu Sei Falar (2020) e o posterior Revisitar (2021). Claramente pensado para as apresentações ao vivo da banda, o registro produzido pelo próprio grupo em parceria com Hugo Silva diz a que veio logo na canção de abertura, Quando Eu Tô Perto. Da poesia liberta e sempre confessional de Reis, passando pelo refinamento dos arranjos que oscilam entre o jazz, o pop e a música psicodélica, tudo parece perfeitamente encaixado. São canções que começam pequenas, por vezes discretas em excesso, mas que explodem em uma colorida combinação de melodias, vozes e sentimentos. Leia o texto completo.


#6. Servo
Hiato Entre a Necessidade e o Ego (2024, Sujoground)

A primeira coisa que ouvimos em Hiato Entre a Necessidade e o Ego é a voz impecável de Milton Nascimento, porém parcialmente submersa e corrompida em meio a ruídos, efeitos e distorções. “Eu queria ser feliz”, martela a letra de Cais, esperançosa composição que integra o cultuado disco Clube da Esquina (1972), mas que acaba se transformando em um contraponto melancólico quando pensamos em tudo aquilo que Walace Santos da Silva, o Servo, busca desenvolver com o primeiro álbum da carreira. Como indicado no próprio título da obra, Hiato Entre a Necessidade e o Ego propõe uma discussão sobre a função da arte e os anseios do rapper fluminense. São composições que se dividem entre a preservação do discurso e a tentação em ceder aos padrões impostos pela indústria como forma de sobrevivência. “É isso que o povo gosta / É isso que a indústria adota / É isso que traz as notas”, rima no diálogo interior de Ego, música que funciona como um mergulho na mente do artista e uma síntese criativa do restante do álbum. Leia o texto completo.


#5. Adorável Clichê
Sonhos Que Nunca Morrem (2024, Balaclava Records)

Sonhos Que Nunca Morrem é um desses discos que engolem você. Verdadeiro catálogo de emoções, o segundo e mais recente trabalho de estúdio da banda catarinense Adorável Clichê segue de onde o quarteto formado por Gabrielle Philippi (voz e guitarra), Marlon Lopes (guitarra e voz), Gabriel Geisler (baixo) e Felipe Protski (teclado) parou no antecessor O Que Existe Dentro De Mim (2018), porém, potencializa esse resultado de forma a destacar ainda mais a grandeza dos versos e sentimentos. “É difícil aceitar / Que somos feitos de coisas que deixam cair por aí / Fico catando as sobras e usando pra me alimentar / Eu finjo, mas não finjo bem”, confessa Philippi em Amarga, composição em que trata sobre dependência emocional e a sensação de ser apenas uma alternativa secundária na vida de outra pessoa, mas que sintetiza de maneira preciosa a forte carga sentimental que consome o trabalho. São temáticas e versos talvez desgastados pela própria banda, vide músicas como Papel de Trouxa Traços, entretanto, utilizando de uma visceralidade e entrega poucas vezes antes percebida nas criações da Adorável Clichê. Leia o texto completo.


#4. Thalin, Cravinhos, iloveyoulangelo, Pirlo e VCR Slim
Maria Esmeralda (2024, Sujoground)

Resultado da parceria entre os produtores/rappers ThalinCravinhosiloveyoulangeloPirlo e VCR SlimMaria Esmeralda é tanto uma obra coletiva, como uma criação que caminha com suas próprias pernas. Tendo na personagem que concede título ao material um precioso elemento guia, o grupo que transita por diferentes projetos, como Dupla 02Os Fonsecas e Base Company, utiliza do trabalho como um objeto de reflexão sobre temas como amor, família, vingança, medo e outros conflitos bastante pessoais. Sem necessariamente se apegar a um gênero específico, o trabalho faz de cada canção uma peça isolada, ainda que intimamente conectada ao restante do material. São composições geradas a partir da colorida sobreposição de elementos, trechos de filmes, retalhos de antigos exemplares da MPB e toda uma imensa tapeçaria instrumental/rítmica que encolhe e cresce de forma a potencializar a construção dos versos. É como uma obra viva, inquieta e em constante processo de transformação, ampliando seus próprios limites. Leia o texto completo.


#3. Amaro Freitas
Y’Y (2024, Psychic Hotline)

Nascido de um intenso processo de imersão com a comunidade indígena Sateré-Mawé, nas proximidades de Manaus, Amazonas, Y’Y é um trabalho diferente de tudo aquilo que o pianista e compositor pernambucano Amaro Freitas já havia revelado anteriormente, afinal, trata-se de uma obra viva. Com Mapinguari (Encantado da Mata) como composição de abertura, o músico não apenas cria um elemento de conexão com uma das figuras fantásticas que habitam os mitos dos povos originários, base para grande parte do repertório do disco, como transporta para dentro de estúdio a mesma atmosfera e orgânica sensação de envolvimento bastante característica de quando adentramos uma floresta fechada. Em um avanço lento, pianos fragmentados, ruídos que emulam o som das matas e entalhes percussivos parecem pensados de forma a envolver o ouvinte. É como se cada componente fosse trabalhado em uma medida própria de tempo, como um preparativo para a corredeira que se revela logo na canção seguinte, Uiara (Encantada da Água) – Vida e Cura. Entre ondulações cristalinas, a composição destaca a relação de Freitas com as águas, elemento reforçado logo no título da obra, que em dialeto Sateré-Mawé pronuncia-se “eey-eh, eey-eh” e pode ser entendido como “rio”. São ambientações sutis que mudam de direção a todo instante, indicando o aspecto volátil do registro, como na curta Viva Naná, homenagem ao percussionista e compositor Naná Vasconcelos (1944 – 2016), mas que ganha ainda mais destaque em Dança dos MartelosLeia o texto completo.


#2. Maria Beraldo
Colinho (2024, Risco)

Não se deixe enganar pelo título afetuoso que estampa a imagem de capa do segundo e mais novo álbum de Maria Beraldo. Em Colinho, a cantora, compositora e produtora catarinense consegue ser ainda mais provocativa do que no material entregue no antecessor Cavala (2018). São canções perfumadas pelo sexo, desejos e insinuações da musicista que começou a carreira tocando com Arrigo Barnabé e hoje divide suas funções entre o trabalho como integrante da banda Quartabê e a produção de trilhas sonoras. Foi justamente durante a elaboração dessas trilhas, ainda no período pandêmico, que muitas das faixas que integram o trabalho foram gestadas. É o caso de Truco, música originalmente composta para o filme Regra 34 (2022), de Julia Murat, mas que ganha novo tratamento, destacando o aspecto provocante que embala a construção dos versos. O mesmo acontece em Baleia. Parceria com Juçara Marçal e Kiko Dinucci em Delta Estácio Blues (2021), a reinterpretação de musicista busca tensionar ainda mais a experiência do ouvinte. Leia o texto completo.


#1. Negro Leo
Rela (2024, QTV)

O desejo transborda em Rela. Primeiro disco de Negro Leo em quatro anos, o sucessor de Cac Cac Cac (2020) e Desejo de Lacrar (2020) destaca o esforço do cantor e compositor maranhense em mais uma vez transitar por diferentes estilos, ritmos e propostas criativas, porém, estabelece na relação com o sexo uma preciosa ferramenta da aproximação entre as faixas. São composições que vão das experiências geradas em telas de aplicativos de relacionamento ao que há de mais provocativo e delicioso no ato carnal. Verdadeira orgia para os ouvidos, o trabalho que conta com produção de Renato Godoy e contribuições de nomes como Lcuas Pires, Mbé, Kiko Dinnucci e Os Fita, diz a que veio logo nos minutos iniciais, em Date My Age. Enquanto a letra da canção busca por sexo ao citar nominalmente alguns dos principais aplicativos de relacionamento, camadas instrumentais, sobreposições de vozes e batidas se entrelaçam em uma delirante combinação de elementos, tornando impossível prever qualquer novo movimento do músico maranhense

 

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