Em 1968, o mundo passava por uma grande turbulência. A Guerra do Vietnã continuava ceifando vidas e gerando comoção e protestos em todo o planeta. Na França, os protestos também tomavam conta daquele país em busca de mais liberdade, o mesmo acontecendo em Praga, capital da então Tchecoslováquia. Nos Estados Unidos, o assassinato do líder pacifista Martin Luther King, aos 39 anos, chocou o mundo inteiro. O movimento hippie ganhava força, quebrava paradigmas e revolucionava costumes, impulsionado pelo musical Hair e por astros do rock como Beatles, Rolling Stones , Jimi Hendrix e Janis Joplin. O filme 2001 - Uma Odisseia No Espaço, encantava o público com uma visão futurista da Terra.
Naquele mesmo ano de 1969, um Brasil mergulhado numa ditadura militar desde 1964 - quando os militares haviam derrubado o presidente João Goulart (1918-1976) - via as suas ruas tomadas por protestos, tiros e bombas. A "Passeata dos 100 Mil" invadiu as ruas do Rio de Janeiro protestando contra a ditadura e o assassinato do estudante Edson Luís, morto por policiais militares num restaurante. Todo o repúdio ao regime ditatorial que havia se instalado no país encontrava apoio nas artes, que se tornaram um veículo importantíssimo de manifestação e denúncia, assim como em alguns veículos de imprensa. Se por uma lado, a revolta crescia, por outro a repressão crescia proporcionalmente, e cada vez mais agressiva.
"Passeata dos 100 Mil", manifestação que mobilizou cem mil pessoas nas ruas do centro do Rio de Janeiro, em 1968, num protesto contra a ditadura militar no Brasil.
Nesse caldeirão transformador que foi o ano de 1968, os grandes protagonistas foram os jovens. Eles estavam em todas as frentes, promovendo a mudança, seja nas ruas, nos palcos, nas telas de cinema ou na música. E é nesse cenário que o álbum Tropicália Ou Panis Et Circencis veio ao mundo. O álbum coletivo foi uma ideia que teria partido de Caetano Veloso, e que acabou se tornando um disco-manifesto tropicalista.
Com produção de Manoel Barenbein e arranjos do maestro Rogério Duprat, Tropicália Ou Panis Et Circencis foi uma espécie de "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band tropicalista", dado o experimentalismo e ousadia empregados no disco. Além de Caetano, o álbum contou com a participação de Gilberto Gil, Gal Costa, Nara Leão, Os Mutantes e Tom Zé.
A capa de Tropicália Ou Panis Et Circencis faz uma certa referência ao célebre disco dos Beatles, mas ao mesmo tempo, lembra as antigas fotos de famílias brasileiras da primeira metade do século XX, porém dentro de um olhar mais contemporâneo. Na capa aparecem Gilberto Gil sentado ao chão segurando a foto do poeta baiano José Carlos Capinam, coautor de um das canções do disco; o maestro Rogério Duprat segura um penico como se fosse uma xícara de chá; Caetano exibe uma foto de Nara Leão, que participou do álbum gravando uma das faixas; Gal e o poeta Torquato Neto sentados juntos como se fossem um comportado casal de namorados; ao fundo, mais acima, os Mutantes e Tom Zé, este segurando uma valise como se tivesse acabado de chegar de viagem.
A foto da capa foi feita na casa do fotógrafo Olivier Perroy, em São Paulo, enquanto que a arte gráfica nas cores da bandeira brasileira, ficaram a cargo do artista plástico Rubens Gerchman (1942-2008). Gerchman fez a combinação da foto com as faixas coloridas tendo como inspiração a sua própria série de obras intituladas "Caixas de Morar".
Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band e uma obra de Rubens Gerchman da série "caixa de Armar": inspirações para Tropicália Ou Panis Et Circencis.
O título do álbum nada mais é do que a junção do nome de duas músicas tropicalistas: "Tropicália", presente no primeiro álbum solo de Caetano, mas que ficou de fora do disco coletivo, e "Panis Et Circenses", gravada pelos Mutantes especialmente para o disco-manifesto e que em latim significa "Pão e Circo". A capa traz ainda outra curiosidade: a palavra "circencis", tanto na capa, quanto na contrapa - na lista das faixas - está com a grafia errada. O certo seria "circenses". Nos relançamentos posteriores em CD, houve a correção, porém apenas no título da canção na lista de faixas na contra capa. Mantiveram a grafia errada presente na capa, provavelmente para preservar a arte original e histórica.
O álbum coletivo começa em tom litúrgico através do som de um órgão de igreja: é a senha para a primeira faixa, "Miserere Nobis", com Gilberto Gil acompanhado dos Mutantes. Assim como algumas das outras faixas do álbum, "Miserere Nobis" possui mensagens cifradas que são críticas dirigidas à ditadura militar. O refrão em latim "Miserere-re nobis / Ora, ora pro nobis" que quer dizer "Tende piedade de nós / Orai, orai por nós", aparenta ser uma espécie de súplica a Deus pelo momento sombrio e sem esperanças em que o Brasil se encontrava. Os versos finais, onde Gil canta de madeira soletrada, escondem outra mensagem cifrada, como se fosse um código: "Bê, rê, a - Bra / Zê, i, lê - zil / Fê, u - fu / Zê, i, lê - zil / Cê, a - ca / Nê, agá, a, o, til - ão". Ao decifrar esses versos o resultado é surpreendente: Brazil, fuzil, canhão.
Sons de tiros de canhão emendam o final de "Miserere Nobis" com o início da faixa seguinte, "Coração Materno", uma regravação de uma antigo sucesso de Vicente Celestino (1894-1968), de 1951. O cantor alcançou grande popularidade com seu vozeirão operístico entre os anos 1930 e 1950, cantando canções carregadas de dramaticidade. Entrou em decadência nos anos 1960 com o surgimento da bossa-nova e da Jovem Guarda. Sua música e sua maneira de cantar passaram a ser considerados cafona pelos mais jovens na época. A regravação de Caetano Veloso para o disco, foi um resgate do cantor, ainda que a canção fosse considerada de péssimo gosto pela crítica. "Coração Materno" conta a história de um camponês que arranca o coração da própria mãe para oferecer à mulher que amava como prova de amor. Os arranjos orquestrados do maestro Rogério Duprat e a voz empostada de Caetano, reforçam o teor melodramático da canção.
O Tropicalismo resgatou o prestígio de Vicente Celestino.
A faixa seguinte é a psicodélica "Panis Et Circensis", composta por Caetano Veloso e Giberto Gil, tendo os Mutantes como intérpretes. A música é uma crítica à sociedade conservadora e conformista. Num trecho, versos parecem fazer uma alusão à maconha: "Mandei plantar / Folhas de sonho no jardim do solar". "Panis Et Circensis" é cheia de efeitos, recortes e colagens sonoras na sua gravação. No meio da faixa, a música diminui a rotação bruscamente como se o aparelho de som estivesse com defeito, mas foi puro truque de gravação. A sociedade conservadora está representada de maneira debochada no trecho onde se ouve ruído de copos, talheres e pessoas jantando ao som da valsa "Danúbio Azul", de Johan Strauss (1825-1899), na reta final da música.
Outrora musa da bossa-nova, Nara Leão (1942-1989) participa do álbum coletivo tropicalista cantando "Lindoneia", um bolero propositadamente cafona composto por Caetano Veloso inspirado no quadro A Bela Lindoneia ou A Gioconda do Subúrbio, do artista plástico pop Rubens Gerchman, o mesmo que fez o design gráfico da capa do disco. A letra versa sobre uma jovem suburbana cheia de sonhos que desaparece misteriosamente, algo que nos tempos da repressão ditatorial dos militares era comum no Brasil.
Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Mutantes e Tom Zé cantam juntos em "Parque Industrial", música de Tom Zé que faz uma leitura debochada e irônica do processo industrial e urbano pelos quais o Brasil passava naquele momento.
O Tropicalismo está representado de maneira sintética em "Geleia Geral", na voz de Gil. A canção faz um retrato de um país cultural e etnicamente misturado, e ao mesmo tempo contraditório, onde miséria e riqueza, o tradicional (bumba-meu-boi, escola de samba, banana, santo barroco baiano, carne-seca) e o moderno (TV, avião a jato, Formiplac, Jornal do Brasil, LP, iê-iê-iê) convivem juntos.
A Bela Lindoneia, de Ruibens Gerchman, obra que inspirou a canção "Lindoneia".
"Geleia Geral" ainda traz em seus versos, citações sutis de músicas, poemas ou frases de outros autores, a começar pelo título da música que foi uma expressão criada pelo poeta Décio Pignatari (1927-2012). Outras citações: "A alegria é a prova dos nove", frase de Oswald de Andrade (1890-1954) no seu "Manifesto Antropofágico", de 1928; o poema "Canção do Exílio, de Gonçalves Dias ("Minha terra é onde o sol é mais limpo"); "Carolina", canção de Chico Buarque ("E outra moça também Carolina / Da janela examina a folia"); Hino à Bandeira do Brasil ("Salve o lindo pendão dos teus olhos"). A música termina com Gil cantando em cima do naipe de metais executando acordes "emprestados" de "Disparada", de Geraldo Vandré, apesar deste ter sido na época um forte oposicionista dos ideais tropicalistas.
A bela bossa-pop "Baby" foi composta por Caetano Veloso para sua irmã, Maria Bethânia, gravar para o álbum tropicalista. Porém, Bethânia recusou-se a gravá-la porque não queria ser vinculada ao movimento. Coube a Gal Costa gravar "Baby", e de uma forma divinamente bela. "Baby" carrega um ar de sofisticação e modernidade nos seus arranjos, que cruzam elementos de bossa-nova e música pop. A canção termina num dueto entre Gal e Caetano Veloso: ela cantando o refrão da canção e Caetano fazendo o contraponto cantando em inglês o refrão de "Diana", música imortalizada por Paul Anka. "Baby" acabou sendo incluída no primeiro álbum solo de Gal Costa, lançado no começo de 1969.
"Três Caravelas" (Las Carabelas)", de Augusto Algueró Jr. e G. Moreu, ganhou uma versão em português através de João de Barro, e foi gravada pela primeira vez no Brasil em 1957 por Emilinha Borba em ritmo de baião. Para o álbum tropicalista, Caetano e Gil gravaram num delicioso e alegre ritmo de cha, cha, cha. Caetano e Gil se revezam cantando trechos em português e em espanhol sobre chegada de Cristóvão Colombo ao continente americano em 1492.
O escritor Oswald de Andrade, assim como a Semana de Arte Moderna de 1922, da qual participou, exerceram forte influência sobre o Tropicalismo.
Na faixa seguinte, "Enquanto Seu Lobo Não Vem", o clima fica sombrio com Caetano Veloso acompanhado de Gal Costa e Rita Lee fazendo os vocais de fundo. O que nos versos aparentemente parece se referir a um simples passeio pela cidade, na verdade é uma convocação velada para povo ir para as ruas: "Vamos passear na floresta escondida, meu amor / Vamos passear na avenida / Vamos passear nas veredas, no alto meu amor / Há uma cordilheira sob o asfalto". A canção é mais uma demonstração de oposição do movimento tropicalista à ditadura militar presente no álbumTropicália Ou Panis Et Circencis. "Enquanto Seu Lobo Não Vem" é ainda sutilmente provocativa nos arranjos ao incluir um trecho do hino comunista "A Internacional" e do Hino à Bandeira do Brasil. Ao final, a provocação fica mais explícita a respeito do estado de tensão do Brasil naquele momento: "(Os clarins da banda militar…) / Debaixo das bombas, das bandeiras / (Os clarins da banda militar…) / Debaixo das botas / (Os clarins da banda militar…) / Debaixo das rosas, dos jardins / (Os clarins da banda militar…) / Debaixo da lama / (Os clarins da banda militar…) / Debaixo da cama". A cada verso cantado por Caetano, era sucedido pelo coro de Gal e Rita cantando repetidamente "Os clarins da banda militar" que é mais uma citação presente na música: é um verso "emprestado" de uma antiga canção de Dorival Caymmi, "Dora".
"Mamãe Coragem" é talvez a faixa mais sensível e tocante do álbum. Com letra de Torquato Neto (1944-1972) musicada por Caetano Veloso, "Mamãe Coragem" faz referências ao filho que corta o "laço umbilical" com a mãe e ganha o mundo, vai viver a sua vida, as suas experiências. A letra da canção seria autobiográfica, referindo-se ao próprio Torquato que deixou a família na sua cidade natal, Teresina, no Piauí, para estudar em Salvador na adolescência. "Mamãe Coragem" traz citações literárias a começar pelo título, inspirado na peça Mãe Coragem e Seus Filhos, de 1939 escrita por Bertold Brecht (1898-1956), e a de dois livros: Elzira, A Morta Virgem, de Pedro Ribeiro Vianna, e O Grande Industrial, de Jorge Ohnet: "Pegue uns panos pra lavar / Leia um romance / Leia 'Elzira morta virgem' / 'O grande industrial".
Elzira, A Morta Virgem e O Grande Industrial: citações literárias em "Mamãe Coragem".
Gilberto Gil e Mutantes retornam juntos em "Batmacumba", uma música que é mais um exemplo de síntese do Tropicalismo. A letra é uma poesia concreta que tem apenas um verso ("Bat Macumba ê ê, Bat Macumba obá") que se repete, mas que num dado momento, a cada repetição, perde uma sílaba até se resumir à sílaba "ba". A partir daí faz o caminho contrário, ganhando de volta cada sílaba perdida até restaura-se por completo. Composta por Gilberto Gil, a letra faz uma articulação entre as referências afro-brasileiras (macumba, baobá, uma árvore de origem africana) com referências estrangeiras ("bat", morcego em inglês), e Batman (super-herói das histórias em quadrinhos, uma linguagem da cultura de massa), e tudo construído dentro da estética da poesia concreta, na qual a letra da canção ganha a forma da letra "K".
O álbum chega ao final com o "Hino Ao Senhor do Bonfim", que conta com a participação de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Os Mutantes. A música termina com gritos, sirenes e tiros de canhão, em mais uma alusão ao clima tenso das ruas brasileiras tomadas por manifestantes que enfrentavam as forças repressivas da ditadura militar. Essa versão do "Hino Ao Senhor do Bonfim" feita pelos tropicalistas, se tornou a mais famosa e mais executada na Bahia, seja nos festejos da Lavagem da Igreja do Bonfim, em Salvador, ou nas rádios daquela cidade.
A gravadora Philips lançou Tropicália Ou Panis Et Circencis no final de julho de 1968. O álbum foi bem recebido por boa parte da imprensa, inclusive pelos críticos que tinham restrições ao Tropicalismo, mas que acabaram se rendendo à qualidade e à criatividade da produção do álbum, em especial, aos arranjos do maestro Rogério Duprat. Em agosto de 1968, a gravadora Philips promoveu duas festas de lançamento para a promoção do Tropicália Ou Panis Et Circencis, uma na boate Dancing Avenida, no Rio de Janeiro, no dia 07, e outra no Avenida Danças, em São Paulo, no dia 12 do mesmo mês. Em ambas as festas promocionais - bastante concorridas contando com vários convidados - os artistas que gravaram o disco se apresentaram.
Show de lançamento do álbum Tropicália Ou Panis Et Circencis na boate Avenida Danças, em São Paulo, em agosto de 1968.
O lançamento de Tropicália Ou Panis Et Circencis contribuiu para que o movimento tropicalista se tornasse mais atuante, combativo e polêmico durante o resto do ano de 1968.Em setembro daquele ano, Caetano Veloso participa do 3º Festival Internacional da Canção, promovido pela TV Globo com a música "É Proibido Proibir", acompanhado dos Mutantes. Sua apresentação ao lado dos Mutantes foi caótica: vestidos com roupas de plástico, o baiano e abanda paulista enfrentaram a fúria do público que vaiava. Caetano tentava cantar, mas ao mesmo fazia um discurso violento contra a plateia e a banca de jurados. A canção acabou sendo desclassificada, mas aquela apresentação de Caetano e os Mutantes se tornou histórica.
Um mês depois, em outubro, Caetano se envolveu em mais uma polêmica, desta vez durante um show na boate Sucata, no Rio de Janeiro, juntamente com Gilberto Gil e os Mutantes. No cenário do show, teria sido exposta uma bandeira pintada pelo artista plástico Hélio Oiticica (1937-1980), onde se via a imagem do corpo do traficante Cara de Cavalo, morto por policiais ligados à organização Scuderie Le Cocq, em 1964. A imagem era acompanhada da inscrição Seja Marginal, Seja Herói. O fato gerou mal estar, e o show foi suspenso com o fechamento da casa de espetáculo naquela noite pelas autoridades.
Ainda em outubro, estreava na TV Tupi, o programa anárquico Divino Maravilhoso, comandado por Caetano e Gil, mas que contava com a participação dos outros artistas tropicalistas. O título do programa era o mesmo de uma canção composta por Caetano e que foi defendida por Gal Costa em novembro, no 3º Festival Internacional da Canção, numa apresentação eletrizante da cantora baiana que deixou brotar o seu lado roqueiro.
Tropicalismo na TV: programa Divino Maravilhoso, na TV Tupi, em 1968.
Em dezembro, Caetano e Gil foram presos em São Paulo, muito por conta do ato polêmico na boate Sucata. Os líderes tropicalistas foram presos poucos dias após o presidente ditador Artur da Costa e Silva emitir o Ato Institucional Nº 5, mais conhecido como AI-5, que foi implacável a qualquer um que se opusesse ao regime ditatorial. Cassar mandatos políticos, fazer intervenções, censurar veículos de comunicação, prender e torturar qualquer um que se opusesse ao regime ditatorial, foram apenas alguns dos plenos poderes que o AI-5 assegurou ao presidente. Caetano e Gil foram algumas das primeiras figuras públicas vitimadas pelo AI-5. Os dois baianos certamente já estavam na mira dos militares, haviam se tornado um "problema", assim como outros artistas e intelectuais que faziam oposição aberta à ditadura. Após serem presos em São Paulo, Caetano e Gil foram levados para um quartel do Exército no Rio de Janeiro, onde ficaram por cerca de dois meses.
Por volta de fevereiro de 1969, Caetano e Gil foram mandados para Salvador, e na capital baiana, foram proibidos de deixar a cidade, de dar entrevistas e fazer shows, a menos com autorização dos militares. Dentro de um apartamento onde estavam confinados, Caetano gravou voz para o seu próximo álbum, acompanhado de um violão tocado por Gil, sob supervisão do maestro Rogério Duprat e do produtorManoel Barenbein que haviam se deslocado para Salvador para colher esse material. Não havia em Salvador na época estúdio de gravação com recursos mínimos para se gravar material para um disco. Duprat e Barenbein pegaram as fitas e voltaram para São Paulo, onde acrescentaram os outros instrumentos ao material gravado em Salvador.
Manchete do Jornal do Brasil de 14 de dezembro de 1968 sobre o AI-5, decretado pelo então presidente Costa e Silva.
Em julho de 1969, Caetano e Gil foram liberados para fazerem dois shows no Teatro Castro Alves, em Salvador, que chegaram a ser gravados de maneira precária, e lançados no álbumBarra 69 - Caetano e Gil Ao Vivo na Bahia, em 1972.A duas apresentações foram na verdade uma forma de se angariar fundos para que os dois líderes tropicalistas deixassem o Brasil e partissem para o exílio em Londres, Inglaterra, o que de fato acabou acontecendo. Após as duas apresentações, Caetano e Gil, acompanhados das suas respectivas esposas, deixaram o Brasil, e partiram o exílio londrino que durou três anos. Em agosto de 1969, já com Caetano exilado na Inglaterra, aqui no Brasil chegava às lojas o segundo álbum do cantor, com uma capa toda branca e trazendo apenas nela o nome do artista.
Com a partida de Caetano Veloso e Gilberto Gil para o exílio, chegava ao fim o movimento tropicalista. No entanto, apesar de ter chegado ao seu final, o Tropicalismo abriu novos caminhos para a música brasileira e influenciando gerações de artistas ao longo dos últimos 50 anos no campo da diversidade musical. Dos Secos & Molhados e o Acabou Chorare dos Novos Baianos, a Selvagemdos Paralamas do Sucesso e Da Lama Ao Caos do Chico Science & Nação Zumbi e o movimento manguebeat, passando pela axé music, todos eles sofreram algum tipo de influência do Tropicalismo, o que faz de Tropicália Ou Panis Et Circencis um álbum ainda bastante relevante.
Lado A
1. "Miserere Nóbis" (Gilberto Gil - José Carlos Capinam) Gilberto Gil / Os Mutantes
O power trio britânico The Jimi Hendrix Experience era a grande sensação do rock mundial na virada de 1967 para 1968. Seu vocalista e guitarrista, o norte-americano Jimi Hendrix, assombrou o mundo e deixou a todos perplexos com a sua maneira completamente inovadora de tocar guitarra elétrica. Ele praticamente reinventou a maneira de tocar esse instrumento musical. Além das apresentações arrasadoras nos palcos, o power trio contava com dois álbuns de estúdio no currículo, os elogiados Are You Experienced e Axis: Bold As Love, ambos lançados em 1967.
As gravações do material para o terceiro álbum começaram em julho de 1967, antes mesmo do lançamento do segundo álbum Axis: Bold As Love, que ocorreu em outubro daquele ano. O processo de gravação passou por algumas interrupções por causa das turnês do trio, mas retomado sempre quando possível. As gravações ocorreram em estúdios diferentes como o Olympic Studios, em Londres, o Mayfair Studios e o Record Plant Studios, os dois últimos em Nova York. No entanto, boa parte do material foi gravado no Record Plant Studios, na época recém-inaugurado e que se tornaria mais tarde um dos mais importantes estúdios de gravação do mundo, local onde algumas das maiores estrelas da música gravaram discos antológicos do rock como Imagine (1971), de John Lennon, School's Out (1972), de Alice Cooper, Rumours (1977), do Fleetwood Mac, Parallel Lines (1978), do Blondie, She's So Unusual (1983), de Cyndi Lauper, dentre tantos outros.
Detalhe da capa de Axis: Bold As Love, segundo álbum da The Jimi Hendrix Experience.
À medida em que o processo de gravação de Electric Ladyland avançava, a relação entre Jimi Hendrix Experience e o seu produtor e empresário Chas Chandler, se tornava insustentável. Chandler discordava do perfeccionismo excessivo de Hendrix nas gravações, além de não tolerar o entra e sai de amigos convidados do guitarrista no estúdio, tonando o ambiente de gravação do álbum tumultuado. O produtor acabou não só abandonando a produção do álbum, como cortou relações profissionais com Hendrix deixando de ser seu empresário. Hendrix assumiu sozinho a produção, o que permitiu a ele ter maior liberdade na condução do novo trabalho.
O perfeccionismo exagerado de Hendrix e o ambiente caótico no estúdio de gravação não haviam incomodado somente Chandler. Noel Redding, baixista da Jimi Hendrix Experience, se mostrava irritado com o excesso de preciosismo do guitarrista e com a bagunça durante as gravações. As relações entre Hendrix e Redding estavam tão abaladas que o baixista chegou a se ausentar de propósito de algumas gravações, levando o guitarrista a tocar as linhas de baixo. Redding passou a se dedicar mais à Fat Mattress, uma banda em que Redding tocava paralelamente à sua carreira na Jimi Hendrix Experience. Era o começo do fim de um dos mais poderosos power trios que o rock já produziu.
Se Redding não aguentou o perfeccionismo de Hendrix nas sessões de gravação de Electric Ladyland, o baterista da Jimi Hendrix Experience, Mitch Mitchell, parece ter suportado muito bem. Só para a faixa “Gypsy Eyes”, foram gravados nada menos que 50 takes durante três sessões, tudo isso para que a faixa ficasse do jeito que Hendrix havia imaginado.
O trio The Jimi Hendrix Experiencee e Chas Chandler (último à direita).
Dentre os amigos de Jimi Hendrix que participaram das sessões caóticas de gravação de Electric Ladyland e que tanto irritaram Chas Chandler e Noel Redding, figuras ilustres como Steve Winwood e Chris Wood (os três da banda Traffic), Dave Manson (recém saído do Traffic), Brian Jones (dos Rolling Stones), Al Kooper e mais outros músicos de alto nível que participaram das sessões de gravação que eram praticamente uma farra.
Para ajudar a dar vazão à liberdade criativa de Jimi Hendrix na produção de Electric Ladyland duas figuras foram importantes, os engenheiros de som Eddie Kramer e Gary Kellen (1939-1977). Os dois foram fundamentais para que o álbum obtivesse uma sonoridade psicodélica arrojada e diferenciada. Kramer já havia trabalhado nos dois discos anteriores da Jimi Hendrix Experience no processo de mixagem. Gary Kellen, além de proprietário da Record Plant Studios, foi responsável também pela mixagem de Electric Ladyland e pelos efeitos de phasing, uma técnica de estúdio no processo de gravação que cria efeitos de altos e baixos no som, indo e voltando de um canal ao outro. Efeitos como esses estão presentes em abundância em Electric Ladyland, principalmente nos solos de guitarra de Jimi Hendrix, dando todo um caráter psicodélico à sonoridade do instrumento.
Enquanto o processo de gravação de Electric Ladyland chegava ao final e Hendrix estava no exterior em mais uma turnê com a The Jimi Hendrix Experience, a gravadora britânica Track Records, da qual o power trio era contratado, começava a preparar a capa do álbum. A gravadora convocou o fotógrafo Dave Montgomery, que fez uma sessão de fotos com um grupo de dezenove mulheres nuas na capa e contracapa, algumas delas segurando fotos de Jimi Hendrix. E foi com a foto em capa dupla com as dezenove garotas nuas que Electric Ladyland chegou às lojas britânicas em 16 de outubro de 1968. A capa do álbum chocou a opinião pública na época, causou o maior escândalo. Algumas lojas chegaram a recusar vender Electric Ladyland. Por incrível que pareça, Hendrix e seus companheiros de banda, não sabiam da ideia da capa. Particularmente, Hendrix detestou a capa.
A polêmica capa da edição britânica de Electric Ladyland com mulheres nuas.
Para o lançamento da edição norte-americana de Electric Ladyland, Hendrix tomnu a iniciativa de escrever uma carta para a Reprise Records, gravadora responsável pelos lançamentos dos discos da The Jimi Hendrix Experience nos Estados Unidos. Na carta, Hendrix faz recomendações de como queria a capa do álbum, incluindo desenhos rascunhados. Entre as ideias rabiscadas para a capa e contracapa, bem como para a parte interna da capa dupla, estava a de trazer na frente da capa, a foto do power trio acompanhado de um grupo de crianças junto a uma escultura de Alice no País das Maravilhas, no Central Park, em Nova York. Inclusive, as fotos já estavam prontas, a cargo da fotógrafa Linda Eastman, futura esposa do beatle Paul McCartney.
Contudo, as recomendações de Hendrix para a capa foram ignoradas pela Reprise Records. A edição norte-americana de Electric Ladyland chegou às lojas com uma imagem da cabeça de Jimi Hendrix, em tons alaranjados e avermelhados, ao invés da foto da banda com as crianças no Central Park, conforme o guitarrista havia pedido em carta. Apenas a parte interna da capa dupla seguiu o pedido de Hendrix. Apesar das confusões e dos escândalos envolvendo as diferenças da capa, o conteúdo de Electric Ladyland foi o mesmo: as mesmas faixas, a mesma sonoridade da música da The Jimi Hendrix Experience.
Foto que seria a capa da edição norte-americana de Electric Ladyland, mas que não foi aproveitada. A foto foi utilizada a capa da caixa especial dos 50 anos de Electric Ladyland em 2018.
Quem abre o lado do A do primeiro disco do álbum duplo é “...And The Gods Made Love”, faixa curta e cheia de efeitos de gravação como ruídos e vozes em baixa rotação que dão ao ouvinte uma sensação extraordinária. Segundo Hendrix, a ideia era retratar musicalmente como seriam os deuses fazendo amor.
A segunda faixa, "Have You Ever Been (To Electric Ladyland)", é um canção romântica e sensual em que Hendrix canta em falsete como se fosse um cantor de soul music. Ao invés de Noel Redding, quem toca o baixo é o próprio Hendrix, que toca também a guitarra. Redding se mostrava insatisfeito durante as gravações do álbum com o excesso de perfeccionismo de Hendrix, chegando a não participar de algumas faixas. Na bateria, o talentoso Mitch Mitchell.
Em "Crosstown Traffic", o power trio está completo com a guitarra de Hendrix afiada como sempre. O ritmo da bateria transita entre o blues rock e o nascente funk. Hendrix canta acompanhado de Noel Redding e Dave Mason nos vocais de fundo.
Fechando o lado A do primeiro disco, o blues “extraterrestre” “Voodoo Chile”, a faixa mais longa do álbum (cerca de 15 minutos de duração). “Voodoo Chile” foi inspirada na linha melódica de “Rollin’ Stone”, um blues de 1950 de Muddy Waters (1913-1983). Nota-se a influência dos mestres do blues como Waters, John Lee Hooker (1917-2001) e B.B.King (1925-2015) no estilo de Hendrix fazer blues. A gravação desta faixa ocorreu ao vivo no estúdio da Record Plant em clima de jam session. Hendrix teria voltado de um clube noturno e foi direto para o estúdio com cerca de vinte convidados para gravar essa música. Entre os amigos, estavam alguns rock stars como Steve Winwood (do Traffic), Jack Casady (do Jefferson Airplane). Hendrix e Winwood parecem fazer um “duelo” entre guitarra e órgão Hammond, enquanto Casady e Mitch Mitchell na retaguarda, respectivamente no baixo e na bateria. A faixa é um verdadeiro deleite para quem gosta de músicos talentosíssimos mostrando as suas habilidades nos seus instrumentos.
Muddy Waters e a sua "Rollin' Stone" inspiraram "Voodoo Chile".
O lado B do primeiro disco começa com “Little Miss Strange”, faixa acessível e de refrão fácil, cuja letra é de Noel Redding, que além de tocar o baixo, divide os vocais com o baterista Mitch Mitchell. Hendrix concentra-se na sua guitarra, fazendo solos com os efeitos de pedal, variando entre o fuzz e o wah-wah. “Long Hot Summer Night” é um rock com vocais de soul music de Hendrix, que conta com a participação especial de Al Kooper ao piano.
“Come On (Let The Good Times Roll)” é mais uma regravação presente em Electric Ladyland, tratando-se de uma canção originalmente gravada por Earl King em 1960. A versão original é mais lenta e os arranjos mais polidos, enquanto que a versão da Jimi Hendrix Experience é mais rápida e “sujo”. Os solos de guitarra de Hendrix são bem distorcidos e o baixo é robusto e pulsante.
O blues rock “Gypsy Eyes”, apesar de contar apenas com baixo, guitarra e bateria, foi a faixa mais trabalhosa do álbum. A cada take gravado, Hendrix mostrava-se insatisfeito com o resultado, levando a faixa a ter cerca de 50 takes. O fato teria irritado o baixista Noel Redding que abandonou as gravações. Hendrix acabou assumindo ele mesmo o baixo, além de fazer os vocais e o som da guitarra. O perfeccionismo exagerado resultou numa das melhores faixas do álbum: baixo, guitarra e bateria em perfeita sintonia com os vocais de Jimi Hendrix, guitarras cheias de efeitos de phasing, recurso técnico desenvolvido em estúdio que permite que o som transite entre um canal e outro como num zigue-zague sonoro. A faixa é um belo misto de blues rock e rock psicodélico.
O baixista Noel Redding (esquerda) abandonou a The Jimi Hendrix Experience por causa do excesso de perfeccionismo de Hendrix e o ambiente agitado e tumultuado pelos convidados do guitarrista nas sessões de gravação de Electric Ladyland.
"Burning Of The Midnight Lamp" teria sido uma das primeiras músicas em que Jimi Hendrix experimentou os efeitos do pedal wah-wah na sua guitarra numa gravação. Com uma letra cheia de metáforas (o que era comum nas canções de Hendrix) e um grau de melancolia nos versos, Jimi Hendrix contou com a participação especial do grupo vocal Sweet Inspirations nos vocais de apoio que deram um tom celestial nas vocalizações de fundo da canção.
“Rainy Day, Dream Away” abre o lado A do segundo disco do álbum duplo. Boa parte da música parece um longo improviso: onde Hendrix faz solos blueseiros na sua guitarra, o músico convidado Freddie Smith empresta o seu talento nos solos de saxofone em tons jazzísticos. Uma saborosa percussão faz o acompanhamento. Na segunda metade da faixa, já na reta final é que Hendrix começa a cantar.
Segunda faixa mais longa de Electric Ladyland, “1983... (A Merman I Should Turn To Be)” conta com a participação especial de Chris Wood, do Traffic, tocando flauta. É mais uma faixa sem Redding, e consequentemente, mais uma com Hendrix no baixo. A letra metafórica da faixa cria todo um cenário surrealista na imaginação do ouvinte. No meio da faixa, uma longa sessão de improviso: Mitch Mitchell mostrando as suas habilidades como baterista e deixando veia jazzística como músico, além da flauta de Wood e dos solos de guitarra de Hendrix.
“Moon, Turn The Tides...Gently Gently Away” encerra o lado A, faixa curta e cheia de efeitos sonoros que dá ao ouvinte a sensação de estar dentro de uma cápsula espacial viajando no espaço sideral.
“Still Raining, Still Dreaming” é uma recriação de “Raining Day, Dream Away”. A diferença é que “Still Raining, Still Dreaming” é mais livre. Os solos de guitarra abusam dos efeitos de pedal wah-wah. O órgão executado pelo tecladista Mike Finnigan, faz um ótimo pano de fundo na música para Hendrix solar livremente com a sua guitarra.
Com solos fantásticos de guitarra na introdução, “House Burning Down” é um rock psicodélico com uma levada rítmica funk. Hendrix põe a guitarra para “gemer” em solos agressivos e “sujos”.
A faixa seguinte, “All Along The Watchtower”, é provavelmente a principal faixa de Electric Ladyland. Trata-se de uma de uma canção de Bob Dylan, regravada pela Jimi Hendrix Experience poucos meses depois que a versão original foi lançada com o álbum John Wesley Harding, de Dylan. A introdução da versão da Jimi Hendrix Experience se tornou antológica. Hendrix toca baixo e fez solos absurdos na sua guitarra, enquanto Mitchell ataca na bateria. Dentre os convidados para gravação desta faixa, participaram Dave Mason tocando um violão de 12 cordas, nada mais nada menos que Brian Jones, dos Rolling Stones, no vibrascap, um instrumento percussivo que produz um som parecido com o de uma queixada.
Bob Dylan teve a sua canção "All Along The Watchtower" recriada definitivamente por Jimi Hendrix.
Fechando com chave de ouro Electric Ladyland, “Voodoo Child (Slight Return)”, uma recriação lisérgica de “Voodoo Chile” na qual o power trio está completo. A faixa mistura blues rock, psicodelia e uma levada funk. Hendrix presenteia o ouvinte com solos de guitarra explosivos e alucinantes, carregados de efeitos de pedal.
Apesar do longo período de produção que durou quase um ano devido aos intervalos para turnês e ao excesso de perfeccionismo de Jimi Hendrix durante as arrastadas sessões de gravação, o tão aguardado Electric Ladyland foi lançado em outro de 1968. Recebeu elogios de alguns críticos musicais, mas causou um estranhamento numa outra parcela da imprensa musical na época de seu lançamento. Porém, alcançou melhor reputação e reconhecimento com o passar dos anos.
Electric Ladyland alcançou o 1º lugar nas paradas de álbuns dos Estados Unidos, enquanto que no Reino Unido foi 6º lugar. O álbum duplo rendeu três singles: “All Along The Watchtower” (5º lugar na para de singles do Reino Unido e 20º lugar na para de singles da Billboard 200, nos Estados Unidos), “Crosstown Traffic” e “Voodoo Child (Slight Return)”. Este último no entanto, trouxe na capa do single o título “Voodoo Chile”, quando na verdade era vir registrado “Voodoo Child (Slight Return)”.
Apesar da razoável receptividade, as relações entre Jimi Hendrix e Noel Redding que já vinham abaladas desde o período das gravações de Electric Ladyland, tornaram-se insustentáveis e a Jimi Hendrix Experience acabou em meados de 1969. Redding deu prosseguimento com a banda Fat Mattress que ele mantinha paralelo à carreira com a Experience, enquanto que Hendrix e Mitchell montaram uma banda nova, a Gypsy Sun And Rainbows, que contou ainda com Billy Cox no baixo, Larry Lee na guitarra base, e Juma Sultan e Jerry Velez na percussão, formação essa que se apresentou no Festival de Woodstock, em agosto de 1969. A formação durou pouco, e em outubro do mesmo ano, Hendrix montou outra banda no formato power trio novamente, com Billy Cox no baixo e um novo baterista, Billy Miles.
Sob o nome Band Of Gypsys, a banda lançou em março de 1970, um álbum gravado ao vivo no Fillmore East, em Nova York. A Band Of Gypsys também teve uma vida curta, e ainda em 1970, cogitou-se o retorno da Experience, porém o máximo que aconteceu foi o retorno de Mitch Mitchell à bateria no lugar de Miles, dando origem à Cry Of Love. Durante o restante do ano de 1970, Hendrix excursionou com a Cry Of Love. Em agosto daquele mesmo ano, Hendrix e a Cry Of Love tocaram no Festival da Ilha de Wight. No mesmo mês, Hendrix inaugurou o seu tão desejado estúdio particular de gravação, a Electric Lady Studios, em Nova York, que custou um milhão de dólares, mas desde junho, ele já vinha experimentando o estúdio. O guitarrista tornava-se o primeiro astro do rock a ter o seu próprio estúdio.
Jimi Henrdrix e o produtor Eddie Kramer (á direita), no recém inaugurado estúdio Electric Lady, em 1970.
Jimi Hendrix teve pouco tempo para desfrutar da sua nova conquista. Hendrix morreu em 18 de setembro de 1970, asfixiado pelo próprio vômito provocado pela ingestão exagerada de barbitúricos.
Em 2018, Electric Ladyland ganhou um relançamento comemorativo aos 50 anos do álbum com uma caixa especial que reúne três CD’s (CD-1 com o álbum original; CD-2 com 22 gravações inéditas das sessões de gravação do álbum; CD-3 show gravado ao vivo da The Jimi Hendrix Experience no Hollywood Bowl, em setembro de 1968), um Blu-ray e um livreto com textos e fotos. Disponibilizaram também a versão da caixa especial com 6 LP's, mais um Blu-ray e um livreto.
The Jimi Hendrix Experience:
-Jimi Hendrix (vocal, guitarra, piano, baixo (nas faixas 2, 6, 8, 11,14 e 15))
-Noel Redding (vocais de fundo e baixo (nas faixas 3, 5, 7, 9,16), violão e vocal principal na faixa 5)
-Mitch Mitchell (bateria, exceto nas faixas 10 e 13).
Charles Master, Felipe Jotz, Luiz Henrique “Tchê” Gomes, e Marcio “Petralha” Petracco
No próximo dia 26 de janeiro, um dos maiores nomes do rock gaúcho, e por que não nacional, estaria completando 50 anos. Trata-se de Flávio Basso, ou Júpiter Maçã, como ficou conhecido nos anos 90. Baixista de mão cheia, vocalista de entrega com performances de palco malucas, e um letrista incrível, Júpiter é uma referência no rock gaúcho, ao lado de nomes como Wander Wildner, Humberto Gessinger e Thedy Corrêa. Combinando com isso, o mês de janeiro é aquele onde a maioria dos jovens adolescentes curte uma praia (veraneia, como se diz por aqui). Na minha infância/adolescência, as músicas de um dos grupos que Fábio ajudou a criar tocavam direto lá em casa.
Flavio Basso, saindo do TNT e fundando os Cascavelletes
Fundado em 1984 por Flávio Basso (guitarra, vocais), Charles Master (guitarra, vocais), Márcio Petracco (baixo, vocais) e Alexandre Birck (bateria), o grupo logo em seguida ganhou a adição do guitarrista Nei Van Soria. Como quinteto, duraram pouco, pois Márcio pulou da barca, e Flávio assumiu o baixo. Nascia assim a formação que grava duas faixas para a coletânea Rock Grande do Sul (1986), as quais são “Estou na mão” e “Entra nessa”, os únicos registros do TNT com Flávio, que saiu da banda logo em seguida, junto com Nei Van Soria, para formar Os Cascasvelletes (que também merecem uma Discografia Comentada). Com Márcio “Petralha” Petracco de volta, e Luis Henrique “Tchê” Gomes nas guitarras, além de Master e Felipe Jotz na bateria, surge o primeiro disco da banda.Quatro álbuns, dois deles clássicos fundamentais nos botecos, praças e esquinas do Rio Grande do Sul, e muitas músicas para serem tocadas em luaus Brasil à fora, com o refrão na ponta da língua e a alegria de uma das grandes bandas de rock do nosso país.
Sendo assim, aproveito a nostalgia e a data para homenagear tanto a Flávio/Júpiter quanto o seu primeiro grande grupo, TNT. Ok, os mais xiitas irão dizer: “Mas bah, se não fosse o Charles Master, nunca haveria tido TNT” e “O Júpiter nunca gravou um disco completo com o TNT“, mas isso é o de menos.
TNT [1987]
A estreia full lenght dos “beatles dos pampas” é uma aula de rock ‘n’ roll para se dançar nas festas e bares durante toda a vida. Com inspirações nos primórdios do rock (anos 50 e 60 principalmente), pitadas de blues, letras de duplo sentido e muito feeling, aqui temos clássicos eternos do BRock. As letras falando sobre sexo, curtição, bebidas e tudo o mais que a vida desregrada de um jovem roqueiro pode ter, obviamente simbolizaram aos jovens daquela geração uma forma de se expressar. De cara, dois grandes clássicos, “Ana Banana” e “Cachorro Louco”, até hoje hinos no rock gaúcho. Do mesmo porte, estão “Entra Nessa” e “Identidade Zero”, rockabillies sensacionais, com letras engraçadíssimas, “Febem”, com um piano estonteante, a baladinha “Me Dá O Cigarro”, e a linda rock ballad “Oh Deby”, que criaram uma nova definição para a turma do Bonfim (tradicional bairro boêmio de Porto Alegre), que curtia os fins de semana na Redenção: a “chinelagem”. Dance ao som de “Desse Jeito” e “Liga Essa Bomba”, vibre com a gaitinha de boca de “Estou na Mão”, enlouqueça com “Ratiação” e grite com força para sua ex o título de “Não Quero Mais Te Ver”. Disco seminal na história do rock nacional, no qual todas as canções são composições de Flávio e Charles. A capa é inspirada em Power, Corruption & Lies, lançado pelo New Order em 1983, apesar de o som ser totalmente distinto. O desafio para o segundo disco, sem Flávio para auxiliar, foi grande. Mas os guris conseguiram superar o mesmo no ano seguinte.
TNT II [1988]
A parceria “Tchê” Gomes e Charles Master apresenta um som mais maduro em relação ao álbum anterior. Logo na primeira faixa, “Não Vai Mais Sorrir (Pra Mim)”, com a participação especial de Lulu Santos, podemos ver que o grupo está afim de crescer, com a inclusão do slide guitar em evidência. O slide também surge no leve country “Ela Me Deu O Bolo”. Outro ponto que chama a atenção nesse crescimento são os solos de guitarra, que ficaram mais elaborados e profissionais, vide “Baby (Eu Vou Morar N´outro Planeta)”, essa inclusive com um pequeno solo de bateria, “Dentro Do Meu Carro”, com o wah-wah comendo solto, e “Muito Cuidado”. O baixo de Master é uma das grandes atrações, com “Gata Maluca” e a ótima “Tempo No Inferno” sendo exemplos de como colocar o baixo na cara do ouvinte, sem extrapolar. Sem dúvidas, é uma marca registrada no som do TNT, assim como seu vocal escrachado. Das lembranças do primeiro álbum, temos o rock “Charles Master”, destacando o piano e as vocalizações femininas, e o jazz rock “Veja Amor”. Os grandes sucessos de TNT II ficaram para o rockabilly “Alazão”, com sua letra engraçada pacas, a balada “Irmã do Dr. Robert”, que inclusive levaram-os a apresentarem-se no programa global Globo de Ouro, e o mega-sucesso dos pampas “Não Sei”, inspirada nos riffs de “Sweet Jane” (Velvet Underground) e única composição do quarteto em conjunto, a qual é cantada até hoje nas diversas festas realizadas por jovens, adolescentes e adultos que viveram o final dos anos 80 no Rio Grande do Sul. Tão fundamental quanto TNT, TNT II é o álbum de maior sucesso dos gaúchos.
Noite Vem, Noite Vai [1991]
Depois de algumas brigas internas. uma reformulação na formação, com a saída de Felipe e a entrada de Paulo Arcari, uma breve pausa para se recuperar do estrondoso sucesso dos dois primeiros discos é necessária. O TNT volta à ativa em 1990, agora como um quinteto, tendo João Maldonado nos teclados. Assim, lançam Noite Vem, Noite Vai, em 1991. Com letras mais reflexivas, sem a alegria infantil de TNT e TNT II, temos aqui uma visão forte do pop que Master desejava seguir dali em diante. Faixas como “Amigo Meu”, o blues da faixa-título, “Paz no Seu Coração” e “Quem Procura Acha”, a primeira com um belo solo de slide, e as duas últimas com a participação destacada do órgão hammond de Maldonando, fogem do padrão de dois/três minutos que tínhamos até então, mas são boas canções. Curto mesmo o embalo setentista de “Daqui Pra Frente”, o solo de guitarra em “Não Tenho Medo Da Vida”, e o ritmo roqueiro de “Vacilou”, uma das raras lembranças do passado festivo do TNT. A banda conseguiu emplacar mais um grande sucesso nas rádios gaúchas, a bela “Nunca Mais Voltar”, com o riff sensacional do slide de Marcio, e o sensacional blues “Deus Quis”, faixa que considero a melhor de Noite Vem, Noite Vai. Por outro lado, “Estou Louco Por Você” parece saída de ensaios de alguma banda obscura do BRock oitentista, e não faria falta no track list final. Trocando em miúdos, é um álbum aquém de seus antecessores, mas ainda assim, importante para a geração roqueira do sul do país.
Charles Master, Marcio Petralha, Paulo Arcari, Luiz Henrique Gomes e João Maldonado. TNT em 1991Coletânea de rádio gaúcha, com rara canção do TNT
Em 1992, “Tchê” deixa o TNT. Na mesma época, Flávio sai dos Cascavelletes e volta para o seu grupo de origem, mas infelizmente, a tentativa de reviver os primórdios do TNT é frustrada devido a brigas e divergências musicais. Ficou como registro o single “Você Me Deixa Insano”/”Tá Na Lona”, sendo a primeira incluída também na coletânea As 15 mais da Ipanema, da rádio Ipanema de Porto Alegre, e que tornou-se outro pequeno sucesso do TNT no sul. A banda encerra as atividades em 1994, com Charles e Flávio, agora rebatizado de Júpiter Maçã, seguindo em carreira solo, enquanto Marcio fundou o Cowboys Espirituais, ao lado de outros grandes nomes do rock gaúcho (Frank Jorge e Julio Reny), e Luiz Henrique seguiu tocando em diversas bandas de Porto Alegre e região. Em 1999, é lançada a coletânea Hot 20, com 20 canções do grupo e que apresentou-os para a geração dos anos 90.
Em 2002, o TNT voltou a fazer shows em Porto Alegre, tendo na formação Charles, Luiz Henrique, Márcio e Fábio Ly na bateria. Esses shows culminaram com o CD e DVD Ao Vivo (2004), gravado no bar Electric Circus, em Portão, Rio Grande do Sul, no dia 13 de setembro de 2003, e com a participação de Luciano Albo (violão de 12 cordas, vocais), Alexandre Papel Loureiro (percussão, backing vocals), Roberto Scopel (trompete) e Carlos Mallman: (trombone). Na sequência, Marcio sai da banda, e como um trio, mais um novo álbum de estúdio do TNT vem em 2005.
Um Por Todos Ou Todos Por Um [2005]
O derradeiro disco do TNT é uma tentativa interessante de reviver o passado. Há a participação de Henrique Portugal nos teclados de “Contigo”, “Bicho Esquisito” e “Mais Menos”. Logo no início, as vocalizações e o riff de “Por Enquanto” nos remetem ao primeiro álbum. Gosto do blues arrastado de “Mais Menos”, e de “Ao Redor”, “Contigo” e a bela “O Quanto Antes”, as duas últimas com a participação de Luciano Albo no baixo, pela pegada mais oitentista e as letras de amor que fazem sentido para os já adultos “guris do TNT”, do suingue de “Bicho Esquisito” e do slide no rockabilly “Se Quer Saber”. No mais, o som é um tanto cru, faltando uma produção mais rica. Isso pode ser percebido seja nas canções já citadas, e em faixas como “Quando A Noite Vem”, “Ondas Legais” e a regravação de “Tá Na Lona” , que apesar de serem legais para curtir, faltam de um certo “tempero” para vingar no paladar do ouvinte, como se tudo tivesse sido gravado em um estúdio caseiro. “Ondas Legais” inclusive tocou um pouco nas rádios, mas não deu certo. “A Chuva”, “Histórias Felizes” e “Juro Que Não”, apesar da boa participação da guitarra de “Tchê” Gomes, não são das mais agradáveis. Ao encerrar a audição de Um Por Todos Ou Todos Por Um, fica uma sensação de que o TNT viajava nas ondas de outros nomes em voga no rock gaúcho da época, como Bidê O Balde, Acústicos e Valvulados ou Cachorro Grande. É um disco interessante, que fecha com dignidade uma carreira brilhante e meteórica.
A útlima formação do TNT, já em 2005: “Tchê” Gomes, Fábio Ly e Charles Master
Em 2012, Charles, Luis Henrique e João Maldonado, juntos de Régis Sam (baixo) e Bruno Suman (bateria e percussão) gravaram a faixa “Do Teu Sorriso Vou Lembrar, Porto Alegre”. A expectativa de que o TNT fosse voltar não ficou além disso. Charles Master ainda faz shows pelo Rio Grande do Sul. Márcio Petralha e “Tchê” Gomes são músicos em Porto Alegre, e Flávio “Júpiter Maçã”Basso foi viver em outra galáxia espiritual em dezembro de 2015.