
Brian Eno mostra-nos, uma vez mais, que a sonorização do silêncio pode ser feita de forma imperial, elegante e evocativa.
O ano de 2017 abriu com este disco, o que já por si é um facto significativo a ter em conta. Explico melhor: o mundo anda antipático para connosco, e para podermos pensar sobre o que nos circunda, para podermos refletir sobre o que temos pela frente, há que fazê-lo sem os ataques sonoros, visuais, ideológicos que a cada minuto nos transtornam a vida. Há que parar, por vezes. É urgente o silêncio para que possamos dar voz ao que somos e pensamos. Por isso, e sobretudo nesse estrito sentido, Reflection funciona como uma esponja que tudo limpa ou que ajuda a apagar todos os excessos. E não me venham com conversas: há sempre muito lixo que convive diariamente connosco que é premente deitar fora. O que Brian Eno nos oferece é, nada mais, nada menos, do que um momento de claríssima depuração da alma, uma vez que o corpo, sempre interessado em ritmos e cadências várias, não é para aqui chamado.
Reflection é um disco em que a ideia de paz se estende em longos e envolventes lençóis sonoros. Ou melhor, de silêncios onde o som vai pontuando de modo quase poético. É mais um esforço, dos muitos que Brian Eno já desenvolveu ao longa da sua carreira, para que percebamos a utilidade da quebra, da fratura da rotina que se instala em todos nós até ao osso da nossa existência moderna. É igualmente, como se percebe, mais um trabalho ambiental e atmosférico, próximo do conceito que teve o seu início no já distante ano de 1975, com o excelente Discreet Music, marco inicial e histórico de uma nova forma de estar e fazer música onde nada (ou pouco) parece acontecer. Não se tome, no entanto, esse disparate como certo. Há sempre algo a acontecer em Reflection, embora de forma tão lenta (por isso o disco se compõe de apenas uma faixa com a duração de 54 minutos e um segundo), tão subcutânea, que é difícil, porventura, percebermos de imediato as transformações a que estamos sujeitos quando o ouvimos. Elas podem ser muitas e proveitosas, assim tenhamos nós a capacidade de transformar em benefício aquilo que esse ar nos traz.
O efeito produzido por Reflection em cada ouvinte que se aventure a levar a bom porto a sua longa audição, não será obrigatoriamente o mesmo, embora o título deste recente longa duração de Brian Eno seja bastante autoexplicativo. O convite é claro e direto: a reflexão, o que obrigará a uma pausa prolongada, tipo de momento raro nos dias musculados do nosso tempo. Daí o efeito terapêutico que em alguns se fará sentir. Eu faço parte desse grupo de pessoas que encontra nesse formato inovador de projeção musicada de silêncios um caminho de tranquilidade e íntima satisfação. A beleza de álbuns como Ambient 1: Music For Airports (1978), Ambient 2: The Plateaux of Mirror (de 1980, com a participação de Harold Budd), Ambient 4: On Land (1982) ou Apollo, Atmospheres & Soundtracks (1983, com Daniel Lanois e Roger Eno) é intemporal e esmagadora. Em Reflection, disco que em alguma medida é distante e próximo, ao mesmo tempo, do anterior The Ship lançado no ano passado (e que tem, como sabemos, momentos cantados, ao contrário do seu sucessor) há também bastante dessa neutralidade da música, que confessadamente tanto aprecio.
Uma última nota sobre Reflection: depois de três prazerosas audições, chegou finalmente a surpresa de perceber que a sua verdadeira profundidade reside na descoberta interior de um quarto secreto e escuro que anseia por uma plena ocupação. E eu tenho agora, neste momento em que já ouvi o disco outras tantas vezes, o coração curvado ao peso de inúmeras boas coisas que florescem a olhos vistos, espécie de novelo enrolado para dentro, para o interior do meu particular contentamento.
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