domingo, 31 de agosto de 2025

Rafael Denardi - Adios Rick (2020)

 


Sabe aquele moleque, tipicamente brasileiro, que se espelha nos jogadores endinheirados e craques do futebol mundial e fala: quero ser um Neymar! Quero ganhar dinheiro e jogar no Barcelona e fazer muitos gols e fazer muito sucesso! Sim, o futebol faz parte da nossa cultura e as escolinhas de futebol espalhadas pelo Brasil é um celeiro de sonhos de crianças que querem ganhar o mundo. 

Mas, para variar, sempre há as ovelhas desgarradas que seguem o caminho mais difícil e que parece fazer questão de ser um marginal, caminhar nos subterrâneos utópicos e decide fazer música! E pior: fazer rock n’ roll sem amarras, que deixa fluir a criatividade, sem se tornar um produto pasteurizado. Assim é o multi-instrumentista RAFAEL DENARDI!

Rafael Denardi

Rafael é o exemplo do “operário do rock” fiel, na verdadeira acepção da palavra. Sofre como muitos músicos que não vivem de jabás da indústria fonográfica ou que vende a alma sonora para ter sua música nos dials radiofônicos, para mostrar a sua arte, batendo de porta em porta para viabilizar seu sonho e ter uma carreira e viver dela, da sua música. 

Trabalham de sol a sol, tem seus reveses, é pouco reconhecido. Mas segue! Segue lutando, porque acredita no que faz, é persistente porque encontra as suas verdades em cada nota musical que concebe que cria. E essa situação se reflete perfeitamente no seu segundo e belíssimo trabalho, lançado em 2020, chamado “Adios Rick”. Mas antes de falar desse EP do Rafael Denardi, é preciso voltar no tempo para explicar o Rafael músico, o Rafael moleque que, ao contrário de muitos outros que empunhavam uma bola e que queria ser um astro do futebol, ele começou a querer, desde cedo e, incentivado pelo pai e vizinho, a ser um músico. 


O rock progressivo foi a segunda vertente que ele descobriu. Claro que o garoto, além de querer ser músico, ouvia música pesada, heavy metal e afins. E, vale conferir o último trabalho do cara, também lançado em 2020, chamado “Two Handfuls of Rock”, um verdadeiro petardo que mescla hard rock setentista, stoner rock e hardcore. Tendo ainda outro álbum, o seu debut, lançado em 2014, chamado de "One".

"Two Handfuls of Rock"

O pai ouvia algumas coisas, conhecia algo aqui ou acolá, mas ele tinha um vizinho que tinha uma invejável coleção de CDs de rock progressivo, que ia de Gentle Giant até Ozric Tentacles. Então o jovem Rafael pediu ao seu vizinho para gravar algumas cópias das bandas que ele mais apreciava e ouviu até dizer chega, até os CDs ficarem gastos. 

“Adios Rick” é um resultado de suas peraltices de criança marginalizada e desgarrada que preferia ouvir rock progressivo a jogar bola nas ruas de São Caetano do Sul, onde nasceu e vive até hoje. Nas palavras do próprio Rafael Denardi: “Quis criar algo progressivo e setentista porque foi exatamente esse gênero e esse período que me tornaram um apaixonado pela música, por baixo e pelo Rickenbacker.” 

É um compilado de sua vida, de sua infância pouco ortodoxa. O EP traz influências sólidas e evidentes de bandas do submundo do hard progressivo alemão, da agressividade germânica, da complexidade pesada do Emerson, Lake & Palmer e do velho Galo Atômico, do Atomic Rooster dos tempos mais viscerais do grande vocalista e guitarrista John Du CannA propósito Rafael Denardi se comparou ao vocal, segundo ele, esganiçado, de Du Cann! 


John Du Cann

O rapaz definitivamente é muito humilde, uma humildade que se rompe pelo talento que tem. E esse talento se multiplica pelos instrumentos que toca sozinho neste trabalho. É isso mesmo: Rafael toca todos os instrumentos em “Adios Rick”! A bateria virtual, o seu melhor amigo, o baixo Rickenbacker, os teclados virtuais, assinou a produção (caseira e artesanal) e a concepção do álbum, compôs as músicas, como um trabalhador brasileiro, fez e faz tudo, sem esmorecer! 

E o seu inseparável amigo, o baixo Rickenbacker, é a razão do nome de seu EP e aqui vale a pena ler a história. Rafael perdeu seu emprego no início de março deste ano, mas tinha umas reservas monetárias que logo se foi e se viu obrigado a vender seu inseparável baixo. Que decisão terrível para um músico! Começou a procurar compradores e um cara de São Paulo deu um lance e ainda ofereceu um Giannini AEB010, a réplica nacional do 4001. 

Então, desse sentimento de perda, saiu o “Adios Rick”, daí o nome. O processo de composição e gravação de “Adios Rick” veio no começo de junho, surgindo um riff no seu baixo rapidamente. Foi adequando as ideias ao seu estilo de tocar dando contornos ao trabalho. E é assim que começa a primeira parte do álbum, a faixa inaugural, intitulada “Adios Rick Part I e II”. 

Poderoso, dinâmico, avassalador, o baixão rickenbacker pulsando forte, a bateria marcada, teclados acompanhando o ritmo e trazendo uma atmosfera progressiva e complexa ao som que, ao mesmo tempo, é passional, visceral e agressiva. Rafael quis fazer versos mais memoráveis e fáceis de digerir porque sobre eles que construiu  toda a narrativa da música, então, segundo ele, não dá para encher o ouvido do seu público de informação. “E a segunda parte, mais bagunçada e agressiva, simboliza que algo realmente mudou. O panorama econômico mudou e o único bem que poderia se desfazer e que lhe daria um conforto financeiro por um tempo era o baixo”, então era uma transição natural entre dois momentos, completou Denardi sobre esse fragmento do “Adios Rick”.


“Adios Rick Part III”, mais curta, mais pesada e agressiva, traz o personagem principal, o bom e necessário “rick”, em um solo desconcertante e pesado que, nas palavras de Rafael Denardi significa, no contexto da mensagem, um momento para expurgar sentimentos ruins e a raiva que sente com a atual situação horrível pela qual o  Brasil passa deixando sua sociedade vulnerável e de joelhos, sendo capitaneadas por boçais governamentais. Com uma bateria introdutória mais jazzística, diria. Os teclados, mais frenéticos e caóticos, torna essa percepção mais tangível, nota-se uma evidente referência de Keith Emerson por aqui.


“Adios Rick Part IV e V” traz um belíssimo desfecho, mais elaborada, com uma “queda” para um progressivo mais genuíno com influências das bandas mais pesadas da Inglaterra, com o protagonismo do teclado e bateria, tendo o baixo como mero coadjuvante, dando uma camada menos densa e mais trabalhada a faixa, de quase oito minutos de duração. Mais o baixo logo ganha destaque na metade da música, fazendo um salutar dueto com o teclado. Rafael Denardi envelopa, com resquícios de raiva, o conceito da música, do EP.


O processo de gravação foi feita parte a parte, com a bateria virtual, depois os teclados que também é virtual e depois o baixo. Denardi confessa ainda que nunca tinha feito uma composição sequer de teclado e em “Adios Rick” foram doze solos! Um verdadeiro desafio que se permitiu fazer. Um trabalho ousado para a sua história, embora curta, mas cheia de significados e momentos pouco lineares. Nesse período oficializou a venda do seu tão querido baixo rickenbacker, conseguindo adquirir uma réplica. Tudo fora gravado e mixado em sua casa, gravando os vocais em um estúdio no Centro de São Paulo. “Adios Rick” teve duas capas: uma para lançamento e promoção, que foi feita pelo próprio Rafael Denardi e a outra pela ilustradora paulistana chamada Ingrid Koritar.

Capa de "Adios Rick" criada por Rafael Denardi

Capa concebida pela ilustradora Ingrid Koritar

Um trabalho concebido, como muitos na história do rock n’ roll, em momentos de adversidade, de dificuldades, de provações, que faz colocar á prova o músico, o homem, que olha para o seu passado, ainda se delineando pelas predileções pelo rock progressivo e o músico que vem tomando forma do presente. As várias personificações do Rafael Denardi se encarando, se olhando e, diante dos desafios da vida, vai edificando a sua verdade sonora. Assim é “Adios Rick”, a sua relação com a música e todos os reveses externos que o edifica.




A banda:

Rafael Denardi nos vocais, na bateria e teclados virtuais e no baixo rickenbacker

Faixas:

1 – Adios Rick Part I e II
2 – Adios Rick Part III
3 – Adios Rick Part IV e V






Atlantis Philharmonic - Atlantis Philharmonic (1974)

 


Quando eu comecei a me aventurar no universo vasto e diversificado do rock progressivo eu achava que nos Estados Unidos, talvez por desconhecimento da minha parte, ainda desvirginando nessa vertente do rock n’ roll, ou por pensar que na terra do Tio Sam o público era avesso ao estilo, não tinha uma cena proeminente e prolífica. 

Mas a sorte é que sou um eterno curioso, um homem empírico que busca e lê, modéstia à parte, fazendo com que uma cena recheada de grandes bandas e grandes álbuns descortinasse diante de meus olhos.

Mas muitas dessas bandas não gozam de popularidade e de uma longa carreira discográfica, mesmo com álbuns excepcionais e de grande relevância para a concepção mais genuína do que convencionamos de rock progressivo. 

Claro que, movido pelo estímulo da curiosidade, a cada banda que descubro, traz a "beleza" de seus fracassos, capazes de nos propiciar com pitorescas e singulares histórias. E uma banda que conheci norte americana ajudou e muito a edificar a minha predileção com o rock progressivo dos Estados Unidos, em especial, sendo uma das primeiras que ouvi,essa banda se chama ATLANTIS PHILHARMONIC.

O Atlantis Philharmonic é mais uma daquelas bandas progressivas regionais dos Estados Unidos que foi formada em Cleveland, Ohio, em meados dos anos 1970 em um país que tinha o hard rock como a vertente mais popular e famosa, fazendo um genuíno e ousado rock progressivo que mesclava um progressivo sinfônico vigoroso e pleno, que nos remete ao Yes, Van Der Graaf Generator, King Crimson e Camel, mas com uma dose bem temperada de hard rock, com bons riffs de guitarra que fez seu único álbum, lançado em 1974, um trabalho robusto e majestoso e seminal para o prog rock norte americano.

E a novidade da banda não fica apenas nas suas pretensões sonoras, mas também na sua estrutura, na sua formação. Trata-se de um duo (dupla), sim, dois caras dividiam os instrumentos, mostrando uma competência além do comum. 

Então vamos aos artistas do espetáculo progressivo do Atlantis Philharmonic: Joe DiFazio que era responsável pelo órgão, piano e teclados, além do cravo, mellotron, sintetizador moog, guitarra, baixo, pedais-de-pé de graves, vocais principais e de apoio e Royce Gibson que era o baterista, também responsável pelo gongo, caixa de concerto e backing vocals. Uau! Inacreditável os caras tinham uma grande responsabilidade mesmo e parece que não reclamaram de sobrecarga, porque entregaram ao mundo um excelente álbum de rock progressivo!

Atlantis Philharmonic

Joe DiFazio começou a ter aulas de música clássica ainda no ginásio, muito jovem. Depois de concluído foi aceito em uma faculdade de Ohio no curso de música. Mas ficou somente dois semestres, porque descobriu nada menos que o rock n’ roll. 

Desistiu do curso e foi tocar em uma banda canadense que fazia cover dos Beatles. Em 1971 se juntou a Royce Gibson na tentativa de fundir o pouco que aprendeu, quando jovem, a música clássica, com a sua nova paixão, o rock, mais precisamente o hard rock, que, nessa época estava em voga no país, graças à profusão de bandas do estilo. Deu o nome de “Atlantis” a banda, mas logo inseriram o “Philharmonic” em virtude a sua proposta de música clássica, uma espécie de menção ao estilo.

Joe DiFazio

Com nome reformulado e a banda, ou melhor, a dupla formada começaram a escrever e gravar novo material, sendo que, DiFazio, antes de se reunir a Royce, já tinha algumas composições prontas e alguns “rabiscos”, sendo auxiliado, é claro, pelo seu novo colega de banda. 


Apesar das dificuldades iniciais de negociar a sua arte com gravadoras, conseguiu, em 1974, gravar seu único trabalho, homônimo, pelo selo “Dharma”, de Chicago, recrutando o produtor Perry Johnson no estúdio Castle Studios, em Lake Geneva. 

Após o lançamento do álbum, o Atlantis Philharmonic viajou em turnê, de forma extensiva e intensa pelo Meio-Oeste americano abrindo shows de bandas do naipe de King Crimson, Wishbone Ash, Stix, Tim Buckley, entre outros nomes fortes do rock n’ roll, ganhando alguma notoriedade e experiência, é claro.


Bem, sem mais delongas, vamos ao álbum. Constituído por seis faixas, engloba, como disse anteriormente, um progressivo sinfônico poderoso e vivaz, com influências pesadas do hard rock, com doses cavalares de teclados, moogs e sintetizadores, exuberantes e frenéticos que oscilam com a suavidade do piano com riffs desconcertantes de guitarra que dá o tom pesado ao álbum, sendo eclético, versátil e muito interessante de se ouvir, diria ser um álbum atemporal, jovem e com um frescor mesmo com os seus 45 anos de idade. 

Comecemos com a faixa “Atlantis” que já entrega a proposta do todo o álbum, riffs de guitarra poderoso, bateria rufando forte, teclados em profusão, me remetendo a bandas como ELP e Atomic Rooster com um vocal soturno, mas muito bem executado, diria também um pouco de rock psych. A sinergia entre os teclados e a bateria é excepcional, avassaladora.

"Atlantis"

Segue com “Woodsman” cuja introdução traz a suavidade e uma atmosfera contemplativa do piano clássico, entregando a proposta mais clássica da banda. O vocal entra, seguindo o padrão soft, discreto e introspectivo da música. Uma balada que me lembrou, em alguns momentos, a fase mais experimental e inicial do King Crimson, como em “Islands”, por exemplo. Mas, se encaminhando para o fim, a música vai ganhando mais “corpo”, o mellotron traz um momento mais viajante e pleno, a música ganha mais vida. Arrepiante música!

"Woodsman"

Eis que surge “Death Man” que abre com uma levada mais jazzística, dançante, envolvente, mas que logo ganha peso e agressividade, com riffs pegajosos e fortes de guitarra, com vocais de maior alcance, aqui me lembrei de bandas como Deep Purple, Uriah Heep e também Atomic Rooster, a faixa mais pesadona do álbum, e uma das melhores, sem dúvida. Sem contar com os solos de guitarra crus e direto, uma faixa apoteótica para os aficionados por hardão.

"Death Man"

“Fly-The-Night” segue a proposta com a predominância dos teclados, lembrando, mais uma vez, o ELP. Uma faixa mais comercial, simples, me soa radiofônica e pop, com um pouco de paganismo celta, diria. Uma faixa interessante, mas, em minha opinião, a menos atrativa do álbum.

"Fly-the-Night"

“My Friend” é mais uma balada que, também começa com o piano clássico dando a atmosfera suave e delicada à música que logo ganha o tempero dos teclados e uma bateria igualmente leve e marcada e aquele clima viajante típico dos álbuns inaugurais do King Crimson. O destaque fica para o solo simples, mas competente, de guitarra que dá o tom mais pesado, porém breve, da faixa.

"My Friend"

E fecha com a música “Atlas”, a faixa mais longa do álbum, que já começa com um verdadeiro petardo com um turbilhão de riffs de guitarra, instrumentos de percussão poderosos e bélicos, com efeitos e ruídos garantidos pelo sintetizador que faz desta música arrebatadora e eclética, com vocais mais altos e limpos. Uma faixa deliciosamente caótica e frenética.

"Atlas"

Quando o Atlantis Philharmonic gravou seu álbum, o que era um duo, uma dupla, logo se transforma em trio. É convocado para assumir a guitarra Roger Lewis, talvez pelo fato de que com dois músicos apenas, com a quantidade de instrumentos para tocar ao vivo, pudesse ser um entrave nas apresentações, dividindo um pouco as responsabilidades e a banda ganhar um pouco de “liberdade” visando um melhor desempenho nos palcos.


O Atlantis Philharmonic continuou fazendo seus shows, se apresentando setorialmente, no Meio-Oeste americano, sem conseguir ser destacar nacionalmente, em outras partes dos Estados Unidos e sem o apoio da gravadora, que, convenhamos, também não dispunha de recursos, fazendo com que a banda infelizmente encerrasse as atividades. 

Pouco se sabe sobre o caminho que os músicos seguiram após o fim da banda. A informação é de que Joe DiFazio retornou, nos anos 1980, à faculdade fazendo um curso ligado a tecnologia da computação ligada à música, se formando em seguida, tornando-se um bacharel sendo atualmente professor de novas mídias e tecnologia da computação na Indiana State University

Já os demais músicos, Royce Gibson e o terceiro integrante, Roger Lewis, nada se sabe. Em 2008, no site do Atlantis Philharmonic, foi anunciado o lançamento de um álbum chamado “Atlantis Philharmonic II – Grand Master” e, segundo informações não confirmadas e muito desencontradas, seriam novas composições da banda. Já outra fonte é de que são músicas gravadas na década de 1970, mas que não teriam sido oficialmente lançadas e, neste trabalho, a banda estava no formato trio, já com o guitarrista Roger Lewis.

"Atlantis Philharmonic II - Grand Master" (2008)

O fato verídico é que este primeiro trabalho do Atlantis Philharmonic é um deleite aos ouvidos e um elixir à alma. Um álbum versátil e muito bom que lamentavelmente não ganhou o mundo caindo nos porões obscuros do rock progressivo. O álbum teve alguns relançamentos em 1990 (The Laser's Edge) e 2016 (Belle Antique). Uma pérola sonora.




A banda:

Joe DiFazio o órgão, piano, piano eletrônico, cravo, Mellotron, sintetizador Moog, guitarra, baixo, pedais-de-pé de graves, vocais principais e de apoio.

Royce Gibson na bateria, tímpano, bumbo, gongo, caixa de concerto e backing vocals.


Faixas:

1 - Atlantis
2 - Woodsman
3 - Death man
4 - Fly-the-light
5 - My friend
6 - Atlas


"Atlantis Philharmonic" (1974)


Álbum com faixas ao vivo


Electric Food - Electric Food (1970)

 


A transição das décadas de 1960 e 1970 foi agitada para os músicos da seminal banda alemã Lucifer’s Friend. Muitos foram os álbuns lançados entre, principalmente entre os anos de 1970 e 1972, com o recém-surgido Lucifer’s Friend e os projetos da maioria de seus músicos que, de alguma forma, pelo menos em sua maioria, foram predecessores a essa importante banda de hard rock germânico. E falaremos de uma muito importante para a fundação da música pesada, do hard rock alemão e que não é lá muito reconhecida pelo feito: o Electric Food

Mas antes de falar do Electric Food torna-se mais do que pertinente falar do passado desses caras que remontam o longínquo anos 1960, mais precisamente o ano de 1963 quando uma banda, de nome “The German Bonds”, tinha dois músicos que viriam a se tornar membros essenciais do Lucifer’s Friend: o guitarrista Peter Hesslein e o tecladista Peter Hecht, além do baixista Dieter Horns.

The German Bonds gozou de alguma popularidade e a construiu no “Star Club” da cidade de Hamburgo e tinha nas suas primeiras formações, além de Hecht nos teclados e Dieter Horns, no baixo, Rainer Degner, na guitarra e vocal e Peet Becker na bateria. 

A banda fazia parte da cena beat alemã, sendo uma das primeiras a aquecer a cena local, tocando covers de bandas conhecidas também dessa vertente, de um som mais pop e dançante, como Hollies e Pretty Things, por exemplo. A banda era boa ao vivo, mas deixava a desejar nos estúdios, talvez pelo fato da pouca idade e inexperiência dos músicos ou pouca estrutura que a gravadora dava para os caras produzirem. 

O fato é que a banda durou por algum tempo, o suficiente para gravar alguns razoáveis sucessos como “Sonata Facile” que pode ser considerado como uma das primeiras manifestações do progressivo sinfônico na Alemanha e “We Are Out of Side”.

The German Bonds - "We Are Out of Side", Live (1966)

Mas a origem do Electric Food começa a ser moldada quando o guitarrista Peter Hesslein entra para o The German Bonds, isso em 1968. Com a chegada de Hesslein decidem mudar o nome, bem inusitado e engraçado, diga-se de passagem, para Electric Food. 

Os anos seguintes não foram lá os melhores. Até 1970 não tinha shows para fazer e, para ganhar alguma grana, precisavam fazer outras atividades remuneradas até mesmo para sustentar o que realmente eles amavam fazer: tocar, serem músicos.

Electric Food

A luz no fim do túnel apareceu, a situação começou a melhorar um pouco em 1970 quando assinaram contrato com um pequeno selo chamado “Europa” que tinha a intenção de investir em bandas novas com uma sonoridade mais “arrojada” e que chamava a intenção da juventude alemã e que fossem desconhecidas do grande público, afinal, já que não tinha um grande orçamento, parecia ser interessante investir em bandas novas que não são caras. 

Como Peter Hesslein, Dieter Horns e Peter Hecht já tinham um bom entrosamento e amizade, desde a época do falecido The German Bonds, então entraram no estúdio para conceber o primeiro trabalho do Electric Food, o homônimo, de 1970.

"Electric Food" (1970)

Nesse período foi convidado para a empreitada outro importante personagem na história do Lucifer’s Friend, o baterista Joachim "Addi" Rietenbach e o vocalista, que no debut do Electric Food não fora creditado, chamado George Monro, um pseudônimo para George Mavros.

George Mavros

Com essa formação o primeiro álbum do Electric Food ganhou a luz do dia. Mas esse material lançado não teria tanta divulgação assim e ficou marcado mesmo como um trabalho de estúdio, sem realização de turnês ou algo que valha, mas aqui ele ganha relevância sendo o alvo de nossa discussão. O álbum conta com a predominância de um potente e vigoroso hard rock, puro e genuíno e pode ser considerado como um dos primeiros do estilo lançado na Alemanha, sem sombra de dúvida. 

O Lucifer’s Friend, que também pode ser considerado como um dos precursores da música pesada germânica, definitivamente foi importante em todos os sentidos para o rock alemão e até quando esta não existia, já deixava na história o seu nome, antes de tê-lo figurado na música pesada alemã. Em alguns textos espalhados pela grande rede, o Electric Food tinha influência de bandas como Led Zeppelin, Uriah Heep, Deep Purple entre outras que, na época, fazia muito sucesso, no início da década de 1970, mas convenhamos que, dada a sua importância para o rico rock n’ roll alemão, o Electric Food, embora fosse o “primo pobre” da cena, pode e deve ser considerada como um dos precursores do estilo. 

Dentre as faixas gravadas no primeiro álbum tem alguns covers de bandas famosas à época, como “Whole Lotta Love”, do Led Zeppelin e “House of The Rising Sun”, da banda The Animals. Afinal era uma estratégia para divulgar e impulsionar o nome dos músicos e também da banda, afinal, tendo essas músicas famosas de bandas igualmente conhecidas, a chance era grande. Cabe aqui, antes de dissecar o álbum do Electric Food, falar de mais um momento importante na história do Electric Food que, nada mais é do que predecessor do Lucifer’s Friend. 

Falo da banda Asterix e do seminal vocalista britânico John Lawton. “Asterix” era outro projeto formado em 1970 e tinha todos os membros do Electric Food, no seu primeiro álbum, além dos vocalistas Toni Cavanaugh (Tony Cavanna) e o mais famoso: John Lawton.

John Lawton

Lawton é de uma cidade chamada Halifax, no Reino Unido, começando lá a sua carreira, na década de 1960, tocando em bandas como The Deans e Stonewall. Decidiu se mudar para Hamburgo, em 1969, depois de uma turnê que fez com o Stonewall por toda a Alemanha. 

Por lá se integrou ao grupo vocal de Hamburgo chamado “The Les Humphries Singers”, entre 1971 até 1976, mas antes fora convidado para ser o vocalista de uma banda chamada Asterix que tinha como músicos a banda Electric Food. Lançaram um álbum em 1970 e Lawton, por questões óbvias, tocou em mais faixas que os outros vocalistas Cavanna e Monro. 

O Asterix é tido como o pré Lucifer’s Friend e há quem diga que já era o lucifer’s Friend e o nome da banda que era “Asterix” não era o nome da banda, mas o nome do álbum. Essa confusão toda para constatar o óbvio: que Electric Food, Asterix e Lucifer’s Friend foram “gerados” do mesmo ventre sonoro.

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"Asterix" (1970)

Mas como aqui quem está na crista da onda é o primeiro trabalho da banda Electric Food, vamos às músicas deste excelente trabalho. Abre com a faixa clássica do Led Zeppelin “Whole Lotta Love”. A chama pesada original do Zeppelin está lá. Aquele riff característico de guitarra na introdução, a bateria pesada, um belo vocal melódico e poderoso, mas a versão do Electric Food é mais direta ainda, sem aqueles momentos lisérgicos e psicodélicos que entre os “momentos” pesados na música original gravada pela banda britânica. Ótima versão!

"Whole Lotta Love"

“The Reason Why” traz a memória um som típico norte americano, sulista, soando, em alguns momentos country, mas logo ganha força, ganha corpo e, entre riffs crus e diretos de guitarra e teclados tocados freneticamente em um belo duelo, a música ganha peso, mas que logo volta aquele momento mais lento. Belas alternâncias rítmicas fazem dessa faixa também especial.

"The Reason Why"

“Hey Down” vem com teclados vivazes e cheio de força com a bateria em um estilo meio jazzístico em uma levada bem pesada, com um vocal limpo, alto, de grande alcance e melódico até chegar ao cume do caos sonoro. “Tavern” tem também o destaque dos teclados e da bateria com solos curtos e bem feitos de guitarra.

“Going To See My Mother” é uma faixa bem dançante e solar! Traz um pouco da chama da década de 1950, com um piano bem divertido. Um típico rockabilly bem interessante. Mas o destaque do álbum é um clássico, um cover da banda The Animals chamado “House Of The Rising Sun”. Uma excelente versão com a assinatura do Electric Food: um hard rock poderoso e arrebatador.

"House of the Rising Sun'

“Let's Work Together”, clássico do ex-Beatle George Harrison, é outra faixa dançante, envolvente e animada. O vocal acompanha os teclados em um ritmo cadenciado e interessante, tendo a guitarra dando o “tempero” mais pesado ao conjunto sonoro. “Sule Skerry”, a começa com uma pegada mais blueseira, mas com a marca registrada do hard rock com guitarra “cantando” forte e bateria pegando pesado que logo dá lugar ao vocal bem executado. Uma faixa poderosa, um senhor petardo!

 "Sule Skerry"

“Nosferatu” é sem dúvida a mais sombria do álbum! Com uma atmosfera densa e ameaçadora, com gritos de desespero e tudo que tem direito, ela irrompe com uma bateria poderosa feito um trovão, com riffs de guitarra sujos e repetitivos e teclados obscuros faz dessa música uma das melhores deste trabalho do Electric Food.

Nosferatu"

“Twelve Months And A Day” é mais lisérgica, uma pegada mais beat, com um aspecto mais comercial e radiofônico, é cadenciada com um bom trabalho do vocal e da “cozinha” em uma bela sinergia. “Icerose” tem o destaque dos teclados e de riffs bem satisfatórios de guitarra em mais uma sinergia bem salutar com um belo duelo, onde o trabalho dos instrumentistas, como um todo, diria, tem a sua importância. 

"Twelve Months and a Day"

O álbum fecha com “I'll Try” que traz de volta os momentos mais agressivos do Electric Food neste álbum, com, mais uma vez, a participação intensa dos teclados tocados de forma intensa e visceral com os riffs de guitarra dando peso.

"I'll Try"

O Electric Food, em 1971, lançaria um segundo álbum chamado “Flash”, mas sem muita repercussão, como o primeiro álbum. E nesse mesmo período um novo projeto ganharia vida e se chamaria “The Pink Mice” que consistia na encarnação mais sinfônica desses músicos do Electric Food e Lucifer’s Friend, tendo também influências clássicas com releituras de ícones do estilo como Bach e Beethoven, por exemplo.

The Pink Mice

Lançaram dois álbuns, o primeiro, em 1971, chamado “In Action” e o segundo, em 1972, chamado “In Synthesizer Sound”. The Pink Mice é considerado, junto com bandas do naipe de Triumvirat, que no início de sua história se chamava “The Rat”, um dos pioneiros do progressivo sinfônico na Alemanha.

Em 2004 os dois álbuns foram relançados em CD, em um formato "dois em um". Uma pérola mais do que recomendada da vasta e rica Alemanha sonora. Um verdadeiro “clássico obscuro” perdido dos primórdios da música pesada. Nesse emaranhado de lançamentos e projetos, o mais audacioso e longevo de todos, o próprio Lucifer’s Friend, ganharia vida com o seu primeiro álbum, utilizando de fato, oficialmente, o nome “Lucifer’s Friend”, também em 1970 com o álbum homônimo, mas isso já é outra história...



A banda:

George Monro (George Mavros) nos vocais
Peter Hesslein na guitarra e backing vocals
Peter Hecht nos teclados
Dieter Horns no baixo
Joachim "Addi" Rietenbach na bateria


Faixas:

1 - Whole Lotta Love
2 - The Reason Why
3 - Hey Down
4 - Tavern
5 - Going to See My Mother
6 - House of the Rising Sun
7 - Let's Work Together
8 - Sule Skerry
9 - Nosferatu
10 -Twelve Months and a Day
11 - Icerose
12 - I'll Try


"Electric Food" (1970)

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