terça-feira, 30 de dezembro de 2025

CRONICA - TRAFFIC SOUND | A Bailar Go-Go (1969)

 

No final da década de 1960, o Peru entrou em um período de profunda turbulência. Em outubro de 1968, o General Juan Velasco Alvarado tomou o poder em um golpe militar e impôs um regime nacionalista, reformista e anti-imperialista. Seu objetivo era reduzir a influência estrangeira e restaurar o orgulho cultural e social do povo peruano. O Estado incentivou a promoção da música andina e folclórica, percebida como autenticamente nacional, enquanto o rock, símbolo de uma juventude burguesa voltada para os Estados Unidos e a Europa, era frequentemente relegado ao status de distração estrangeira, ou mesmo de expressão decadente.

É nesse contexto paradoxal que nasceu o Traffic Sound, um grupo emblemático do rock peruano das décadas de 60 e 70.

Formada em Lima em 1967, a banda reuniu Manuel Sanguinetti (vocal, percussão), Willy Barclay (guitarra solo), Freddy Rizo Patrón (guitarra rítmica), Jean Pierre Magnet (saxofone), Willy Thorne (baixo) e Luis Nevares (bateria).

Originários dos bairros abastados de Miraflores e San Isidro, os músicos cresceram em meio a uma juventude urbana curiosa e cosmopolita, ávida por modernidade. Nutridos pela contracultura psicodélica e pelo rock britânico (The Doors, Cream, Jimi Hendrix…), que descobriram através de discos importados, sonhavam em criar música moderna, livre e enraizada em sua identidade latino-americana.

Frequentando as discotecas mais badaladas da capital, eles ganharam reconhecimento graças a um repertório de covers interpretados com energia contagiante. A editora Mag, impressionada com o seu potencial, ofereceu-lhes a oportunidade de gravar uma série de seis singles entre 1968 e 1969, que serviriam de base para o seu primeiro LP, A Bailar Go-Go , lançado pouco depois.

Este álbum nada mais é do que uma coleção de covers anglo-saxões, submetidos a uma mistura de garage rock psicodélica, com guitarras distorcidas em destaque. A faixa de abertura, "I'm So Glad", de Skip James, popularizada pelo Cream, define imediatamente o tom. O que impressiona de imediato é o som! É cru, saturado, sujo, quase acidental. As condições de gravação parecem rudimentares, para dizer o mínimo, como se a banda tivesse montado seus microfones em um banheiro. Some-se a isso instrumentistas que ainda não atingiram o virtuosismo de seus ídolos anglo-saxões. Mas a audácia e a sinceridade compensam amplamente as deficiências.

É claro que este LP curto (com pouco mais de 22 minutos) não está imune à influência de Jimi Hendrix, cujas músicas “You've Got Me Floating” e “Fire” o grupo interpreta. Mais uma vez, o sexteto está longe de rivalizar com o poder incandescente da Jimi Hendrix Experience. Mas sua abordagem mais crua, caótica e quase destrutiva exala uma convicção comovente.

"You Can't Win" do Iron Butterfly (creditada como "Destruction") não é tão ruim. Exceto pelo fato de que a adição de metais lhe confere um toque muito mais emotivo do que a original. "Sueño" do Young Rascals exala uma verdadeira fúria latina, transbordando percussão e vitalidade, enquanto "Sky Pilot" do The Animals se aventura em um pop caleidoscópico e inquietante, banhado em efeitos psicodélicos.

Em pouco mais de vinte minutos, Traffic Sound revela uma energia juvenil, um senso de ritmo cru e, acima de tudo, uma vontade de causar impacto. Este LP curto, caseiro, porém incandescente, já anuncia as ambições de um rock peruano pronto para se libertar e se afirmar contra seus modelos anglo-saxões.

Mas, claramente, este disco de vinil não tem outro propósito senão apresentar um grupo jovem ainda em busca de sua própria identidade. Por trás dessas versões energéticas, o Traffic Sound está encontrando seu caminho, tateando, experimentando, aprendendo a se diferenciar de suas influências britânicas. Se quiser perdurar, o sexteto precisa agora afirmar uma voz original, compor seu próprio som e traduzir em música a efervescência de um Peru em constante transformação.

Títulos:
1. I’m So Glad
2. You Got Me Floating       
3. Sueño         
4. Destruction
5. Sky Pilot    
6. Fire

Músicos:
Manuel Sanguinetti: Vocais, Percussão
Willy Barclay: Guitarra, Vocais
Freddy Rizo Patrón: Guitarra
Jean Pierre Magnet: Saxofone
Willy Thorne: Baixo
Luis Nevares: Bateria

Produção: Traffic Sound




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