
Com Painted Ruins, os Grizzly Bear constroem um impressionismo atmosférico verdadeiramente seu e que merece figurar o topo das listas de melhores do ano na sua própria liga.
Num ano no qual recebemos lançamentos coincidentes de tanto os Fleet Foxes de Seattle como dos Grizzly Bear de Nova Iorque, os dois maiores gigantes da cena folk alternativa americana recente, também nos apercebemos que tanto uns como outros crescem cada vez mais para lados separados.
Em 2011, os Fleet Foxes de Robin Pecknold lançavam-se na difícil rotina do segundo disco com a sua obra-prima até então, o esplêndido Helplessness Blues. No ano seguinte, a banda amiga de Ed Droste, os Grizzly Bear, já entravam no seu quarto registo com o ambicioso – embora por vezes inconsistente – Shields. De seguida, ambas a bandas caíram num período de silêncio sepulcral: Pecknold equilibrava a saída do baterista J. Tillman (hoje em dia, mais conhecido por Father John Misty) da banda, assombrado por rumores histéricos de um possível rompimento total do projeto; já o malabarismo de Droste, cujo projeto fundado em Nova Iorque nunca atingiu o sucesso dos seus companheiros de Seattle, era mais subtil – embarcou, discretamente, numa digressão dedicada à promoção das suas aventuras a solo, e focou muitos dos seus esforços em colaborações com a sua outra banda, os Department of Eagles. Em 2017, regressam ambos, lançando dois discos com meros meses de intervalo: os Fleet Foxes com Crack Up (lançado em Junho) e os Grizzly Bear com Painted Ruins (lançado em Agosto).
Para o mundo de gostos de alguns melómanos, duas bandas de géneros semelhantes até podem coexistir confortavelmente lado a lado, construindo lar no mesmo território musical, mas existe sempre a graça da competição; e, com um toca e foge quase idêntico a nível temporal do mundo da música, a tentação para comparar os esforços de Pecknold e Droste enquanto cabeças de banda torna-se quase irresistível para alguns. No entanto, e, numa nota curiosa, os dois músicos sempre mantiveram uma relação próxima e de admiração mútua, unindo até as suas vozes num dueto da autoria de Droste, “I’m Losing Myself” (certamente um momento quentinho nos corações dos amantes da cena de folk alternativa americana do novo milénio). E, talvez mais importante do que tudo, Painted Ruins sublinha o que já havia sido enfatizado em álbuns anteriores dos Grizzly Bear: o seu som é demasiado distinto para se prender com comparações juvenis baseadas em coincidências temporais e de género.
As duas bandas não só coexistem como se transformam cada vez mais em algo só seu, e não apenas num catalisador comum das tendências que habitam o seu género partilhado: por aqui em diante, esta crítica focar-se-á exclusivamente em Ed Droste e os seus Grizzly Bear, que merecem não apenas partilhar o pódio com os já há muito estabelecidos Fleet Foxes, como distinguirem-se deles e merecerem o seu lugar individual já há muito urgente na cena alternativa contemporânea.
É adequado que, por tantas vezes, o folk-rock dos Grizzly Bear, por vezes frustrado e tempestuoso, por outras melancólico e doce, se tenha emprestado a trilhas sonoras do grande e pequeno ecrã, talvez mais notavelmente no filme Blue Valentine (2010). Algo que define a banda de Ed Droste desde os seus tempos de incubadora no ainda muito prematuro disco de estreia, Horn of Plenty (2004), é a sua capacidade enorme de captar uma atmosfera precisa com o jogo de cintura exato que coreografa entre todos os seus elementos de sempre: as vozes distintas de Ed Droste e Daniel Rossen, que se alternam e intercalam num rodopio matematicamente calculado; os rasgos de guitarra encaixados em todos os espaços que os pedem; e, claro, como não poderia deixar de ser mencionada, um dos elementos mais característicos e cruciais para a longevidade do projeto: a bateria genial de Christopher Bear. Em Painted Ruins, todos este elementos caem no sítio certo; Droste e Rossen nunca soaram tão bem, tanto juntos como separados; as linhas de guitarra serpenteiam as melodias, encontrando-se a meio caminho com sintetizadores (mais em força do que nunca) bem colocados, e a bateria de Bear brilha ao longo de todo o álbum, ganhando vida própria e a liberdade de fugir por espaços vazios, enchendo-os de vida e de pujança, liberdade que só se ganha quando já se sabe o jogo de cor.
E ao quinto álbum, os Grizzly Bear não só já sabem o jogo todo como vão criando as suas próprias regras; depois da beleza obscura de Yellow House (2006) e do sucesso pop de Veckatimest (2009) – que, por terras lusas, lhes conferiu o pronome infeliz de “banda-da-música-daquele-anúncio-a-sei-lá-o-quê” – encontram-se num registo que joga pelo seguro mas que não tem medo de riscar fora das linhas quando o tempo é certo. Não será o seu melhor disco, mas talvez seja o disco pelo qual os melhor recordemos como uma banda em si, desprovida de comparações e esquecimentos injustos, de anúncios de telemóveis e de trilha sonora dos filmes: a sua segurança nunca foi tão clarividente. Mesmo sofrendo de uma ou outra inconsistência na segunda parte do álbum (mas nada que se compare ao sobe e desce do seu último registo, Shields) guardaremos momentos como “Wasted Acres”, que abre o disco, sintetizadores graves que pesam entre dedilhados orelhudos em “Three Rings”, e principalmente “Mourning Sound” (um dos seus melhores esforços pop desde o inesquecível “Two Weeks”).
Grizzly Bear confirmam o seu lugar justamente merecido no topo das listas de melhores discos do ano que começam a chegar um pouco por todo o lado. Até dos melómanos dos quais falávamos há pouco, os mesmos que mordem a língua para não verem as bandas aos pares. Há espaço para todos, e os Grizzly Bear confirmam, com Painted Ruins, merecê-lo completamente sozinhos.
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